Acórdão nº 0828/11.6BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO ANTUNES
Data da Resolução06 de Maio de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I. Relatório I.1.

A Autoridade Tributária e Aduaneira interpõe recurso da sentença do Tribunal Tributário (T.T.) de Lisboa, exarada em 24/04/2019, que julgou totalmente procedente a impugnação deduzida por A…………, S.A., melhor identificada nos autos, no âmbito de decisão de indeferimento do recurso hierárquico relativa ao despacho de indeferimento do pedido de aceitação de amortizações extraordinárias como custo fiscal do exercício de 2005, para o Supremo Tribunal Administrativo (S.T.A.).

I.2.

Apresentou alegações que concluiu nos termos seguintes: I – Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a impugnação judicial, intentada por A…………, S.A., NIF ………, já devidamente identificado nos autos e que, em consequência, ordenou a anulação do despacho de indeferimento do pedido de aceitação das desvalorizações extraordinárias no valor de € 4.203.157,68, como custo fiscal do exercício de 2005. Entende a Fazenda Pública que a douta sentença, na subsunção dos factos dados como provados ao direito, promoveu uma errónea aplicação do direito a estes mesmos factos.

II – O Tribunal a quo entendeu que a Impugnante não necessitava instruir o seu pedido de aceitação das desvalorizações extraordinárias com a documentação de suporte aos registos contabilísticos por forma a justificar o valor contabilístico atribuído aos bens destruídos, na medida em que já tivesse decorrido o prazo legal de 10 anos de conservação da documentação de suporte destes registos.

III – Os condicionalismos que balizavam o pedido de aceitação das desvalorizações extraordinárias como custo ou perda do exercício estavam previstos no Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, diploma este que dispunha no seu art.º 10º, n.º1 que as desvalorizações deveriam ser “devidamente comprovadas”, ao passo que no n.º 3 deste mesmo normativo estava previsto que, para a aceitação destas desvalorizações, deverá o contribuinte elaborar “exposição devidamente fundamentada até ao fim do primeiro mês seguinte ao do termo do período de tributação em que tiverem ocorrido as desvalorizações excepcionais”. Está aqui em causa o exercício de um direito do contribuinte perante a Administração Fiscal, o qual carece de prova dos seus elementos constitutivos para que o mesmo tenha reflexo na determinação do lucro tributável em sede de IRC.

IV – E não se afigura que a exigência de prova dos elementos constitutivos deste direito seja mitigada pelo decurso do prazo estabelecido para conservação dos arquivos contabilísticos, tal como estava previsto no art.º 115.º, n.º 5 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC). Como se refere no Acórdão n.º 07437/14 do TCAS, “O art. 115.º, n.º 5 do Código do IRC, (a que corresponde o actual n.º 4 do art. 123.º) estabelece uma obrigação de conservação dos documentos de suporte contabilísticos das sociedades, por 10 anos, findo este prazo, a AT não pode efectuar correcções com fundamento na falta da apresentação desses documentos, cabendo-lhe o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito de tributar (art. 74.º, n.º 1 da LGT)”. Daqui se retira que o prazo limite de conservação dos documentos de suporte contabilístico é uma garantia do contribuinte diante da administração fiscal, na medida em que esta, no âmbito dos seus poderes inspetivos, vê-se limitada nas exigências que pode formular ao contribuinte quando analisa o cumprimento dos seus deveres tributários.

V – O âmbito de aplicação do art.º 115.º, n.º 5 do CIRC não parece ter como efeito condicionar o reconhecimento de um direito como aquele que vem plasmado no art.º 10º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro. Aquele preceito visa assim limitar a incursão fiscalizatória da Administração Fiscal sobre a esfera jurídica do contribuinte. Já no citado preceito do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, o que está aqui em causa é a regulamentação de um ónus de prova que cabe ao contribuinte que espera ver reconhecido um direito diante da Administração Fiscal. Com efeito, dispõe o art.º 74º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”; sendo esta regra de repartição do ónus da prova um princípio chave do procedimento tributário, e que em nada abala o princípio do inquisitório a que está vinculada toda a atividade administrativa.

VI – Deste modo, toda e qualquer exposição devidamente fundamentada e comprovada, como exige a letra do art.º 10.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, não poderia prescindir das faturas de aquisição dos bens destruídos e dos demais documentos que serviram de suporte aos lançamentos contabilísticos por forma a avaliar da existência dos requisitos legais da pretensão do contribuinte diante da administração fiscal. É assim legítima a exigência formulada pela administração fiscal no sentido de o contribuinte anexar ao seu requerimento a documentação de suporte que está na origem da atribuição do valor contabilístico inicial aos bens que compõem o seu ativo imobilizado assim como a documentação que esteve na base da revalorização dos mesmos, viabilizando assim a análise a efetuar pelos serviços da administração tributária no que toca ao preenchimento dos requisitos legais de aceitação das deduções das desvalorizações excecionais ao lucro tributável.

