Acórdão nº 120/20 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução03 de Março de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 120/2020

Processo n.º 1029/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foram interpostos dois recursos, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), das decisões proferidas pela Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, datadas de 18 de setembro de 2019 e 11 de outubro de 2019.

2. Através da Decisão Sumária n.º 866/2019, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«5. Os recursos de constitucionalidade interpostos nos presentes autos fundam-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos da qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

De acordo com o disposto no n.º 2 do mesmo normativo, os recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo da alínea b) do respetivo n.º 1 apenas cabem de «decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência».

Conforme vem sendo reiteradamente afirmado na jurisprudência deste Tribunal, a exigência de exaustão dos recursos ordinários associa a sua razão de ser à natureza hierarquizada do sistema judiciário e à possibilidade de reação facultada no interior de cada ordem jurisdicional, com a mesma se tendo pretendido assegurar que o Tribunal Constitucional seja somente chamado a reapreciar, no âmbito da fiscalização concreta, «as questões de constitucionalidade abordadas em decisões judiciais que constituam a última palavra dentro da ordem judiciária a que pertence o tribunal que proferiu a decisão recorrida» (cf. Acórdão n.º 489/15).

Mesmo antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 13-A/98, sempre se entendeu que o conceito de recurso ordinário tem, no n.º 2 do artigo 70.º da LTC, uma «amplíssima significação» (cf. Acórdão n.º 2/87), abrangendo todos os meios impugnatórios facultados pela lei processual aplicável ao processo-base, desde que efetivamente previstos ou admitidos na respetiva lei do processo e suscetíveis, por isso, de obstar ao trânsito em julgado da decisão pretendida sindicar no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade — aqui se incluindo a arguição de nulidades, como resulta da jurisprudência constante deste Tribunal, designadamente, a plasmada nos Acórdãos n.ºs 476/2014, 620/2014, 732/2014 e 287/2015.

Quanto ao recurso interposto do despacho proferido em 18 de setembro de 2019, é essa, justamente, a hipótese que se verifica no presente caso.

6. A primeira decisão aqui recorrida é, conforme se disse, o despacho proferido pela Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 18 de setembro de 2019, que indeferiu a reclamação que recaiu sobre o despacho de não admissão de recurso para aquele Tribunal, proferido pelo Juiz Desembargador Relator no Tribunal da Relação do Porto em 15 de maio de 2019.

Conforme relatado supra, em simultâneo com a interposição do recurso de constitucionalidade, levada a cabo através do requerimento apresentado em 07 de outubro de 2019, a recorrente invocou a nulidade despacho recorrido por omissão de pronúncia, alegando que a Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não se pronunciara sobre a admissibilidade do recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no segmento respeitante à «não admissão da reclamação efetuada pela assistente no dia 1 de outubro de 2018, como atesta o Despacho/acórdão de 27 de fevereiro de 2017», solicitando ainda a intervenção do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, com o fim de anular e retificar a referida decisão, substituindo-a por outra que admitisse a reclamação.

Uma vez que, no caso de vir a ser julgada procedente, a nulidade invocada pela recorrente seria suscetível de contender com a subsistência do despacho recorrido no segmento concernente à questão que integra o objeto do presente recurso, deve considerar-se que, no momento em que este foi interposto, o acórdão recorrido não constituía ainda, na ordem dos tribunais comuns, uma decisão definitiva, no sentido pressuposto pelo n.º 2 do artigo 70.º da LTC, o que torna o recurso legalmente inadmissível (cf. Acórdãos n.os 534/2004, 24/2006, 286/2008, 331/2008, 377/2011, 117/2012, 426/2013, 620/2014, 622/2017).

É certo que, no momento em que o recurso foi admitido pelo Supremo Tribunal de Justiça, já o incidente pós-decisório deduzido pela ora recorrente havia sido apreciado e decidido por aquele Tribunal.

Tal circunstância é insuscetível, porém, de afetar a conclusão de que o recurso de constitucionalidade é legalmente inadmissível. E isto na medida em que, de acordo com o entendimento maioritariamente sufragado na jurisprudência deste Tribunal (em sentido contrário, cf. Acórdão n.º 329/2015), o momento relevante para a apreciação dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade é o da respetiva interposição e não o da sua admissão pelo tribunal a quo.

Na formulação seguida no Acórdão n.º 735/2014, entretanto retomada no Acórdão n.º 622/2017, desta secção:

«A existência dos pressupostos de admissibilidade do recurso deve ser aferida à data da respetiva interposição, não sendo admissível, nem justo, que os requerimentos de interposição de recurso sejam distinguidos em função de uma álea quanto ao tempo de resolução das pretensões deduzidas pelos recorrentes. Dito de outro modo, não seria justo nem minimamente fundado se, existindo, por hipótese, dois recorrentes, que, simultaneamente à apresentação dos respetivos requerimentos de interposição de recurso de constitucionalidade, tivessem apresentado dois incidentes pós-decisórios junto do tribunal a quo, os mesmos vissem os seus requerimentos de interposição de recurso ser alvo de tratamento diferenciado pelo Tribunal, em função da maior ou menor dilação na prolação da decisão dos incidentes pós-decisórios apresentados por cada um deles, em idênticas circunstâncias.

Pelo exposto, conclui-se que o Tribunal Constitucional deve apreciar os pressupostos de admissibilidade dos recursos, com referência à data da respetiva interposição – excetuados os casos em que ocorrência processual superveniente torne a apreciação inútil – e não fazer depender tal admissibilidade de circunstâncias processuais alheias aos recorrentes, como o momento em que o despacho de admissão do recurso é proferido pelo tribunal a quo ou o momento em que o processo é efetivamente enviado para o Tribunal Constitucional, tudo, de resto, em obediência a um princípio de igualdade de tratamento.

Assim, é indiferente, para efeito da admissibilidade do recurso, se um determinado incidente pós-decisório é considerado ou não procedente pelo tribunal a quo, após tal interposição.»

Invocada a nulidade da decisão recorrida em simultâneo com a interposição de recurso de constitucionalidade, é evidente que, no momento em que este foi interposto — único que releva para efeitos da admissibilidade dos recursos fundados na alínea b) do n.º 1 da LTC —, aquela não se mostrava consolidada na ordem jurídica de modo a poder constituir objeto formal do recurso para este Tribunal.

O recurso de constitucionalidade interposto da decisão da Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 18 de setembro de 2019, não pode, pois, ser admitido por falta de esgotamento prévio dos meios impugnatórios ordinários, ónus prescrito no n.º 2 do artigo 70.º da LTC.

7. Mas este não é sequer o único fundamento com base no qual se impõe concluir pela inadmissibilidade legal do primeiro dos recursos interpostos — conclusão, de resto, extensível ao recurso que veio a incidir sobre o despacho proferido pela Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em 11 de outubro de 2019.

Conforme vem sendo reiteradamente afirmado por este Tribunal, os recursos interpostos no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, não obstante incidirem sobre decisões dos tribunais, apenas podem visar a apreciação da conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas e não, sequer também, das decisões judiciais, em si mesmas consideradas, ou dos termos em que nestas haja sido levada a cabo a concreta aplicação dos preceitos de direito infraconstitucional (cf. Acórdãos n.º 466/2016 e 469/2016).

Quer isto significar que, contrariamente ao que sucede com a figura do recurso de amparo, o acesso à jurisdição constitucional no âmbito da fiscalização concreta, tal como perspetivado no artigo 280.º da Constituição, não se destina à sindicância “da possível e direta violação de direitos fundamentais, especificamente tutelados pela Constituição, por concretos atos ou decisões, maxime do poder jurisdicional” (cf. Carlos Lopes do Rego, Os recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra: Almedina, 2010, p. 26).

8. Os requerimentos de interposição de recurso apresentados pela recorrente, ao invés de obedecerem apenas aos requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 75.º-A do LTC, apresentam uma estrutura correspondente ao recurso ordinário previsto no artigo 412.º do CPP.

Assim, na denominada “Motivação do Recurso” — comum a ambos os requerimentos — é possível individualizar 12 capítulos, assim intitulados pela recorrente: “Dos factos”; “Questão Prévia; “Pressupostos do Recurso Para o Tribunal Constitucional da Possibilidade de Recorrer da Interpretação da Norma”; “Da Possibilidade do Tribunal Constitucional Interpretar Direito...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT