Acórdão nº 292/18.9T8LSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Junho de 2020
Magistrado Responsável | LUIS FILIPE SOUSA |
Data da Resolução | 02 de Junho de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO DD – Unipessoal, Lda.
, intentou ação declarativa de condenação, na forma comum, contra CM, Lda.
(1.ª Ré), e MM – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.
(2.ª Ré), pedindo a condenação solidária das Rés no pagamento à Autora da quantia de € 220 000,00 (duzentos e vinte mil euros), a título de rendas vencidas e não liquidadas, bem como de € 110 000,00 (cento e dez mil euros), a título de indemnização calculada nos termos do n.º 1 do artigo 1041.º do Código Civil.
Alegou, em suma, que, no âmbito de um contrato de arrendamento comercial, já resolvido, a 1.ª Ré deixou de liquidar à Autora as rendas devidas pela contrapartida do contrato. Estão em dívida as rendas mensais vencidas desde 1 de fevereiro de 2014 até 21 de setembro de 2017. A 2.ª Ré assumiu a qualidade de fiadora no cumprimento do contrato, em termos solidários, fiança que tem o mesmo conteúdo da obrigação principal.
A 2.ª Ré contestou a ação, pugnando pela sua absolvição do pedido formulado.
Sustentou, em suma, que a indemnização peticionada não é devida, visto que apenas vale para as situações de continuação do arrendamento, o que não sucedeu em concreto. Por outro lado, e durante longos meses, a Autora nada fez para cobrar as rendas vencidas, deixando acumular uma dívida muito elevada, mormente não agindo judicialmente contra a locatária 1.ª Ré. Esta empresa cessou a atividade e entregou o locado à Autora. Está tecnicamente falida. A 2.ª Ré não pode subrogar-se nos direitos que lhe competiam, se vier a ser condenada a pagar. A atuação da Autora é, no mínimo, negligente e/ou juridicamente abusiva, pelo que a 2.ª Ré mostra-se desonerada da obrigação que contraiu, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 334.º e 653.º, ambos do Código Civil.
A Autora reduziu o pedido no atinente à indemnização prevista no artigo 1041.º, n.º 1, do Código Civil, no valor de € 110 000,00. Após, respondeu visando a improcedência da matéria de exceção suscitada pela 2.ª Ré, o que fez no decurso da audiência prévia.
A instância foi declarada extinta por inutilidade superveniente da lide, em relação à 1.ª Ré, mediante decisão judicial proferida a 28 de novembro de 2018 (cfr. fls. 83 a 87).
Foi proferido despacho-saneador sentença com o seguinte teor: «Atento o circunstancialismo factual assente e a fundamentação jurídica invocada, o Tribunal julga a presente ação improcedente, por via da procedência da matéria excetiva perentória invocada pela defesa e, em consequência, absolve a 2.ª Ré do pedido deduzido.» * Não se conformando com a decisão, dela apelou a requerente/Autora, formulando, no final das suas alegações, as seguintes: «CONCLUSÕES:
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Errou clamorosamente o Senhor Juiz a quo quando decidiu que a Fiadora estava impossibilitada de se sub-rogar no crédito da devedora por culpa imputável à "inércia" da credora, assim como errou ao considerar que se assim não se entendesse, o efeito prático sempre seria o mesmo por conta do facto do alegado comportamento culposo da Recorrente. constituir uma situação típica de supressio.
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Em janeiro de 2014, a ora Recorrente celebrou, pelo prazo de 10 (dez) anos, um contrato de arrendamento para fins não habitacionais com fiança e com opção de compra no qual a ora Recorrida era fiadora.
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Aquando da celebração do contrato foi convencionado o pagamento de uma renda mensal de € 5.000,00, tendo sido paga apenas a renda devida pelo mês de janeiro de 2014, e entregue pela arrendatária à Recorrente a quantia de € 5.000,00 a título de caução.
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Em 1 de fevereiro de 2014 a arrendatária deixou de pagar a renda, tendo a Recorrente resolvido o referido contrato de arrendamento quando teve conhecimento dos factos em 21 de setembro de 2017.
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Não obstante a resolução operada, a arrendatária apenas abandonou o locado em 6 de novembro de 2017.
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Durante todo o tempo que mediou entre o início da vigência do contrato de arrendamento e a sua resolução, a arrendatária esteve sempre em pleno uso do locado, mantendo em funcionamento a sua atividade.
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O gerente da Recorrente é de nacionalidade chinesa, não tendo qualquer conhecimento, ainda que básico da língua portuguesa, reside na China e não tinha à data dos factos nenhum representante em Portugal, pelo que, em virtude das dificuldades de comunicação e tendo em conta que as rendas eram pagas para uma conta domiciliada em Portugal, o mesmo não tinha conhecimento da ausência de pagamento das rendas.
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No entanto, para o Senhor Juiz a quo, não foi suficiente por um lado a circunstância do representante legal da Recorrente não se encontrar em Portugal e de não falar português, e por outro o facto da Recorrida nunca ter abandonado o locado tendo mantido durante todo aquele tempo a decisão de não pagar as rendas e continuar a usufruir plenamente do locado mantendo no mesmo o exercício da sua atividade.
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Como se o erro não fosse já suficientemente grave, o Senhor Juiz a quo, apesar de ter sido alegado em sede de audiência prévia, em resposta à exceção deduzida pela Recorrida o facto da arrendatária e da fiadora terem o mesmo representante legal, ou seja, o Gerente de uma, ser precisamente o Presidente do Conselho de Administração da outra, decidiu fechar os olhos e passar ao lado do facto que é a pedra de toque de todo este caso.
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Note-se que, nunca se poderia dizer, ao contrário do que faz o Senhor Juiz a quo que a fiadora foi "confrontada/surpreendida" com a dívida na totalidade de 220.000,00€, porque a verdade é que sendo o representante legal da arrendatária o mesmo da fiadora, a falta de pagamento das rendas mais não foi do que um ato voluntário da fiadora.
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É impossível que não se atribuam responsabilidades à fiadora pelo não pagamento das rendas, a arrendatária, bem como a fiadora, sabiam que a cada mês que permanecessem no locado as rendas se continuariam a vencer e nem por isso alguma delas fez alguma coisa para que as mesmas se cessassem.
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É evidente que se a arrendatária continuava no locado, não estaria certamente à espera de o fazer de graça, tendo, no entanto, continuado a gerar novas quantias sabendo perfeitamente que não as ia pagar.
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A verdade é que, tanto a Arrendatária como a Fiadora, que na verdade se podem subsumir à mesma entidade, se aproveitaram do facto do Senhorio ser chinês e se encontrar numa situação que bem sabiam lhes era muito conveniente.
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Não há assim, nenhum fundamento que justifique a opção do Senhor Juiz a quo pela conclusão de que há uma impossibilidade de sub-rogação da fiadora e muito menos que a existir, o que por mera hipótese se admite sem conceder, a mesma se deva a alguma ação promovida pela Recorrente.
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Quanto à possibilidade de se subsumir o presente caso a uma situação típica de supressio não se poderá deixar de dizer que ninguém se mantém num locado sem pagar a renda e pensa que o facto de o Senhorio não exigir o pagamento das rendas que se vão vencendo significa que se deixam de vencer as rendas seguintes e ainda mais que o Senhorio não as quer receber não tendo por isso o Arrendatário que as pagar, assim como ninguém, à exceção do Senhor Juiz a quo, entende que na realidade de um contrato de celebrado pelo prazo de 10 (dez) anos se pode considerar que 3 (três) anos representa tempo suficiente para que alguém crie qualquer tipo de expectativa sobre um contrato que todos sabem que é sinalagmático.
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Por fim, contribui ainda para afastar a qualificação de supressio o facto de não resultar da execução da fiança, uma "desvantagem injustificada" para a Fiadora, uma vez que esta para além de ter conhecimento do incumprimento do contrato de arrendamento desde o primeiro momento, sempre soube que pelo menos durante 10 (dez) anos corria o risco de ser chamada a responder pelo incumprimento da sua afiançada, que na verdade era ela própria, nunca o tendo limitado, percebendo-se agora exatamente quais foram os...
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