Acórdão nº 01523/09.1BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução15 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO L., LDA., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do Acordão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga promanado no âmbito da Ação Administrativa Especial por si intentada contra o IAPMEI - AGÊNCIA PARA A COMPETITIVIDADE E INOVAÇÃO, I.P., também com os sinais dos autos, que, em 17.07.2015, julgou a presente ação totalmente improcedente, e, em consequência, absolveu o[s] Réu[s] do pedido.

Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) 1.º- Um sistema judicial inspirado em valores democráticos não é compatível com decisões que hajam de impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere mas antes pela razão que lhes subjaz.

  1. - Só uma cabal fundamentação da decisão permite o controlo da legalidade do ato e convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da correção e justiça, sendo ainda um meio importante para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, atuando por isso como meio de autocontrolo.

  2. - Miguel Teixeira de Sousa (in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pág. 348) salienta certeiramente que o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa aferir da razoabilidade da convicção formada sobre o julgamento dos factos provados e não provados, para que, através dessa fundamentação, o juiz passe de convencido a convincente (v. Acórdão do TRG de 01-11-2003 - Proc. 1307/2003).

  3. - No mesmo sentido, aliás, se tem posicionado o Tribunal Constitucional, segundo o qual a livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma atividade puramente subjetiva, emocional e, portanto, não fundamentada juridicamente; tal princípio concretiza-se - isso, sim - numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, o que permitirá ao julgador objetivar a apreciação dos factos - requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão.

  4. - A motivação da decisão do tribunal não é, nem pode ser mais, um ato de fé, um puro exercício de íntima convicção. Na motivação, o julgador deve convencer todos os que, a posteriori, tentem, com base nela, reconstruir mentalmente o percurso decisório do juiz.

  5. - A fundamentação é, em regra, o “sismógrafo” do bom ou mau julgamento da matéria de facto. A exigência de motivação cumpre uma diretiva constitucional e legal, visando evitar a arbitrariedade.

  6. - Ora, por não se conformar com a decisão acerca da matéria de facto, a recorrente impugna tal decisão, concretamente quanto à factualidade que a mesma entende ter sido erroneamente julgada e que se subsume à matéria constante do n.° 9 dos “Factos Provados”, ou seja, a de que “As situações apontadas representam 115 horas de volume de formação num total de 4843 horas de volume de formação realizada” - cuja convicção o Tribunal a quo alicerçou na análise crítica dos documentos juntos aos autos, designadamente a fls. 4, 303, 397, 546 e 702 do Processo Administrativo.

  7. - Ora, com o devido respeito, a recorrente entende que houve erro notório na apreciação da prova já que desses documentos não se vislumbra como se chegou à conclusão que o número de horas de formação efetivas correspondentes às referidas “quebras” tenha sido de 115 horas; 9°- Até porque nem sequer é possível identificar ou reconhecer naqueles documentos - muito menos, controlar e sindicar - o critério adotado para a definição de “quebra”: a admitir-se a suposta sobreposição de horário de % hora nas situações referidas nas alíneas a) e c) do n.° 6 dos “Factos Provados”, por exemplo, trata-se de sobreposição parcial ou total? Em qualquer dos casos, porquê? 10°- Aliás, a convicção do Tribunal a quo não se encontra sequer devidamente fundamentada, não permitindo assim a reconstrução do percurso decisório do julgador, na certeza de que para tal não basta dizer-se, de forma abstrata e sem qualquer concretização, que a motivação assenta na análise crítica dos ditos documentos; esta análise crítica há de desde logo ser patenteada ou demonstrada na decisão, o que, in casu, não ocorreu; 11°- O que faz enfermar a decisão do vício da nulidade processual que ora se invoca e deve ser declarada para todos os fins legais.

  8. - Em reforço do erro na apreciação da prova e da falta/insuficiência de fundamentação no que respeita ao facto provado sob o n.° 9, aponta ainda a circunstância de não ter sido sequer considerado - e deveria tê-lo sido - o depoimento prestado em audiência pela testemunha M. Pacheco, Coordenadora Pedagógica de formação da Autora desde 2004 e funcionária da F., entidade formadora certificada pela DGERT - depoimento que, no mínimo, levanta fundadas dúvidas sobre o critério usado na definição de “quebras”, mais a mais considerando a prática procedimental seguida habitualmente.

  9. - A instâncias da mandatária da Autora, esta testemunha disse, a propósito: M.: 9:28 ”É, é assim, eu para começar gostava de fazer só um pequeno resumo de todos estes erros administrativos que se formos a ver no total do projeto representam uma percentagem mínima. Aconteceram centenas de dias de formação e foram detetados erros em cinco dias, e estes erros, eu queria também dizer, são habituais na maior parte. Eu já trabalho desde 2004, há dez anos, na F. e sempre a acompanhar este tipo de projetos, e são recorrentes e habituais. Geralmente o que acontece é que quando são detetados são justificados pela F. e pelo cliente e tentamos, pronto, no fundo justificar, porque realmente são um conjunto de erros administrativos que nós fazemos na F. auditoria aos dossiês no fim para ver se está tudo direito, mas não fazemos quando as coisas decorrem com normalidade, não está, eu confesso que não estou a ver no fim do curso se a formadora se enganou a por alguma data, se a formadora trocou um número por outro, porque eu sei que as coisas aconteceram, sei que as coisas aconteceram normalmente e que erros administrativos acontecem neste tipo de trabalho que é tão burocrático, acontecem todos os dias e é impossível controlar a quantidade de folhas de presenças, que eram centenas de folhas de presença, e eu quando me pediram para as enviar, e pediram para as enviar, enviei-as como elas estavam, enviei as centenas de folhas de presença como elas estavam sem estar a ver se existiam este tipo de lapsos, porque eu sabia como as coisas tinham acontecido. Conhecia os formadores, sabia que se houvesse alguns erros seriam facilmente justificados porque a prática de pedir folhas de presença era habitual pelo IAPMEI e agora pelo POPH que faz agora o acompanhamento. Isso acontece às vezes quando estamos a fazer algum pedido de reembolso e são detetados às vezes esse tipo de lapsos até recorrentemente. Quando são detetados nós justificamos, olhe foi um engano, a sessão não foi nesse horário foi noutro, às vezes é registado na folha de ocorrências, que existe uma folha para registar este tipo de enganos, outras vezes os formadores esquecem-se, alguns mais esquecidos do que outros, e nós efetivamente não é possível controlar todas as folhas, e mesmo às vezes quando controlamos, este tipo de erro escapa-nos.” (...) [sublinhado nosso] Dra. I.: 20:40 ” Se estes erros implicaram ou não uma alteração ao nível do volume da formação e quanto aos valores imputados de encargos. A empresa lucrou com estes erros? Houve aqui alguma alteração quanto ao volume de formação, ou seja deixou de ser dada formação que era suposto ter sido dada? M.: 20:59 Não, nenhum desses casos implica qualquer tipo de ganho extra. A serem verdade não existia nenhum ganho extra nesse tipo de formações. Os cursos tinham aquela duração...

    Dra. I.

    : ... se não tivessem sido justificadas…explicou-se que se tratou de lapsos de escrita…ainda que fossem de facto erros. isso não significava que a L., Lda iria lucrar? M.: 21:29 Não. O único valor extra que foi imputado foram os onze euros relativos àquela situação do V.. As outras situações todas não implicaram nenhuma imputação extra de dinheiro.

    Dra. I.

    : A L., Lda não teria qualquer benefício? M.

    : Não. Nesse caso nem a “L., Lda” nem a F., porque realmente os cursos têm a formação que têm, no curso do A., no curso da M. têm a duração que têm, quarenta ou sessenta horas e não podiam ser faturadas mais, nem podiam ter sido dadas mais nem menos em relação à duração que o curso tem porque isso é uma coisa que não se pode alterar nos projetos.

    Dra. I.

    : ...a lei…estes erros têm que afetar de modo substantivo o processo de formação, e para o IAPMEI qualquer desconformidade superior a 2% no volume da formação já dá lugar a este pedido de reembolso. A Sra. trabalha nisto há muitos anos, isto é usual? Esta história dos 2%? M.

    : 22:41 Foi a primeira vez que, é assim, nós temos conhecimento, até porque eu também já trabalhei no IAPMEI, existe uma certa orientação para os dois por cento, interna, no fundo existe essa ideia de organização interna do trabalho que num projeto que tenha mais, que sejam detetados mais de dois por cento de erro que é considerado. Geralmente o que acontece até quando são detetados erros, alarga-se a amostra da auditoria, que foi o que aconteceu. A auditoria no fundo foi global e no fim eles chegaram a um erro superior a dois por cento e foi por isso que o projeto chegou a este nível, porque as nossa justificações não foram consideradas como válidas, porque se não.

    Dra. I.

    : Sabe como é que chegaram a este valor de 2,37%? M.: 23:32 Não. Eu não consegui, foi uma das, eu tentei junto do IAPMEI perceber a fórmula de cálculo, porque é, eu não consigo chegar ao valor que eles chegam em nenhum dos projetos. Eu chego a um valor inferior porque eu considero a meia hora de sobreposição, não considero o curso todo, eu não sei se eles eventualmente por ter aquele erro com...

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