Acórdão nº 2870/16.1BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Abril de 2020
Magistrado Responsável | PEDRO MARCHÃO MARQUES |
Data da Resolução | 30 de Abril de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório B...
intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa contra o Ministério da Administração Interna acção administrativa de impugnação de do despacho da Ministra da Administração Interna, proferido em 16.08.2016, que o puniu com a pena de aposentação compulsiva.
Por sentença de 4.10.2019 a acção foi julgada improcedente e a Demandada absolvida do pedido.
Não se conformando com o assim decidido veio o A. interpor o presente recurso para este Tribunal Central Administrativo, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: 1. Conclui o tribunal a quo que a matéria de prescrição do procedimento disciplinar é regulada pelo artigo do 55.º do RD/PSP, pelo que não há que legitimar o recurso ao Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro.
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O tribunal a quo não se debruça sobre o essencial e fundamenta a sua decisão em normas que não se aplicam ao caso concreto.
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Ao invés de o tribunal a quo se pronunciar sobre a duração máxima do procedimento disciplinar, que é o que está em causa, o tribunal a quo vem pronunciar-se sobre a prescrição do direito de instauração do procedimento disciplinar.
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Estabelece o artigo 55.º do RD/PSP no seu n.º 1 que “o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados três anos sobre a data em que a infração tiver sido cometida”.
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O Recorrente alega a violação do prazo máximo de duração do procedimento disciplinar, que é um prazo bem diferente e que pretende salvaguardar o direito do arguido de ter uma decisão célere acerca dos factos de que vem acusado disciplinarmente. Já depois de iniciado o procedimento disciplinar.
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Como o RD/PSP não estabelece qualquer prazo para máximo para a duração do procedimento disciplinar, teremos que nos socorrer do que nos diz o Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro.
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O procedimento disciplinar encontra-se prescrito, já que contados os 18 meses sobre a data de instauração do procedimento disciplinar, a decisão final do referido procedimento teria que ter sido proferida e notificada ao Recorrente até 12 de março de 2015, o que não aconteceu.
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Quanto à invocada violação dos artigos 80.° e 86.º do Regulamento Disciplinar da PSP, conclui o tribunal a quo que o “A. nem sequer alega factos, e por isso, nada provou, que afaste o teor concreto e objetivo da acusação deduzida, a qual mostra- se conforme as exigências legais. ” 9. Não podemos concordar com esta conclusão, já que não ficou demonstrado de que forma “As infrações praticadas pelo arguido inviabilizam a manutenção da relação funcional, impossibilitando a conservação da sua condição enquanto a agente policial, por ofender de forma muito grave a dignidade e o prestígio da função que exerce, quebrando a confiança que deve existir entre a Corporação, os seus elementos e a comunidade.” 10. Deveria a acusação expressamente fundamentar em que medida as alegadas infrações cometidas pelo recorrente impossibilitam a conservação da sua condição enquanto agente da Polícia de Segurança Pública, o que não fez.
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A limitação ou impossibilidade absoluta do direito de defesa do arguido constitui nulidade do procedimento disciplinar, nos termos prescritos no artigo 80.° do Regulamento Disciplinar.
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A acusação e despacho de que se recorre, enfermam, igualmente do vício de nulidade, nos termos conjugados dos artigos 161.0, do CPA, artigos 80.° e 86.º do Regulamento Disciplinar da PSP e do n.° 3, do artigo 269.° da Constituição da República Portuguesa.
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Nenhuma prova foi produzida que tivesse a virtualidade de afastar a presunção de inocência do Recorrente, consagrada no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
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Da prova que foi produzida em Tribunal nada mais emergiu que a subsistência de uma dúvida razoável, pelo que ao condenar-se o Recorrente se violou grosseiramente o princípio do “in dúbio pro reo”.
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A própria Polícia de Segurança Pública, tendo conhecimento da acusação que impendia sobre o Recorrente decidiu não promover a sua suspensão de funções, quer ao abrigo do artigo 38.º, n.º 1, quer ao abrigo do artigo 74.º, n.º 1, alínea c), ambos do Regulamento Disciplinar da PSP.
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Por tudo o exposto, nunca poderá o presente procedimento disciplinar concluir pela aplicação ao Recorrente de uma sanção expulsiva da Polícia de Segurança Pública, devendo o Recorrido manter o vínculo de emprego público do Recorrente, nos seus precisos termos.
