Acórdão nº 150/20 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução04 de Março de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 150/2020

Processo n.º 351/2019

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A A. impugnou judicialmente a decisão da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica que lhe aplicou a coima de €30.000,00 pela prática de uma contraordenação prevista no artigo 15.º, n.º 2, da Lei n.º 37/2007, de 14 de agosto.

1.1. O processo correu os seus termos no Juízo Local Criminal do Porto com o número 688/18.6Y9PRT e culminou na prolação de sentença, datada de 14/02/2019, na qual se considerou verificada a infração, sendo a Impugnante condenada no pagamento de coima no valor de €2.000,00.

Para chegar a tal montante, a decisão recusou a aplicação da norma contida no artigo 25.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 37/2007, de 14 de agosto, enquanto estabelece que, por infração ao disposto no artigo 15.º, n.º 5, do mesmo diploma (cfr., todavia, as considerações infra – item 2.2. – quanto ao preceito que contém a norma efetivamente desaplicada), o mínimo de coima aplicável às pessoas coletivas é de €30.000,00, remetendo, no essencial, para os fundamentos do Acórdão n.º 47/2019, com a ressalva de que “[…] embora no caso vertente estejamos perante uma violação dolosa da norma, considero aqui aplicáveis, por identidade de razão, os argumentos aí expendidos”.

1.2. Desta decisão recorreu o Ministério Público para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tendo o recurso por objeto a norma supra enunciada.

1.2.1. Admitido o recurso e tendo os autos subido ao Tribunal Constitucional, o relator originário determinou a notificação das partes para alegarem. Apenas o Ministério Público o fez, concluindo pela inconstitucionalidade da norma sub judice, remetendo para a fundamentação do Acórdão n.º 47/2019.

Sobreveio, entretanto, a cessação de funções do relator originário, pelo que foram os autos (re)distribuídos ao ora relator.

Cumpre, pois, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

2. Como, justamente, sublinham o Ministério Público, nas suas contra-alegações, e a decisão recorrida, o Tribunal Constitucional já apreciou, anteriormente, a inconstitucionalidade de norma que, não sendo rigorosamente idêntica, é quase integralmente sobreponível à que molda o objeto do recurso nos presentes autos.

2.1. No Acórdão n.º 47/2019, decidiu-se julgar inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a norma contida na alínea e) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 37/2007, de 14 de agosto, no segmento que estabelece o limite mínimo de coima aplicável às pessoas coletivas, por infração negligente ao disposto no n.º 2 do artigo 15.º do mesmo diploma.

Assentou tal decisão nos fundamentos seguintes:

“[…]

3. A norma que constitui o objeto material do recurso de constitucionalidade integra o artigo 25.º (contraordenações) do capítulo VIII (regime sancionatório) da Lei n.º 37/2007, de 14 de agosto (versão originária), que aprovou as normas para a proteção dos cidadãos da exposição involuntária ao fumo do tabaco, o qual prescreve o seguinte:

«Artigo 25.º

Contraordenações

1 – Constituem contraordenações as infrações ao disposto nos artigos 4.º a 6.º, no n.º 2 do artigo 7.º e nos artigos 8.º a 19.º, as quais são punidas com as seguintes coimas:

a) De (euro) 50 a (euro) 750, para o fumador que fume nos locais previstos nas alíneas a) a b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 4.º ou fora das áreas ao ar livre ou das áreas para fumadores previstas nos n.ºs 1 a 9 do artigo 5.º;

b) De (euro) 50 a (euro) 1000, para os proprietários dos estabelecimentos privados, pessoas coletivas, sociedades ainda que irregularmente constituídas, ou associações sem personalidade jurídica, bem como para os órgãos diretivos ou dirigentes máximos dos organismos, estabelecimentos ou serviços da Administração Pública que violem o disposto no n.º 2 do artigo 7.º;

c) De (euro) 2500 a (euro) 10 000, para entidades referidas na alínea anterior que violem o disposto nos n.ºs 1 a 9 do artigo 5.º e no artigo 6.º;

d) De (euro) 10 000 a (euro) 30 000, para as infrações aos n.ºs 6, 7 e 8 do artigo 9.º e aos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º, sendo o valor reduzido para (euro) 1500 e (euro) 3000, respetivamente, se o infrator for pessoa singular;

e) De (euro) 30 000 a (euro) 250 000, para as infrações ao artigo 8.º, ao n.º 3 do artigo 9.º e aos artigos 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º, sendo o valor reduzido para (euro) 2000 e (euro) 3750, respetivamente, se o infrator for pessoa singular.

2 – A negligência é punível, sendo os limites mínimos e máximos das coimas aplicáveis reduzidos a metade.

3 – Nos casos previstos na alínea e) do n.º 1, a tentativa é punível, sendo os limites mínimos e máximos das coimas aplicáveis reduzidos a metade.

4 – Quando a infração implicar forma de publicidade oculta ou dissimulada, é aplicável a punição prevista nas normas gerais sobre a atividade publicitária.

5 – Às contraordenações previstas na presente lei e em tudo quanto nela se não encontre especialmente regulado são aplicáveis as disposições do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.os 356/89, de 17 de outubro, 244/95, de 14 de setembro, e 323/2001, de 17 de dezembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro.

A coima mínima prevista na alínea e) do n.º 1, em conjugação com o n.º 2 deste artigo – 15 mil euros – foi aplicada pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) no âmbito de uma ação de fiscalização em que se constatou que a recorrida não tinha afixado junto de uma máquina de venda automática de tabaco o aviso de proibição de venda de tabaco a menores, violando assim o disposto no n.º 2 do artigo 15.º da mesma Lei n.º 37/2007.

A recorrida impugnou judicialmente a decisão administrativa que aplicou a coima, invocando, além do mais, a inconstitucionalidade da norma extraída desse preceito, no segmento que estabelece o limite mínimo de 15.000 euros, por violação do princípio da proporcionalidade.

A decisão recorrida, aderindo aos fundamentos do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (processo n.º 274/10-9TBCBR.C1, in www.dgsi.pt), em que se discutiu a constitucionalidade da coima mínima de 15.000 euros aplicável por falta de cumprimento da obrigação de facultar o livro de reclamações, decidiu «não aplicar o mínimo legal previsto na alínea e) do n.º 1 e n.º 2 do citado artigo 25.º, por inconstitucional».

Apenas se questiona a constitucionalidade do segmento normativo em que se fixa o limite mínimo da coima aplicável às pessoas coletivas, não incidindo o recurso sobre outras dimensões que também se podem extrair da mesmo preceito, designadamente, o limite máximo de €250.000 (ou €125.000, para infração negligente), a amplitude existente entre a medida mínima e a medida máxima da coima – moldura abstrata sancionatória –, ou a redução a metade dos limites mínimos e máximos, no caso de infração negligente.

Portanto, sob apreciação está apenas a recusa de aplicação, por parte do tribunal recorrido, da norma do artigo 25.º, n.º 1, alínea e), conjugada com o n.º 2, no segmento normativo que sanciona a contraordenação prevista no artigo 15.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 da Lei n.º 37/2007, de 14 de agosto, praticada com negligência, com coima cujo limite mínimo está fixado em 15.000 euros.

4. Importa começar por reconhecer que a sentença recorrida nada acrescenta à argumentação que levou o Tribunal da Relação de Coimbra a recusar a aplicação das normas extraídas do n.º 1, alínea a), e do n.º 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, na sua versão originária, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade.

A norma da alínea a) do n.º 1 daquele artigo previa uma coima de €3.500 a €30.000 para a pessoa coletiva que não facultasse imediata e gratuitamente ao utente o livro de reclamações sempre que por este tal fosse solicitado; e a norma do n.º 3 estipulava que a não disponibilidade imediata do livro de reclamações, seguida de intervenção da autoridade policial, era sancionada com uma coima «não inferior a metade do montante máximo da coima», o que, no caso das pessoas coletivas, correspondia a um limite mínimo de €15.000.

Aquele tribunal considerou inconstitucional a elevação do limite mínimo da coima a metade do limite máximo, com fundamento em que (i) não se conhece na legislação rodoviária, nos delitos contraordenacionais contra a economia e na pequena e média criminalidade sanções que se aproximem desse limite (ii) e que as sanções estipuladas para a violação dos direitos do consumidor não podem ser de tal modo onerosas que ponham em perigo o direito à iniciativa económica privada, em especial o dos estabelecimentos de pequena dimensão e baixos rendimentos.

Não obstante a norma em causa ter conteúdo normativo diverso, é esse juízo que o tribunal recorrido faz para considerar inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, o limite mínimo da coima prevista na alínea e) do n.º 1, em conjugação com o n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 37/2007, quando aplicável a pessoas coletivas.

Não se explicita, no entanto, com suficiente clareza, quais as razões que poderão conduzir a esse juízo de inconstitucionalidade. Para além das considerações genéricas sobre a subordinação do legislador aos princípios da livre iniciativa privada e da proporcionalidade, a que atribuiu um significado concludente para aferir da constitucionalidade da disposição legal que fixa os limites das coimas, a sentença recorrida limita-se a justificar a decisão de recusa de aplicação por mera referência casuística a lugares paralelos do ordenamento jurídico (legislação rodoviária, legislação sobre infrações...

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