Acórdão nº 168/07.5BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA LAMEIRA
Data da Resolução14 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO O Ministério Público intentou contra o Município de Ourém a acção administrativa especial onde peticionou a declaração de nulidade da deliberação da Câmara Municipal de Ourém, de 10/07/2006, que aprovou o Estudo Urbanístico do Quarteirão do Museu da Vida de Cristo, na Cova da Iria, Fátima, e autorizou a realização das respectivas obras, em cumulação com a condenação daquela edilidade à adopção dos actos e operações necessários tendentes à reconstituição da situação que existiria se o acto nulo não tivesse sido praticado.

Por Acórdão de 31 de Março de 2008, o TAF de Leiria julgou a acção procedente e declarou “ nula e de nenhum efeito a deliberação de 30 de Abril de 2007 da Câmara Municipal de Ourém, devendo considerar-se em vigor o Plano de Pormenor aprovado pela Portaria n.º 67/99, de 28 de Janeiro, condenando-se a entidade demanda proceder às operações necessárias à reposição da situação que existiria se acto nulo não tivesse sido praticado”.

Deste vem interposto o presente recurso pelo Recorrente, Município de Ourém, Entidade Demandada, terminando as alegações com a formulação das conclusões que, de seguida, se transcrevem: “ I. A necessidade do Município de Ourém se pronunciar em alegações complementares sobre a invalidade da deliberação da Assembleia Municipal de Ourém, de 14 de Dezembro de 2006, que revogou o Plano de Pormenor do Quarteirão, decorre de o Acórdão que julgou procedente a acção de impugnação da deliberação camarária de 30 de Abril de 2007, com aquele fundamento, sobre qual nunca teve o ora recorrente oportunidade de se defender, o que se traduziu numa “sentença-surpresa”.

II.

A preterição do dever de notificação para alegações complementares do Município de Ourém, previsto no nº 2 do artigo 95º e do nº 3 do art. 3º do CPC, aplicável ex vi art. 1º do CPTA, constitui nulidade nos termos do artigo 201º , nº 1 do CPC, arguida nos termos do nº 1 do artigo 203º e do nº 1 do artigo 205º do mesmo Código, aplicáveis ex vi artigo 1º do CPTA, pelo que deve o Acórdão recorrido ser declarado nulo.

III.

O douto Acórdão ao declarar nula a deliberação camarária de 30 de Abril de 2007, com fundamento na impossibilidade de revogação do Plano de Pormenor, não qualifica a invalidade de que padece a deliberação da Assembleia Municipal de Ourém de 14 de Dezembro de 2006, referindo apenas que não é admissível a revogação de planos de pormenor.

IV.

A argumentação do Acórdão recorrido aponta unicamente para eventual existência de um vício de violação gerador, nos termos do artigo 134º do Código de Procedimento Administrativo, de mera anulabilidade.

V.

Ora a ilegalidade do acto anulável inimpugnável só é possível de produzir efeitos, designadamente, para aferição da legalidade de actos subsequentes ou derivados, nos casos em que a lei substantiva o admita e no âmbito da acção administrativa comum, condições que não se verificam.

VI. Pelo que existe erro de julgamento quanto ao direito porquanto não se conhece lei substantiva em matéria urbanística ou relativa à organização e funcionamento dos órgãos autárquicos que reconheça relevância, como refere MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, em anotação ao artigo 38º do CPTA (in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., 2007, p.227) “… para qualquer efeito, ao reconhecimento judicial, a título de ilegalidade incidental, da ilegalidade de actos administrativos já consolidados” (havendo violação do disposto do nº 2 do artigo 38º do CPTA, aplicável analogicamente e por maioria de razão à acção administrativa especial); VII. Acresce, do ponto de vista processual, a inadmissibilidade de tal conhecimento na acção administrativa especial de impugnação, sob pena de se pôr em causa o requisito da tempestividade na propositura da correspondente acção de impugnação (havendo violação do disposto na alínea a) do nº 2 do art 58º CPTA), e em consequência, as razões de segurança jurídica e tutela da confiança que justificam o regime geral da insindicabilidade administrativa e contenciosa dos actos anuláveis pelo decurso do tempo; VIII. Os instrumentos de planeamento territorial, que são os planos municipais de ordenamento do território são instrumentos de natureza regulamentar, conforme assinalado pelo legislador na alínea b) do artigo 8º da LBPOTU e do artigo 69º, nº 1 do RJICT e como resulta da natureza essencialmente normativa da sua parte regulamentar.

IX. Pelo que o regime estabelecido para os planos municipais de ordenamento do território é um regime especial face ao regime geral dos regulamentos administrativos, e não um regime excepcional.

X. Não existe regra especial no RJIGT que proíba ou introduza especialidades em matéria de revogação pura e simples de Planos de Pormenor (PP), pelo que é aplicável directamente o regime geral previsto no art. 119º do CPA, pois é certo que o regulamento dos PP – e claro está do PP em causa – é um regulamento autónomo, desenvolvendo independentemente dos regulamentos de Planos mais abrangentes (em área) um conteúdo distinto que a lei meramente enuncia.

XI. Aliás, tal é confirmado pela inexistência de uma obrigação legal ou regulamentar de emitir e manter um PP, ou sequer um princípio de irreversibilidade do grau de detalhe das opções urbanísticas (que manifestamente nunca sequer foi enunciado pela doutrina, pois não tem qualquer apoio ou afloramento na disciplina jurídica positiva); XII. Tal decorre obviamente de um espaço de decisão discricionária quanto ao an que a própria lei pretendeu reservar à Administração Municipal.

XIII. Aliás, a inexistência do dever de regulamentar através de um PP pode ser verificada pela necessária falta de pressupostos para a “declaração de ilegalidade da não emanação de norma que devesse ser emitida (cfr. art, 46º, nº 2, al. d) do CPTA); XIV. Com efeito, para ser declarada a ilegalidade por omissão, seria imperioso que a adopção da norma (omitida) fosse “necessária para dar exequibilidade a actos legislativos carentes de regulamentação” (art. 77º , nº 1 do CPTA) – norma essa que manifestamente o Tribunal nunca identificou no seu douto acórdão, ora recorrido; simplesmente porque não existe.

XV. Pelo que houve um erro de julgamento ao não aplicar o regime geral da revogação dos regulamentos administrativos previsto no art. 119º do CPA, que permite a revogação de PP in casum.” Termos em que pede a procedência do recurso e a revogação do Acórdão recorrido.

O Ministério Público, ora Recorrido, apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões: “1 - Tanto na p.i. como no requerimento relativo à prossecução da acção foi aludida a deliberação da Assembleia Municipal de Ourém, de 14/12/2006, que pretensamente revogou o PP, e, apesar disso, foi alegada a violação do PP e do art. 83º do PUF, em ambos os actos impugnados.

2 - O recorrente, no ponto 3º do seu requerimento de 22/3/2007 reconhece expressamente que “A causa de pedir na presente acção respeita, assim, à violação do Plano de Pormenor e aos actos consequentes”, e nos art. s 29º, 30º, 31º, 36º e 37º a 41º da sua contestação de 11/9/2007, e posteriormente nas suas alegações defendeu que o PP e o art. 83º do PUF haviam sido revogados, donde, no exercício do contraditório, debateu a factualidade inerente à vigência e validade dos preceitos desses diplomas regulamentares.

3 – Donde, o Acórdão recorrido ao decidir sobre a vigência desses mesmos dispositivos legais – PP e art. 83º do PUF -, para o que julgou sem efeito a deliberação do Assembleia Municipal de 14/12/2006, fê-lo dentro dos seus poderes de cognição e com respeito à causa de pedir e do pedido, ou seja, ao objecto do processo.

4 - Sem embargo, em processos de impugnação de actos administrativos, como o presente, o Tribunal não está vinculado ou limitado aos vícios específicos indicados pelas partes, donde mesmo a considerar-se que a questão da revogação do acto de 14/12/2006 não tenha sido questionada nos articulados, o seu conhecimento oficioso é legalmente admissível por força da excepção estatuída, no art. 95º, 1 do CPTA.

5 – Com efeito, como tem vindo a ser reafirmado pela doutrina e jurisprudência de forma consensual, naquele tipo de acções há que atender ao objecto do processo como a pretensão anulatória, reportado ao acto impugnado na globalidade das suas causas de invalidade, em nome do princípio da tutela judicial efectiva que aquele art. 95º do CPTA permite efectivamente concretizar.

6 - Nessa medida, não há excesso de pronúncia se o juiz se mantém nos parâmetros da questão posta em tribunal, ou quando conheça de questão colocada pelas partes sob perspectiva diferente.

7 - O que foi escrupulosamente observado na situação sub judice já que a questão colocada ao tribunal foi a de saber se as obras realizadas na Rua................, em Fátima, violaram ou não o PP e o art. 83º do PUF, decidindo o Acórdão recorrido afirmativamente, com base na violação do PP e deste último preceito, sem que o princípio do contraditório fosse minimamente beliscado e sem que se impusesse a necessidade de alegações complementares.

8 - O facto do Acórdão não qualificar o vício relativo à revogação do PP pela Assembleia Municipal apenas pode traduzir uma fundamentação deficiente ou errada com efeitos no valor doutrinal do Acórdão, sem que se possa confundir com um caso de absoluta omissão de motivação a implicar a nulidade nos termos do disposto no art. 668°, n° 1, al. b) do CPC.

9 - Mesmo a classificar o sobredito vício como gerador de anulabilidade, sempre competia conhecer dele não só porque integra a causa de pedir e a pretensão anulatória, mas porque foi impugnado antes de se mostrar esgotado o prazo de um (1) ano estabelecido no art. 85º-2, al. a) do CPTA.

10 – Crê-se, todavia, que a revogação em análise, porque consubstancia, além de absoluta falta de forma legal, ao arrepio dos art. s 74º-1 do DL 380/99, de 22/9, 119º, nº s 1, al. h) e 2 da CRP e 130º e 143do CPA, também o vício de incompetência...

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