Acórdão nº 2336/19.8BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 28 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução28 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO D.............., devidamente identificado nos autos de ação administrativa urgente instaurada contra o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Ministério da Administração Interna, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 16/01/2020, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a ação improcedente, absolvendo a Entidade Demandada do pedido de impugnação da decisão da Diretora Nacional Adjunta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 20/11/2019, proferida no âmbito do pedido de proteção internacional e, consequentemente, do pedido que se reconheça o Estado Português como responsável pela análise do pedido de proteção internacional, não determinando a sua transferência para França.

* Formula o Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “1. Em acção administrativa especial proposta junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, veio o ora recorrente, cidadão nacional do Mali impugnar a decisão da Exma. Senhora Directora Nacional do SEF de 20/11/2019, que considerou o pedido de protecção internacional por si formulado, inadmissível, e determinou a sua transferência para França, Estado-Membro responsável por retomar a cargo o requerente, nos termos das disposições do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de Junho (Regulamento Dublin III).

  1. Considerou a douta decisão em crise que: “(…) o Autor refere genericamente a existência de deficiências sistémicas nas medidas de acolhimento dos requerentes de protecção internacional em França, associadas ao actual cenário económico, político e social desse país, e alega, de forma conclusiva, que, ao ser transferido para França, será colocado numa situação de tratamentos desumanos e degradantes, sem que, no entanto, tenha invocado e demonstrado situações concretas (…), considerando in casu que não existem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes em França, invocando, contrariamente ao alegado e peticionado na impugnação jurisdicional apresentada pelo ora recorrente, tendo o tribunal a quo omitido os seus poderes de instrução da causa.

  2. Andou mal o Tribunal a quo, quando a douta sentença recorrida colide, ela sim, com os princípios estruturantes do Sistema de Dublin e com Jurisprudência assente do Tribunal de Justiça da União Europeia deveria sim, ter considerado e condenado a ora recorrida à reconstituição do procedimento de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional e a obrigatoriedade de apreciação das informações coligidas para efeitos de determinar se se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação da cláusula de salvaguarda constante do artigo 3º, n.º 2, do Regulamento Dublin III.

  3. Com efeito, em matéria de competência internacional, no âmbito da União Europeia, para análise dos pedidos de protecção internacional apresentados num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida rege o REGULAMENTO (UE) N.º 604/2013 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 26 de junho de 2013 [de ora em diante, simplesmente, Regulamento Dublin III], que vigora directamente na ordem jurídica portuguesa.

  4. No entanto, não andou bem o Tribunal a quo ao considerar que foram respeitados no caso sub judice os critérios de retoma a cargo previstos no Regulamento Dublin III.

  5. De acordo com o art.º 20.º/5 do Regulamento UE, «o Estado-Membro a que tiver sido apresentado pela primeira vez o pedido de proteção internacional é obrigado, nas condições previstas nos artigos 23.º, 24.º, 25.º e 29.º e a fim de concluir o processo de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional, a retomar a cargo o requerente que se encontre presente noutro Estado- Membro sem título de residência ou aí tenha formulado um pedido de proteção internacional, após ter retirado o seu primeiro pedido apresentado noutro Estado-Membro durante o processo de determinação do Estado responsável».

  6. Assim sucedeu no caso dos autos, conforme a factualidade dada com provada: o recorrente confirmou, aquando da entrevista, que tinha formulado um pedido de asilo em França e, contactadas as autoridades francesas, as mesmas anuíram na aceitação de retoma a cargo do ora recorrente.

  7. Todavia, a aplicação sucessiva dos critérios previstos no Regulamento de Dublin para o apuramento do Estado responsável pela apreciação do pedido de protecção internacional é mitigada pela existência de cláusulas que permitem ou impõem aos Estados membros que tomem em consideração outros aspectos e, a final, decidam pela não transferência do requerente de asilo para o Estado que a aplicação singela desses critérios elege como responsável.

    Estão, por um lado, em causa as designadas “cláusulas humanitárias” dos art.ºs 16.º e 17.º do Regulamento Dublin III, referentes a dependentes ou outros membros de uma família. E, por outro lado, está em causa a actualmente conhecida por “cláusula de salvaguarda”, prevista no artigo 3.º/2, do mesmo Regulamento, que o ora recorrente reclamou para o presente caso.

  8. Assim, porque está em causa a aplicação de direito da União ─ que é, em primeira linha, direito derivado e de aplicação imediata na ordem jurídica nacional ─, todo o normativo resultante da Lei do Asilo (nomeadamente dos seus artigos 19.º-A e 37.º/2) carece de ser interpretado e compatibilizado também com a mencionada cláusula de salvaguarda.

  9. A ponderação da cláusula de salvaguarda ─ que o mesmo é dizer a verificação e apreciação das informações disponíveis e actuais, pertinentes, sobre o procedimento de asilo e sobre as condições de acolhimento praticadas no Estado, em princípio, responsável pela análise do pedido de protecção internacional ─ é um momento obrigatório de ponderação da decisão de transferência, à luz dos deveres de protecção dos direitos fundamentais que obrigam todos os Estados-membros.

  10. Segundo a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça da União Europeia, os Estados-membros estão obrigados a não adoptar uma interpretação do direito derivado e, portanto, também do seu direito nacional que seja susceptível de entrar em conflito com os direitos fundamentais protegidos pela ordem jurídica da União ou com os outros princípios gerais do Direito da União [cfr. Acórdãos de 6 de Novembro de 2003 (processo C-101/01 – Lindqvist), n.º 87, e de 26 de Junho de 2007 (processo C-305/05 – Odre des barreaux francofones et germanophone e o.

    ), n.º 28].

  11. Conforme resulta da douta sentença ora em crise, e que acompanha na íntegra as autoridades portuguesas ao considerarem o Estado Francês responsável pela análise do pedido de protecção internacional formulado pelo Autor, estritamente, com base nas ocorrências registadas na base de dados do Sistema Eurodac e na anuência de aceitação a retoma a cargo do ora recorrente, mostrando-se, porém, a decisão impugnada totalmente omissa relativamente a qualquer informação sobre a situação actual de acolhimento dos refugiados e requerentes de protecção internacional em França. É certo que o Autor, vem invocar em sede contenciosa falhas sistémicas no sistema do procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes de asilo em Itália que reputa de conhecidas e difundidas pela imprensa nacional e estrangeira e por organizações não governamentais. Porque o Estado Francês não tem capacidade para continuar a acolher requerentes de protecção internacional, ao ser deslocado para França ─ afirma ─ «será colocado numa situação de tratamentos inumanos e degradantes».

  12. O ora recorrido não fez constar do PA qualquer informação obtida junto de fontes credíveis e consolidadas como o Gabinete Europeu de...

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