VII – Nestes termos, não se afigura concordante com a lógica do ordenamento jurídico fiscal o entendimento que o Tribunal a quo perfilhou no sentido de o decurso do prazo estabelecido na lei para conservação dos arquivos contabilísticos ser um factor desonerador da atividade probatória do contribuinte, na medida em que a omissão de apresentação da documentação relativa aos factos contabilísticos abrangidos por este prazo não impede o reconhecimento do carácter fundamentado e comprovado ao pedido de aceitação das desvalorizações excecionais formulado nos termos do disposto do art.º 10º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro. Ponderado estes argumentos, é imperioso concluir que mal esteve o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, interpretando erroneamente o preceito ínsito no art. 115.º, n.º 5 do Código do IRC, e violando o disposto nos art.ºs 74º, n.º 1 da Lei Geral Tributária e o art.º 10º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, incorreu em erro de julgamento, motivo pelo qual deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO, DEVE A DECISÃO SER REVOGADA COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.

PORÉM, V. EX.AS, DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA! I.3.

A recorrida formulou contra-alegações que finalizou com as seguintes conclusões: A. Em 2005 a impugnante constatou que diversos elementos do seu ativo imobilizado já não reuniam as condições necessárias para uma regular utilização, seja pelo estado em que se encontravam, seja pela desvalorização decorrente dos avanços tecnológicos verificados. A impugnante apurou que o conjunto desses ativos havia sofrido uma desvalorização na ordem dos € 4.203.157,68 - cfr.

anexo ao doc.1.

B. Assim constatado, procedeu ao abate ou destruição física dos referidos bens e refletiu essa perda patrimonial na sua contabilidade.

C. À data, o artigo 10.°, nº 1 do DR n.º 2/90 previa que "no caso de se verificarem em elementos do ativo imobilizado desvalorizações excecionais, provenientes de causas anormais ou devidamente comprovadas poderá ser aceite como custo ou perda do exercício em que aquelas ocorrem uma quota de reintegração ou amortização superior à que resulta da aplicação dos métodos referidos no artigo 4.º" (sublinhado nosso).

D. Ao abrigo do disposto no n.º 3 daquele artigo 10.

0 do DR n.º 2/90, a impugnante apresentou, em 31.01.2006, uma exposição ao Senhor Diretorgeral dos Impostos a dar conta que "alguns elementos do seu ativo imobilizado se encontravam obsoletos e desadaptados das funções a que se encontravam afetos", pelo que, nos termos da al. b) do n.º 5 do artigo 29.º do Código do IRC, as desvalorizações deveriam ser aceites como custo fiscal do exercício de 2005.

E. Ao requerimento identificado no artigo precedente a impugnante juntou um documento contendo uma lista dos ativos depreciados com as datas de aquisição e com o valor das amortizações acumuladas, entre outras informações ("Mapa de Desenvolvimento p/ DGCI - Relatório 31.12.2005 - Lançamentos: 01.01.2005 a 31.12.2005").

Posteriormente, atendeu à solicitação dos serviços tributários e disponibilizou fichas de imobilizado e registos informáticos respeitantes àqueles ativos (cfr.

decisão de indeferimento do recurso hierárquico).

F. Todavia, a AT defende que relativamente a 77% daqueles bens, no valor de € 3.224.521,61, a impugnante não comprovou os valores de aquisição nem os valores líquidos contabilísticos, pelo que as desvalorizações não podiam ser aceites como custos.

G. No que concerne aos valores de aquisição, a impugnante deixou sempre claro que, porque esses 77% correspondiam a bens adquiridos antes de 1.01.1999, havia destruído toda a documentação por questões de logística e por causa do disposto no n.º 5 do artigo 115.

0 do Código do IRC, no qual se determinava que os registos e livros deviam ser mantidos em boa ordem pelo prazo de dez anos.

H. É fácil de compreender que, numa empresa com a dimensão da impugnante e com a enorme variedade de ativos que compõem o seu acervo patrimonial, é na prática inviável acumular documentos por prazo superior a uma década.

No caso concreto, e conforme se pode constatar da lista anexa ao requerimento apresentado...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT