Acórdão nº 119/20 de Tribunal Constitucional, 03 de Março de 2020

Data03 Março 2020
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 119/2020

Processo n.º 915/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), dos acórdãos proferidos por aquele Tribunal, em 30 de maio de 2019 e 11 de julho de 2019.

2. Através da Decisão Sumária n.º 797/2019, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«II. Fundamentação

5. De acordo com a identificação que acaba por resultar do requerimento de interposição de recurso, as decisões aqui recorridas são os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa proferidos em 31 de maio de 2019 e 11 de julho de 2019, o primeiro dos quais confirmou integralmente a condenação imposta em primeira instância e, o segundo, desatendeu a arguição dos vícios imputados ao aresto precedente.

6. Incidindo sobre tais decisões, o recurso interposto no âmbito dos presentes autos funda-se na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, de acordo com a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) [q]ue apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

Segundo resulta do requerimento de interposição do recurso, o recorrente pretende ver apreciada «a constitucionalidade da interpretação normativa prevista no disposto no artigo 21º do DL 15/93 de 22/01 conjugado com o nº 2 do artigo 2º da Lei 30/2000 de 29/11 e da Portaria 94/96 de 26/03, conjugados com o disposto nos artigos 40º nº 1, 50º nº 1, 70º e 71º todos do CP, e artigos 18º nº 2, 20º nº 4 e 32º, 202º, 204º e 205º da CRP, com a Interpretação com que as mesmas foram aplicadas nos doutos Acórdãos a quo objeto do presente recurso de constitucionalidade». Isto é, conforme esclarece o recorrente a final, «[q]uando interpretadas no sentido em que o foram pelo Tribunal a quo, quando considerou "justa, equilibrada e proporcional a pena de prisão de 4 anos e 10 meses Não suspensa na sua execução ao recorrente cuja quantidade de produto estupefaciente que lhe foi aprendido é 0.174 aramas e 0.075 aramas de um produto, o qual foi examinado e identificado como sendo "cocaína - Cloridrato" com graus de pureza, respetivamente, de 52,1 % e 62,9 %, Inferiores a Uma dose, sendo, assim, um produto previsto na Tabela I-B, anexa ao D. L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro"».

7. Conforme vem sendo reiteradamente afirmado por este Tribunal, os recursos interpostos no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, não obstante incidirem sobre decisões dos tribunais, apenas podem visar a apreciação da conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas e não, sequer também, das decisões judiciais, em si mesmas consideradas, ou dos termos em que nestas haja sido levada a cabo a concreta aplicação dos preceitos de direito infraconstitucional (cf. Acórdãos n.º 466/2016 e 469/2016).

Quer isto significar que, contrariamente ao que sucede com a figura do recurso de amparo, o acesso à jurisdição constitucional no âmbito da fiscalização concreta, tal como perspetivado no artigo 280.º da Constituição, não se destina à sindicância «da possível e direta violação de direitos fundamentais, especificamente tutelados pela Constituição, por concretos atos ou decisões, maxime do poder jurisdicional» (cf. Carlos Lopes do Rego, Os recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra: Almedina, 2010, p. 26).

Ora, atentando na extensa argumentação articulada pelo recorrente, facilmente se percebe que a pretensão subjacente à interposição do presente recurso é apenas a de ver sindicadas as soluções de direito infraconstitucional sucessivamente alcançadas pelas instâncias, designadamente no âmbito da valoração dos elementos de prova subjacentes ao estabelecimento da respetiva responsabilidade criminal e, bem assim, da escolha e medida da pena que lhe foi aplicada, soluções essas cuja correção ou acerto, ainda que questionados na perspetiva da sua conformidade a normas ou princípios constitucionais, não é sindicável por este Tribunal. Conforme se escreveu no Acórdão n.º 429/2014, o Tribunal Constitucional é um «Tribunal de normas», restringindo-se o objeto da sua análise «à avaliação de normas e não de quaisquer outros atos, designadamente decisões judiciais».

Nestes termos, o objeto do recurso nos presentes autos interposto é manifestamente inidóneo, o que obsta à respetiva admissibilidade.

8. Mas esta não é sequer a única razão pela qual o recurso não pode ser admitido, designadamente no que respeita ao segundo acórdão recorrido.

Tal como igualmente sublinhado na jurisprudência deste Tribunal, os recursos fundados na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC pressupõem, como condição da respetiva admissibilidade, que a decisão recorrida haja feito aplicação, como sua ratio decidendi, da norma ou interpretação normativa impugnada pelo recorrente.

Tal pressuposto decorre do caráter instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: não visando tais recursos «dirimir questões meramente teóricas ou académicas» (cf. Acórdão n.º 498/96), um eventual juízo de inconstitucionalidade, formulado nos termos reivindicados pelos recorrentes, deverá poder «influir utilmente na decisão da questão de fundo» (cf. Acórdão n.º 169/92), o que apenas sucederá se o critério normativo cuja validade constitucional se questiona corresponder à interpretação feita pelo tribunal a quo dos preceitos legais indicados pelo recorrente, isto é, ao modo como o comando destes extraído foi efetivamente perspetivado e aplicado na composição do litígio.

A segunda decisão recorrida é, conforme notado já, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 11 de julho de 2019, que indeferiu a arguição da nulidade imputada pelo recorrente ao aresto precedentemente...

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