Acórdão nº 01322/19.2BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução04 de Junho de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO: 1. O SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS (SEF) vem interpor recurso jurisdicional de revista para este STA, nos termos do art. 150º CPTA, do acórdão do TCA Sul, de 30.01.2020, que negou provimento ao recurso da sentença do TAC de Lisboa – que anulara a decisão da Directora Nacional do SEF, proferida em 02.07.2019, condenando a então R. a instruir o procedimento relativo ao pedido de protecção internacional formulado por A………., em 03.06.2019, “com informação fidedigna e actualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e condições de acolhimento do requerente de protecção internacional em Itália” – embora com diferente fundamentação.

  1. Para tanto alegou em conclusão: 1º - Resulta evidente que o Tribunal recorrido na sua ponderação e julgamento do caso sub judice, e refutando a decisão do recorrente, não deu cumprimento às normas legais vigentes em matéria de asilo, mormente no que respeita ao mecanismo da Retoma a Cargo, ao qual a Itália está vinculada; 2º - O ora recorrente deu início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertencia a Itália (cf. art.º 25º, n.º 2 do citado Regulamento (UE) 604/2013 e art.º 37º, nº 1 da lei n.º 27/2008 (Lei de Asilo)), impondo a lei como consequência imediata (vinculada) que fosse proferido o acto de inadmissibilidade e de transferência; 3º - De harmonia com o art.º 25º nº 2 do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e o art.º 37º, nº 1 da lei de Asilo, o ora recorrente procedeu à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, procedimento regido pelo art.º 36º e seguintes da Lei 27/2008, de 30 de junho (Lei de Asilo), tendo, no âmbito do mesmo sido apresentado, aos 12/06/2019, pedido de retoma a cargo às autoridades italianas, aceite tacitamente.

    4º - Consequente e vinculadamente, por despacho da Diretora Nacional, nos termos dos artºs 19º-A, nº 1, a) e 37º nº 2 da citada lei, foi o pedido considerado inadmissível e determinada a transferência do requerente para Itália, Estado-Membro responsável pela análise do pedido de Asilo nos termos do citado regulamento, motivo pelo qual o Estado português se torna apenas responsável pela execução da transferência nos termos dos artºs 29º e 30º do Regulamento de Dublin; 5º - "Estamos, portanto, perante um acto estritamente vinculado, sendo que a validade dos atos praticados no exercício de poderes vinculados tem de ser feita em função dos pressupostos de facto e de direito fixados por lei, ou seja pela confrontação da factualidade dada como provada com a consequência jurídica imediatamente derivada da lei (...) é a própria Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, que no seu artigo 37.º, n.º 2, lhe impunha a atuação levada a efeito” (cf. Acórdão do TCA SUL de 19/01/2012, proc. nº 08319/11); 6º - Com a devida Vénia, afigura-se ao recorrente que o Acórdão, ora objeto de recurso, carece de fundamentação legal, porquanto não logrou fazer a melhor interpretação do regime que regula os critérios de determinação do estado membro responsável, em conformidade com o Regulamento (EU) que o hospeda.

    7º - Na verdade, não pode o ora recorrente aceitar o veredicto plasmado no Acórdão que considerou boa a tese do recorrido (Autor).

    8º - Estamos perante um procedimento em que o Estado Membro responsável já estava determinado, sendo este Estado a Itália, Estado onde foi apresentado o pedido de proteção internacional. Ao deslocar-se para Portugal, cabe às autoridades portuguesas, ora Recorrente, aplicar vinculadamente as regras da retoma a cargo, previstas no artigo 23º do Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de julho, e ao Estado italiano cumprir com as obrigações previstas no artigo 18º, do mesmo Regulamento.

    9º - Estatui a alínea a) do n° 1 do art.º 19º-A da lei 27/2008, de 30 de junho que "O pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV".

    10º - Sob a epígrafe «Procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional", o capítulo IV estabelece no art.º 36° que "quando haja lugar à determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de proteção internacional é organizado um procedimento especial regulado no presente capítulo".

    11º - Quer isto dizer que, recebido o pedido de Proteção Internacional e verificando que, nos termos do nº 1 do art.º 37º, “a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado membro" as autoridades portuguesas, em conformidade com o legalmente estabelecido, iniciam um "procedimento especial”, de acordo com o previsto no Regulamento (EU) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho"; 12º - Nesse sentido e em sede de garantias dos requerentes, o regulamento Dublin vem estabelecer no art.º 4º o Direito à informação e, no art.º 5º, a realização de uma Entrevista pessoal “A fim de facilitar o processo de determinação do Estado-membro responsável (...). A entrevista deve permitir, além disso, que o requerente compreenda devidamente as informações que lhe são facultadas nos termos do artº 4º."; 13º - No caso em escrutínio, e em cumprimento do disposto no art.º 5.º do Regulamento 604/2013 (Regulamento Dublin) ex vi art.º 36.º, n.º 1 da lei 27/2008, foi realizada entrevista pessoal ao requerente (cf. pág. 19 a 25 do PA) que deu origem ao respetivo Relatório; 14º - A Entidade Demandada, ora Recorrente, observou as exigências previstas no artigo 5º do Regulamento supra mencionado, tendo realizado, antes da decisão que determinou a transferência, uma entrevista pessoal com o requerente, ora Autor e, bem assim, elaborado um resumo escrito, através de relatório/formulário, do qual constam as principais informações facultadas pelo requerente; 15º - Por outro lado, no âmbito desta entrevista, o recorrido foi informado da aplicação do referido Regulamento quanto aos critérios de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional que formulou, tendo-lhe sido facultada a possibilidade de pronúncia quanto à eventual decisão de retoma a cargo a proferir pelo Estado onde o pedido foi apresentado, bem como alegar elementos susceptíveis de afastar a aplicação dos critérios de responsabilidade e, consequentemente, a sua transferência para Itália; 16º - No âmbito do Procedimento Especial previsto no Capítulo IV da lei de Asilo (artigos 36.º a 40.º) relativo à determinação do Estado-membro responsável pela análise do pedido, na medida em que não se vai analisar o mérito do pedido nem os fundamentos em que se baseiam a pretensão do recorrido, não se impõe à Administração que adoptasse quaisquer outras diligências de prova ou de instrução do pedido; 17º - Não é aplicável o disposto no art.17º n° 2 da lei do Asilo, afastada pela certeza "especial" do procedimento plasmado no art.º 36º e ss. da referida Lei, tal como se comprova no nº 7 do art.º 37°, que estipula que: "em caso de resposta negativa do Estado requerido ao pedido formulado pelo SEF, nos termos do nº 1 observar-se-á o disposto no capítulo III".

    18º - A tramitação do procedimento de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional obedece a regras de procedimento diferente, que são as estabelecidas pelo Regulamento (EU) na 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho (Regulamento Dublin).

    ln casu, a Itália aceitou a retoma a cargo, o que afasta decisivamente a aplicabilidade das normas do capítulo III (e de todas as suas normas), à situação vertente.

    19º - Quanto à questão da existência de eventuais falhas sistémicas nos procedimentos de receção dos pedidos de proteção internacional por parte das autoridades italianas, o Regulamento Dublin, no artigo 3º, n.º 2, prevê, efetivamente, que "Caso seja impossível transferir um requerente poro o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável".

    20º - E nos termos do art.º 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) "Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas desumanos ou degradantes".

    21º - Ora, quer no tocante ao sistema de análise dos pedidos de asilo na Itália, quer nos elementos constantes nos autos, inexistem quaisquer indícios que permitam concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de Asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes, que impliquem um risco de tratamento desumano ou degradante, ou que dadas as particulares condições do recorrido a transferência implique um risco sério e verosímil de exposição a um tratamento contrário ao art.º 4º da CDFUE, nem risco objetivo (direto ou indireto) de reenvio para o país de origem, para que Portugal não proferisse a decisão de transferência ora impugnada, motivos esses que o recorrido não invocou quando efetuou pedido de proteção internacional.

    22º- Para melhor corroborar a posição do ora recorrente vejamos a argumentação do TACL no Processo nº 471/19.1BESB a qual desde já subscrevemos: "Em conformidade com a confiança mútua entre os Estados-Membros no âmbito do SECA, existe uma forte presunção e no que as...

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