Acórdão nº 22/17.2T8CLB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 31 de Março de 2020
Magistrado Responsável | MOREIRA DO CARMO |
Data da Resolução | 31 de Março de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
I – Relatório 1.
A (…), residente em (...), intentou contra A (…) e mulher M (…), residentes em (...), acção declarativa pedindo que os réus sejam condenados a: a) afectar a fracção autónoma de que são proprietários ao fim de comércio a que a mesma se destina, não a utilizando, nem arrendando ou autorizando, por qualquer meio, a sua utilização por terceiros para a actividade de restauração e bebidas, abstendo-se e exigindo a abstenção de terceiros que a ocupem emitindo fumos, cheiros e ruídos perturbadores da saúde e descanso da autora; b) a pagar à autora, a título de sanção pecuniária compulsória, o valor diário de 200 € desde a data da sua citação até que a aludida fracção seja afecta ao fim de comércio e não de restauração e bebidas e cessem as emissões de fumos, cheiros e ruídos; c) a proceder ao levantamento das condutas de extracção de fumo, do “hot”, do respiradouro e dos aparelhos de ar condicionado instalados no edifício sob apreciação, repondo as partes comuns do edifício no mesmo estado em que se encontravam anteriormente à sua instalação; d) e a pagar à autora o valor de 6000 €, a título indemnizatório, acrescidos de juros de mora vincendos, à taxa legal supletiva, actualmente de 4%, contabilizados desde a data da sua citação e até integral pagamento.
Para tanto, em síntese, alegou que é proprietária de uma fracção autónoma, localizada no 2º Esq., e que os réus são proprietários de outra fracção autónoma, localizada no R/c Dtº, de um edifício constituído em propriedade horizontal, sendo a fracção da autora destinada a habitação e a fracção dos réus destinada a comércio. Que os réus elaboraram extensas obras de adaptação na sua fracção no intuito de utilizá-la para a actividade de restauração e bebidas. Que nenhuma das obras foi autorizada por si ou demais condóminos ou pela administração do seu condomínio. Em consequência do alegado vê a sua fracção diariamente poluída com fumos e gases oriundos do sistema de extracção dos réus, causando-lhe inflamação do nariz e garganta, padecendo de rinite e faringite alérgicas em virtude da constante inalação dos ditos gases poluídos, vendo a sua fracção constantemente invadida de maus cheiros, vendo-se impossibilitada de utilizar as suas próprias instalações sanitárias e respectivas águas, sob pena de inflamações, sendo que o restaurante actualmente instalado na dita fracção mantém-se aberto até, pelo menos, às 00h30, vendo a sua tranquilidade perturbada com ruído efectuado pelos clientes e funcionários, tendo os réus instalado uma esplanada diante do edifício em questão, sem qualquer autorização dos demais condóminos para o efeito. Que, desde que foi alterada a afectação da mesma fracção, as instalações de saneamento gerais do prédio em questão se entopem frequentemente, acabando por inundar a garagem da autora com águas pútridas, causando estragos que carecem, para a sua reparação, de 1000 €, vendo-se privada da plena utilização da fracção sua propriedade. Que tem dificuldade em dormir uma única noite de sono descansada, pedindo uma compensação nunca inferior a 5.000 € pelos danos não patrimoniais sofridos. Os réus contestação, invocando o abuso de direito da autora nas modalidades de “tu quoque” e de “venire contra factum proprium”, afirmando, em síntese, que o uso genérico de comércio permite a exploração como restaurante, tendo procedido à realização de todas as obras necessárias para o cumprimento das exigências legais para este tipo de estabelecimento, obras feitas à vista de todos os condóminos, sem qualquer oposição pessoal destes, nomeadamente, da autora, nem objecto de reclamação em reunião de Assembleias de Condóminos ao longo de 8 anos, tendo a Câmara Municipal a licenciar o mesmo. Que o estabelecimento de restauração e bebidas, funciona até às 22H00, não existindo cheiros, odores, vapores, barulhos, trânsito ou movimentações de veículos afectos ao restaurante que possam perturbar o sossego e bem-estar de quem ali reside, nomeadamente, da autora, pelo que se a autora tem problemas de alergias ou de saúde, estes não podem ser imputados à actividade do restaurante. Que, ao longo de 8 anos, nenhum outro condómino se queixou para além da autora. Que, em assembleia de condóminos a autora propôs à votação o encerramento da actividade de restaurante, não tendo sido a mesma aprovada a proposta de encerramento do restaurante. Que o estabelecimento de restauração cumpre as exigências de salubridade e saúde pública e que a esplanada aberta está instalada em espaço público, foi ali colocada no verão de 2014, sem oposição ou reclamação de qualquer condómino, nomeadamente da autora e que o seu licenciamento foi aprovado pela Câmara Municipal. Que a autora exerce actividade de vidente na sua garagem, na qual construiu clandestinamente uma divisória onde colocou, nomeadamente, uma instalação sanitária, o que, provavelmente, provoca o entupimento do saneamento e aparecimento de humidades na sua garagem, sendo que, assim, alterou a afectação da sua garagem para serviços, afectação que não foi dada a conhecer aos condóminos.
Por fim, deduziram reconvenção, peticionando que a autora seja condenada: a) a afectar a fracção designada por CC-Um ao fim de garagem a que a mesma se destina, não a utilizando, nem arrendando ou autorizando, por qualquer outro meio, a sua utilização para a actividade de “serviços”; b) e a demolir a instalação sanitária, construída na sua garagem e remover as caixas de esgoto doméstico e todos os canos de ligação ao saneamento principal do prédio.
A autora replicou, dizendo inexistir abuso de direito. Que exerce a actividade de vidente na sua habitação, o que não extravasa o uso residencial da sua fracção. Que os RR é que estão a abusar de direito, com o pedido formulado, devendo a mesma ser absolvida do pedido reconvencional deduzido.
* A final foi proferida sentença que: A - Julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência: a) absolveu os RR de todos os pedidos formulados na petição inicial; B – Declarou a inutilidade superveniente da lide quanto ao primeiro pedido reconvencional formulado e, em consequência, declarou extinta a instância nessa parte.
C – Julgou totalmente improcedente o segundo pedido reconvencional formulado e, em consequência, absolveu a A. desse pedido.
* 2. A A. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões: (…) 3. Os RR contra-alegaram, tendo concluído que: (…) II – Factos Provados 1. A Autora é proprietária e legítima possuidora do imóvel correspondente à fracção autónoma, identificada pelas letras “CC”, do edifício sito na Avenida Dr. (...), n.ºs (… e na Quinta do (...), 6360 (...), localizada no 2.º Andar Esquerdo, com entrada pelo n.º 29 do mesmo.
-
Os Réus são proprietários e legítimos possuidores do imóvel correspondente à fracção autónoma, identificada pelas letras “CD”, do edifício sito na Avenida Dr. (...), n.ºs 29, 31 e 35 e na Quinta do (...), 6360 (...), localizada no Rés-do-chão Direito, com entrada pelo n.º 31 do mesmo.
-
O edifício em causa encontra-se constituído em regime de propriedade horizontal, sendo a sobredita fracção propriedade da Autora destinada a habitação e a fracção supra identificada propriedade dos Réus destinada a comércio.
-
No ano de 2009, os Réus fizeram obras de adaptação com vista a utilizar a sua fracção para a actividade de restauração e bebidas.
-
Entre outras obras, os Réus procederam à colocação de condutas de extracção de fumos, cuja saída da fracção propriedade daqueles se encontra ligada à parede de separação da mesma à fracção contígua, porquanto ali inexistia qualquer sistema de extracção de fumo.
-
Essas condutas têm saída última pela chaminé do edifício em corete independente (cfr. doc. n.º 6 junto com a p.i.).
-
Procedeu-se à acoplação de uma “hot” à aludida chaminé.
-
Instalando-se ainda um respiradouro na fachada posterior do edifício em apreço e dois aparelhos de ar condicionado, após materialização da abertura necessária para o efeito.
-
Permitiram os Réus a instalação na fracção em apreço de, pelo menos, dois restaurantes, arrendando-a para tal efeito.
-
Nenhuma das obras acima elencadas foi autorizada pela Autora ou demais condóminos do edifício em questão ou, sequer, pela administração do seu condomínio.
-
Não se procedeu, até ao presente, à alteração do título constitutivo da propriedade horizontal no sentido de alterar a afectação da fracção autónoma propriedade dos Réus.
-
A Autora sofre de rinite e faringite alérgicas.
-
Os Réus instalaram uma esplanada diante do edifício em questão, sem qualquer autorização dos demais condóminos para o efeito.
-
Mais do que uma vez houve entupimentos da caixa de esgoto existente na garagem da Autora.
-
Esses entupimentos impedem a Autora de utilizar esse espaço, sempre receosa de ver os seus bens ali depositados danificados, nomeadamente, qualquer veículo automóvel.
-
A Autora vive com intranquilidade e angústia.
-
Por diversas vezes, directa e indirectamente, a Autora tentou alertar os Réus, participando esta situação a entidades fiscalizadoras.
-
Os Réus adquiriram, no ano de 1996, a fracção autónoma identificada pelas letras “CD”.
-
No verão de 2009, os Réus decidiram afectar a sua fracção à actividade de restauração e bebidas.
-
Para tanto, os Réus dirigiram-se à Secção de Obras Particulares da Câmara Municipal para obterem informações sobre o procedimento necessário ao seu licenciamento.
-
Foram informados pela responsável da Secção de Obras Particulares, Engenheira G (…), que, por constar do Alvará de Licença de utilização da fração n.º 5/2006, o uso genérico de comércio, era necessário apresentar um projecto de alteração ao uso de comércio, para comércio de restauração e bebidas, por este tipo de estabelecimentos obedecer a requisitos próprios para o seu funcionamento.
-
Bem como para procederem à realização de todas as obras necessárias para o cumprimento das exigências legais para este tipo de estabelecimento.
-
Informou ainda a técnica, que, por haver divergência de entendimento sobre...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO