Acórdão nº 02337/12.7BELRS 0493/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução06 de Maio de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – A Automóveis A…….., S.A., com os sinais dos autos, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que, em 31 de Janeiro de 2018, julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de indeferimento parcial da reclamação graciosa que havia deduzido contra os actos de liquidação adicional de IVA dos exercícios de 1993 a 1996, apresentou recurso, formulando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo: I. Têm os presentes autos por objeto liquidações de IVA e juros dos anos de 1993, 1994, 1995 e 1996.

  1. No que respeita à questão prévia da prescrição: no pressuposto de que a matéria de prescrição é um facto de conhecimento prévio oficioso cuja decisão compete a este Tribunal superior, é mister revelar que a Recorrente efetuou o pagamento do imposto ao abrigo do regime especial de regularização de dívidas aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro ("RERD").

  2. A Recorrente solicita a indemnização prevista no art. 53.º da LGT pelos custos da garantia prestada e a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º da LGT vindo-se a provar, como é sua convicção, que o pagamento do imposto é indevido e se deve a erro dos serviços.

  3. A questão jurídica subjacente aos presentes autos coincide com a de saber se, em face da legislação vigente ao tempo dos factos, uma nota de crédito que, cumprindo todos os requisitos das facturas, seja emitida pelo beneficiário da entrega de um bem ou de uma prestação de serviços em substituição do prestador/ fornecedor confere, ou não, o direito à dedução do IVA.

  4. Ou, dito de outra forma: se o direito à dedução do IVA suportado dependia de ser o próprio prestador do serviço ou transmitente do bem a emitir o documento de suporte - factura ou documento equivalente - não obstante estarem verificados todos os demais elementos de que depende a dedução do imposto, i. e.

    , desde que o documento contenha as menções prescritas para a factura pela Sexta Directiva e reproduzidas nos arts. 19.º e ss do Código do IVA (ao tempo) e o seu conteúdo possa ser retificado ou contestado pela empresa que realizou a operação económica, a qual tem comprovado conhecimento da emissão dos documentos pela aposição, nos mesmos, da respetiva assinatura e carimbo.

  5. Nos presentes autos ficou provado que o imposto liquidado e formalizado pelas liquidações impugnadas era imposto deduzido pela Recorrente, imposto esse que havia onerado a aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos e que tais bens e serviços haviam sido adquiridos pela mesma (Recorrente) para integrar transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas estes factos constam das alíneas C) e J) (que aqui se dão por reproduzidas) da base instrutória da sentença e foram fixados como provados pelo Tribunal a quo.

  6. No que respeita ao cumprimento dos requisitos da factura: este facto nunca foi posto em causa e ficou provado na base instrutória (alínea J) da sentença), podendo ser aferido do cotejo das notas de crédito juntas à impugnação judicial e sua subsunção nos requisitos do art. 35.º do Código do IV A e demais normativo aplicável (datação, numeração, nome, firma, sede do fornecedor e do destinatário, identificação fiscal dos mesmos, quantidade e denominação dos bens e serviços, preço e montante de imposto devido, e a eventual referência à factura corrigida, bem corno a assinatura e o carimbo de recepção do destinatário).

  7. No que respeita à posição da AT, a Recorrente reproduz tudo quando articulou nos seus direitos de audição, na Reclamação Graciosa e na p.i. da Impugnação.

  8. Quanto ao Parecer do Ministério Público, não se verifica que do mesmo resulte um único motivo de fundamentação dos atos liquidatários impugnados.

  9. O sentido da sentença ora em crise decorre, s.m.o., de três vertentes: (i) o acolhimento, por um lado, dos fundamentos da AT constantes do relatório de inspeção e por esta preconizados no processo, (ii) na jurisprudência acolhida pelo TCAS no processo relativo ao IVA de 1992 (Acórdão do TCAS de 16.5.2006 no Processo n.º 1021/06) e (iii) na desaplicação da jurisprudência do TJUE vertida no Acórdão TJUE, C-141/96 de 17/09/1997.

  10. O erro de julgamento - erro jurídico - da sentença recorrida é o de que a mesma considera que a legislação ao tempo dos factos proibia a autofacturação porque esta só veio a ser assumida no direito interno posteriormente. O erro desta asserção resulta, desde logo, do facto de não se poder fazer prevalecer, num processo com mais de 20 anos, legislação que não estava em vigor e com a qual as partes não podiam contar. O facto de que nunca foi assumida, à época, a "proibição" da autofacturação fica provado pelo facto de que a AT a autorizava mediante requerimento do sujeito passivo e de que a própria Requerente o fez através de Requerimento que se encontra reproduzido na alínea I) da sentença recorrida. Não se pode conceber que a AT autorizasse ou, sequer, apreciasse, requerimentos de procedimentos proibidos pela lei. Assim, é com erro de julgamento e jurídico que o Tribunal recorrido assim o conclui.

  11. A ilegalidade da sentença recorrida resulta, ainda, da violação das disposições legais relativas ao direito à dedução contidas nos arts. 19.º e ss do Código do IV A: ao proibir a dedução do IVA com o único fundamento e sem mais outro qualquer motivo, no facto de o documento de suporte ter sido emitido pelo adquirente em substituição do prestador / fornecedor.

  12. Na alínea C) da base instrutória, o Tribunal recorrido faz um correto enquadramento fáctica (sic) das circunstâncias em que a substituição da facturação é acordada entre as partes: "a A…….. presta assistência gratuita aos seus clientes no decurso do chamado período de garantia. Esta assistência tanto pode ser efectuada pela A……….. diretamente aos seus clientes, como indiretamente através da sua rede de concessionários.". Ou seja: estamos perante serviços prestados no âmbito dos períodos de garantia dos veículos em que é a Impugnante, ora Recorrente, a entidade que suporta o custo mas também a entidade que, previamente à operação (reparação / venda / outra) define o âmbito em que os mesmos se encontram incluídos, ou não, na garantia.

  13. No que respeita ao Acórdão 01021/06 TCA Sul, cuja jurisprudência vem acolhida na sentença recorrida, o entendimento é o de que a emissão de factura ou documento equivalente pelo adquirente estava proibida pela legislação e, por isso, impede o direito à dedução do IVA constante de documentos assim emitidos. O Tribunal considera, neste aresto, que a então Recorrente não teria provado "o requisito da alínea a), dos mesmos n.º e art., que determina, sem margem para qualquer dúvida que o acordo escrito entre transmitente/prestador de serviços (no caso os concessionários) e o adquirente/destinatário (no caso a impugnante) tem de ser expresso, inequívoco e prévio." (sublinhado nosso). É este um erro de julgamento que, no entendimento da Recorrente, não se pode repetir: se as notas de crédito estão assinadas pelos concessionários não se pode legitimamente duvidar sobre a existência de um acordo prévio à sua emissão. Muito pelo contrário: os mesmos concessionários prestaram e forneceram contínuas, sucessivas e repetidas vezes os mesmos bens e serviços, assinaram e carimbaram repetidas e sucessivas notas de crédito, num procedimento que se repetiu várias vezes nos anos de 1993, 1994, 1995 e 1996 e que, só por isso, consagrava um procedimento acordado, implementado e praticado para todos os procedimentos da situação de reparações dos veículos em períodos de garantia, todas as notas de crédito se encontram, sem excepção, assinadas e carimbadas por eles mesmos. Não é legítimo que, em face de tais procedimentos, se ponha em causa a prova de que há um acordo na emissão da nota de crédito entre a ora Requerente e os concessionários, os quais só assim procederam repetidas vezes, desde o ano de 1992 (a que se refere o acórdão citado pelo Tribunal recorrido) e durante os anos de 1993, 1994, 1995 e 1996 (a que se referem os presentes autos) porque havia um acordo nesse sentido.

  14. No tocante à desaplicação da jurisprudência do TJUE no Acórdão TJUE, C-141/96 de 17/09/1997, o Tribunal recorrido conclui sumariamente que "embora não se desconheça a jurisprudência vertida no acórdão (...), cumpre salientar que o Tribunal de Justiça não se pronunciou no sentido de ser favorável à adopção do método da autofacturação". Esta conclusão afigura-se ser demasiado superficial: ao afastar a autofacturação, o Tribunal aqui recorrido está a proibir a dedução de imposto que, de acordo com a jurisprudência do TJUE, o não pode ser (proibido).

  15. Não podemos deixar de considerar que, ao concluir pela não permissão da autofacturação, o Tribunal Tributário de Lisboa está a proibir a dedução do imposto suportado a montante em contradição com as regras de dedução sem que se verifique qualquer outro motivo para além do facto de o emitente do documento ser o adquirente em substituição do fornecedor/prestador, substituição essa feita por acordo entre ambos, adquirente e fornecedor/prestador, e tendo este último conhecimento comprovado e evidenciado dos documentos emitidos, através da respetiva assinatura e carimbo.

  16. Material e formalmente, estamos perante imposto dedutível resultando a proibição da dedução do único facto de o emitente da factura / documento equivalente ser o adquirente em substituição do fornecedor, com o (i) acordo prévio de ambos, (ii) com a evidência do conhecimento do fornecedor em cada um dos documentos emitidos através da respetiva assinatura e carimbo vide a alínea J) da base instrutória.

  17. ...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT