Acórdão nº 245/20 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução29 de Abril de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 245/2020

Processo n.º 1228/2019

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam, em conferência, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Vem a recorrente A. reclamar para a Conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante LTC), da Decisão Sumária n.º 77/2020.

2. O presente recurso versa acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proferido em 7 de novembro de 2019, o qual negou provimento ao recurso de revista interposto pela autora, ora recorrente, e concedeu provimento ao recurso de revista interposto pelo demandado Município de Cascais, julgando improcedente a ação e revogando a decisão recorrida, que havia condenado a demandada no pagamento de indemnização fundada em responsabilidade por facto ilícito, em montante a apurar em incidente de liquidação.

3. Inconformada, a recorrente interpôs recurso, enunciando, para apreciação pelo Tribunal, duas questões de inconstitucionalidade, assim formuladas:

«a) Inconstitucionalidade do art. 608º/2 do NCPC, com o âmbito e dimensão normativa que lhe foram atribuídos pelo acórdão recorrido, no sentido de a referida norma não garantir a apreciação das concretas questões oportunamente invocadas pela ora recorrente, violando frontalmente as normas e princípios constitucionais consagrados nos arts. 20º, 205º/2 e 268º/4 da CRP;

b) Inconstitucionalidade do art. 342º/2 do Cód. Civil, com o âmbito e dimensão normativa que lhe foram atribuídos pelo acórdão recorrido, no sentido de recair sobre o Autor o duplo ónus de prova relativamente à (i) verificação de factos constitutivos das suas pretensões e, também, da (ii) não verificação de conjeturais e hipotéticos factos impeditivos, modificativos ou extintivos dos seus direitos, violando frontalmente as normas e princípios constitucionais consagrados nos arts. 13º, 20º, 22º, 212º/3 e 268º/4 e 5 da CRP.»

4. A decisão sumária reclamada, depois de considerar que, apesar de o recorrente não ter indicado expressamente a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, era possível extrair do requerimento que se pretendia mobilizar a alínea b) do preceito, entendeu que o recurso não era idóneo a ser conhecido, por visar dirimir problema inteiramente contido no plano aplicativo do direito infraconstitucional. Lê-se na decisão reclamada:

«Com efeito, resulta claro da formulação adotada quanto à primeira questão que o recurso tem por objeto dirimir problema inteiramente contido no plano aplicativo do direito infraconstitucional, pretendendo continuar nesta sede a discussão sobre as alegadas questões que entende não terem sido apreciadas pelo acórdão recorrido. Na verdade, quando se alude ao sentido “de a referida norma não garantir a apreciação das concretas questões oportunamente invocadas pela recorrente”, a crítica recai sobre o aplicador e julgador, ao qual é diretamente assacada a conduta lesiva de parâmetros constitucionais, e não sobre o legislador, por editar critério ou padrão normativo de decisão incompatível com a Constituição. Ora, tal projetada cognição, ainda que à luz de parâmetros constitucionais, escapa manifestamente à apreciação estritamente normativa cometida ao Tribunal Constitucional.

Também na segunda questão a recorrente pretende unicamente que este Tribunal reaprecie o resultado aplicativo atingido no ato de julgamento. Com efeito, resulta da formulação transcrita que a crítica incide verdadeiramente sobre a aplicação do indicado preceito legal às circunstâncias do caso vertente, a partir da visão subjetiva da recorrente, o que integra questão de legalidade, que escapa manifestamente à competência do Tribunal Constitucional.

Assim, por inidoneidade do objeto conferido ao recurso, não pode a impugnação prosseguir e ser conhecida.»

E, como fundamento alternativo, entendeu-se que também não se encontra verificado outro pressuposto de admissibilidade do recurso - a legitimidade formal:

«Sempre se diga, adicionalmente, que nenhuma questão normativa de inconstitucionalidade, idónea a fundar a legitimidade da recorrente para o recurso ao abrigo da apontada alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, foi suscitada na motivação de recurso dirigida ao tribunal a quo (entrada a 08.05.2018) e na resposta apresentada ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 146.º do CPTA (entrada a 25.01.2019). Com efeito, da leitura das referidas peças, em particular do ponto BA e conclusões 5.ª a 7.ª da motivação de recurso, quanto à primeira questão, e do ponto 4.1 da resposta, quanto à segunda questão, verifica-se que a recorrente, em momento algum, autonomizou, em face dos preceitos legais que indica, um critério normativo, genérica e abstratamente concebido, suscetível de vir a ser empregue na decisão a proferir, problematizando a sua constitucionalidade, em termos de vincular o tribunal ao seu conhecimento, antes pretende discutir o acerto da decisão recorrida, “ao apreciar apenas parte das questões suscitadas pela ora recorrente” e ao fazer recair sobre a autora “o duplo ónus de prova”, surgindo a desconformidade constitucional referida ao próprio ato de julgamento, a partir da convicção da recorrente quanto à melhor aplicação do direito infraconstitucional.»

5. Na peça de reclamação, a recorrente defende a admissibilidade do recurso, afirmando que suscitou de modo processualmente adequado as questões de inconstitucionalidade e...

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