O Recorrido apresentou contra-alegações, concluindo como segue: 3. Ao contrário do alegado pelo Recorrente, a Douta Sentença, sustentando a sua argumentação no Acórdão do STA, de 28.06.2018, no qual é tratada a questão da prescrição quer do direito de instaurar o procedimento disciplinar quer do procedimento disciplinar, concluiu que “(…) resulta demonstrado de modo claro e inequívoco que a norma aqui invocada pelo A. deve ser afastada, e a norma aplicável estabelece a prescrição superior á invocada pelo ora A., e assim considerando os factos provados julga-se como infundamentada a arguida prescrição (…)” 4. Ora, ao ter concluído afastando expressamente a norma invocada pelo Recorrente, e tendo o Recorrente alegado a prescrição do procedimento pelo decurso do prazo de 18 meses entre o inicio e a data da decisão final, nos termos do artigo 6.º, n.º 6 da Lei 58/2008, 5. Não pode alegar, como o fez, que “(…) ao invés de o Tribunal a quo se pronunciar sobre a duração máxima do procedimento disciplinar, que é o que está em causa, vem pronunciar-se sobre a prescrição do direito de instauração do procedimento disciplinar (…)” 6. O que como se viu não corresponde à verdade.
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Continua o Recorrente, e porque discorda com o tribunal a quo quando conclui que o “(…) A. nem sequer alega factos, e por isso, nada provou, que afaste o teor concreto e objetivo da acusação deduzida a qual mostra-se conforme as exigências legais (…)”e a alegar que a “(…) acusação e despacho de que se recorre, enfermam igualmente do vicio de nulidade nos termos conjugados dos artigos 161.º, do CPA, artigos 80.º e 86.º do Regulamento Disciplinar da PSP e do n.º 3 do artigo 269.º da Constituição da Republica Portuguesa (…)” 8. Também nesta sede lhe falece a razão. Com efeito: 9. Bem andou o Tribunal a quo ao decidir como o fez, pois da análise da acusação resulta evidente que a mesma obedece escrupulosamente aos requisitos exigidos para a sua elaboração, nos termos do artigo 80.º do RDPSP, 10. Não tendo o Recorrente alegado quaisquer factos demonstrativos de que a acusação não obedece às exigências legais.
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O mesmo se pode dizer relativamente à alegada violação do direito de audiência e defesa do arguido, previsto no artigo 86.º do RDPSP, porquanto e tal como é referido na Douta Sentença recorrida “(…) aquelas garantias foram cumpridas, em sede de procedimento disciplinar, bem como o A. foi objeto de audiência prévia, e o mesmo ofereceu defesa (…) a qual foi considerada não só em sede de instrução, bem como em sede do relatório final e na decisão punitiva que acolheu como seu fundamento o conteúdo do relatório final (….)” 12. Mais, “(…) o acto punitivo acolhe o relatório final produzido nos autos de procedimento disciplinar, relatório que refere-se ao “dolo e de culpa” do arguido, que acabou por qualificar a infração que inviabilizou a manutenção da relação funcional, improcedendo as razões do A. quanto a penas alternativas. Além disso, saliente-se que a aplicação da pena disciplinar é imbuída do exercício de poder discricionário (…)” •Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.
• Após vistos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
• I. 1.
Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito ao não ter julgado verificada a prescrição do processo disciplinar e, bem assim, ter julgado válido o acto punitivo impugnado.
• II.
Fundamentação II.1.
De facto O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos, em decisão que aqui se reproduz ipsis verbis: 1. Mediante despacho proferido pela Ministra da Administração Interna, em 16.08.2016, foi determinada a aplicação ao A. da pena disciplinar de aposentação compulsiva, despacho cujo teor aqui se dá por reproduzido, da qual o A. foi notificado em 13.09.2016 ( cfr. fls. 172 a 174, e 183 do procº. instrutor, e admissão por acordo).
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A decisão, supra identificada, fundamentou-se na condenação do A., na prática de crime de violência doméstica, com a pena de prisão de três anos e quatro meses, suspensa por igual período; e com base no relatório final produzido no processo disciplinar instaurado ao A. (cfr. fls. 172 a 174 do procº. instrutor, e admissão por acordo).
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Em 21.06.2016, foi elaborado relatório final no processo disciplinar instaurado ao A., relatório final cujo teor aqui se dá por reproduzido, e do qual extrai-se o seguinte (cfr. fls. 156 a 162-verso do procº. instrutor, e admissão por acordo): 4. Foi deduzida acusação, em 13.10.2015, nos autos de processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por reproduzido ( cfr. fls. 77 a 78-verso do procº. instrutor e admissão por acordo).
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O A. foi notificado da acusação e ofereceu defesa, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. fls. 85, 86, 89 a 97 do procº. instrutor e admissão por acordo).
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O A. foi julgado e condenado na prática de crime de violência doméstica, com a pena de prisão de três anos e quatro meses, suspensa por igual período, conforme sentença transitada em julgado em 26.02.2015, proferida no processo sob o nº. 245/13.3GVFX, Comarca de Lisboa Norte, Vila Franca de Xira, Secção Criminal – J3, sentença cujo teor aqui se dá por...
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