Acórdão nº 01955/16.9BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução15 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO D., S.A., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 06.06.2018, promanada no âmbito da Ação Administrativa intentada por si intentada contra o IAPMEI-AGÊNCIA PARA A COMPETITIVIDADE E INOVAÇÃO, I.P., também com os sinais dos autos, que, em 06.06.2018, julgou a presente ação totalmente improcedente, e, em consequência, absolveu o Réu do pedido.

Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) 1.

A sentença recorrida incorre em erro de julgamento, ao ter por pressuposto que o procedimento de certificação eletrónica se destina a qualificar e a atribuir o estatuto de PME.

  1. O que decorre com clareza do preâmbulo e dos artigos 2° e 3°, n°1 do D.L. n° 372/2007 é que aquele procedimento tem natureza meramente declarativa ou certificativa.

  2. Pelo que não se destina a atribuir o estatuto de PME, nem a qualificar as empresas como tal, destinando-se tão só à comprovação, já que o enquadramento e qualificação de uma empresa como PME depende apenas de a sua realidade material o permitir, em face das exigências (materiais) constantes da Recomendação n° 2003/361/CE.

  3. Ao assim não entender, a sentença recorrida viola os referidos artigos 2° e 3°, n°1 do D.L. n° 372/2007.

  4. As finalidades subjacentes à exigência da certificação eletrónica são i) assegurar que as empresas que sejam efetivamente PME à luz dos critérios fixados na Recomendação n° 2003/361/CE beneficiem dos incentivos e regimes criados pela União Europeia e pelos Estados-membros para estimular o respetivo desenvolvimento e crescimento e ii) garantir que as empresas que não se enquadram nos critérios de qualificação não beneficiam de tais benefícios e regimes, evitando abusos que comprometam a eficácia das políticas europeia e nacional de apoio às PME.

  5. As finalidades subjacentes à exigência de certificação eletrónica são totalmente asseguradas através da demonstração de que a empresa em causa, a A., ora recorrente, está, materialmente, dentro dos critérios de qualificação como PME, como se demonstrou no procedimento administrativo e se voltou a demonstrar na p.i..

  6. De modo que o princípio da boa fé, na dimensão da primazia da materialidade subjacente, consagrado no art. 266°, n°2 e no art. 10° (ex art. 6°-A) do CPA impõe a prevalência da substância sobre a forma, impondo ao intérprete e aplicador do direito a desconsideração da formalidade consubstanciada na certificação eletrónica e a consideração da realidade material empresarial da recorrente, que permite a sua qualificação como PME, à luz dos critérios materiais fixados na referida Recomendação n° 2003/361/CE.

  7. Ao assim não entender, a sentença recorrida viola o princípio da boa fé, na dimensão da primazia da materialidade subjacente, consagrado no art. 266°, n°2 e no art. 10° (ex art. 6°-A) do CPA.

  8. Ao invocar como obstáculo à aplicação do princípio da primazia da materialidade subjacente o princípio da legalidade, a sentença recorrida faz errada interpretação e aplicação deste princípio.

  9. Isto porque o princípio da primazia da materialidade subjacente, enquanto dimensão do princípio da boa fé, tem, ele próprio, consagração expressa na Constituição - art. 266°, n°2 - e na Lei - art. 10° CPA - fazendo parte do bloco de legalidade.

  10. Sendo que faz parte da própria previsão do âmbito de aplicação deste princípio a desconsideração do incumprimento de normas que prescrevem exigências de natureza formal quando, como é o caso, as finalidades que lhes estão subjacentes, se mostrem materialmente alcançadas.

  11. A sentença recorrida incorre também em errada interpretação e aplicação do princípio da igualdade, ao invocá-lo como impedimento da prevalência da substância - preenchimento dos requisitos para qualificação como PME - sobre a forma - certificação eletrónica PME.

  12. Com efeito, ao contrário do que resulta da sentença recorrida, o princípio da igualdade exige o tratamento igual de situações materialmente iguais, pelo que não apenas não impede, como aconselha a que à A., ora recorrente, demonstrado o cumprimento material dos requisitos necessários à qualificação como PME, seja conferido tratamento igual a todas as empresas que detêm tal qualificação, formalmente comprovada por certificação eletrónica.

  13. Andou ainda mal a sentença recorrida ao decidir pela inaplicabilidade ao caso dos autos do princípio da primazia da materialidade subjacente por ter considerado que a certificação eletrónica PME não é uma formalidade e que o princípio da boa fé só permitiria o reconhecimento do estatuto de PME no caso de os atos administrativos de revogação dos certificados eletrónicos terem sido impugnados com sucesso.

  14. A realidade material subjacente é a qualificação, ou não, como PME da empresa à luz dos critérios previstos na Recomendação n° 2003/361/CE.

  15. A certificação eletrónica dessa qualidade é, naturalmente, uma formalidade, destinada a facilitar a respetiva comprovação perante as entidades administrativas competentes.

  16. Sendo o procedimento de certificação eletrónica, todo ele, concebido tendo em vista o cumprimento dessa formalidade, que tem, como vimos, uma função, não constitutiva do estatuto de PME, mas de mera comprovação perante a Administração, o princípio da boa-fé, na dimensão da primazia da materialidade subjacente permite, naturalmente, desconsiderar os atos que foram praticados no âmbito desse procedimento.

  17. É, aliás, evidente o contrassenso da sentença recorrida, porquanto se os atos de revogação da certificação eletrónica forem impugnados com sucesso, aquela volta a produzir efeitos, mostrando-se, portanto, despiciendo convocar o princípio da boa fé para fazer prevalecer a realidade material da empresa sobre a formalidade da certificação eletrónica, na medida em que também esta estará verificada.

  18. Acresce ainda que, contrariamente ao que refere a sentença recorrida, não se trata de conferir uma certificação de PME fora do procedimento de certificação eletrónica, mas, justamente, de prescindir da comprovação, ou certificação, que seria um requisito ad probationem, num caso em que a beneficiária, aqui A. e recorrente, demonstra preencher os materialmente, as condições para poder ser qualificada como tal, que é um requisito ad substanciam.

  19. Entendimento diverso, como o plasmado na sentença recorrida, configura um formalismo exacerbado, em que se valoriza a forma pela forma, em detrimento da apreciação daquilo que verdadeiramente a justiça e o direito impõem, que é apurar e saber é que se a realidade empresarial da A., ora recorrente, permite concluir que a mesma é uma PME, à luz dos critérios fixados para esse efeito.

  20. Por força do errado sentido decisório adotado relativamente à questão da aplicação do princípio da primazia da materialidade subjacente, a sentença recorrida não se pronunciou sobre os demais vícios imputados ao ato impugnado, que exigiam, numa primeira linha, que o Tribunal confirmasse aquela que foi sempre a alegação da A., ora recorrente, qual seja a de que preenchia efetivamente, do ponto de vista material, os critérios e requisitos para ser qualificada como PME, mais precisamente como “Média Empresa”.

  21. Assim sendo, impõe-se a este Venerando Tribunal de Apelação que, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 149°, n°2 do CPTA, conheça das questões que o Tribunal a quo considerou prejudicadas.

  22. A A., ora recorrente, preenche o requisitos materiais para ser qualificada como "Média Empresa", à luz do disposto no art. 2° da Recomendação n° 2003/361/CE.

  23. Do art. 3° da referida Recomendação pode e deve inferir-se que existe uma relação de subsidiariedade entre os conceitos de empresa autónoma, empresa parceira e empresa associada.

  24. Daí advém que o conceito de empresa autónoma se integra por exclusão de partes, sendo assim qualificada toda a empresa que não possa ser qualificada como parceira ou como associada.

  25. Ao passo que integram o universo das empresas parceiras, todas as que não possam ser classificadas como associadas (embora estas possam ser empresas parceiras).

  26. As empresas parceiras e as empresas associadas são conceitos relacionais, que se integram por referência a uma realidade externa, com a qual se conexionam e que lhes confere a sua identidade e o seu traço distintivo.

  27. Para efeitos de preenchimento ou integração dos conceitos de empresa parceira ou associada uma das empresas será sempre aquela cuja classificação como PME se pretende ("empresa considerada") e que está na origem da análise a efetuar de harmonia com o exercício imposto pela Recomendação n° 2003/361/CE.

  28. A Recomendação estabelece, indiscutivelmente, um procedimento analítico que incide sobre as relações entre essa empresa (a "empresa considerada") e outras empresas das quais poderá resultar a classificação como empresas parceiras ou empresas associadas.

  29. Para efeitos do cálculo de efetivos e do volume de negócios ou balanço anual necessários à qualificação como "Média Empresa" não podemos deixar de ter como ponto de partida o facto de a A., ora recorrente, - D. Natural, S.A. - ser 100% detida pela sociedade D., SGPS.

  30. De tal modo que, nos termos dos artigos 3° e seguintes da Recomendação 2003/361/CE, a D., SGPS tem de ser considerada uma empresa parceira da A., ora recorrente, porquanto detém sozinha a totalidade do seu capital.

  31. É um facto que, de harmonia com o art. 3°, n°2 §1°, a qualificação como empresa parceira tem natureza residual, ou seja só é aplicável quando não haja lugar à qualificação das empresas em causa como empresas associadas, embora possa integrar empresas associadas.

  32. Deste modo, se é verdade que a D., SGPS detém participações noutras sociedades, é também indesmentível que nenhuma dessas sociedades detém qualquer participação na A., que é detida a 100% pela referida D., SGPS.

  33. Daqui decorre que ainda...

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