Acórdão nº 01089/16.6BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelRos
Data da Resolução23 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 15.07.2019, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por G., S.A.

, contra a liquidação de IRC e juros compensatórios do ano de 2011.

1.2.

A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões: «I – O objecto do recurso I. A Fazenda Pública, inconformada com a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, a qual julgou procedente a impugnação judicial deduzida por G., S.A. contra a liquidação adicional de IRC n.º 2016 8310033786, de 30.05.2016 e respetivos juros compensatórios, referente ao exercício de 2011, entendeu dever recorrer da mesma, pretendendo a sua revogação e substituição por decisão que considere tal impugnação improcedente.

II. Compulsado o teor da sentença ora posta em crise, constata-se que o douto Tribunal a quo entendeu anular a liquidação em causa por ter considerado que a AT violou o princípio do inquisitório, ou seja, “não fez prova de que estavam verificados os pressupostos legais que legitimavam a sua atuação, demonstrando a existência de indícios sérios de que o custo documentado era inexistente e, por isso, não era necessário para a obtenção dos proveitos” (cfr. página 44).

III.

O custo fiscal em questão estava associado à fatura n.º 10241100910, de 27.06.2011, emitida pela sociedade O. e que a AT, em face dos indícios colhidos em sede inspetiva, concluiu não traduzir serviços efetivamente realizados.

II – Síntese da factualidade que está na génese da fatura n.º 10241100910 IV.

A recorrida é uma sociedade comercial que tem por objeto a indústria, montagem, reparação e comercialização de grupos eletrogéneos, materiais e equipamentos elétricos e mecânicos, projetos e instalações elétricas de baixa tensão, empreitadas de obras públicas, indústria de construção civil e fornecedor de obras públicas.

V.

Por sua vez, a O. (sócia da recorrida à data do facto tributário e detentora de 70% do seu capital social), era uma sociedade que mantinha relações especiais com a agora recorrida, de acordo com o regime previsto no art. 63.º do CIRC.

VI.

Ambas as sociedades, à data da emissão da fatura em causa, tinham como administrador comum, M.

.

VIII.

Em outubro de 2010, foi celebrado um contrato entre a agora recorrida e a A. – (doravante designada por A.), entidade descentralizada da administração pública do Paraguai, a qual tinha como objeto social satisfazer as necessidades de energia elétrica daquele país.

VIII.

No decurso do procedimento de inspeção tributária de que foi objeto a agora recorrida, verificou-se que esta, no ano de 2011, registou na sua contabilidade (conta 62101), a título de subcontratos, a fatura n.º 10241100910, datada de 27.06.2011, emitida pela O.

, no valor de € 512.610,79, acrescida de IVA no montante de € 117.900,48.

IX.

No descritivo da referida fatura vinha mencionado “Consultoria no Projeto Grupo Geradores diesel 900 a 1100 KVA e 1800 a 2200 KVA em cabine insonorizada para a A. – Paraguai e ensaio de equipamentos”.

X.

Em face dos documentos recolhidos e testemunhos obtidos em sede inspetiva, os serviços concluíram existirem fortes indícios de que a fatura supra identificada não correspondia a serviços efetivamente realizados, desconsiderando o gasto em causa, por este não ser subsumível ao regime estabelecido no art. 23.º do CIRC.

XI.

A recorrida, pelo contrário, considera que aquela fatura está efetivamente associada à participação da O. no negócio com a A.

, uma vez que esta teria sido responsável pela execução da sua “parte não técnica”.

XII.

Ora, o Tribunal a quo deu guarida à tese perfilhada pela recorrida, considerando que a recorrida “(…) foi a empresa responsável pela conceção e execução da parte técnica do contrato com a A.

, tendo cabido à sociedade O. os contactos, a negociação do mesmo e as diligências necessárias à sua assinatura” (cfr. facto 42 – página 27).

III - A factualidade dada como provada XIII.

No entanto, afigura-se-nos, por um lado, que a matéria de facto é insuficiente para fundamentar uma boa decisão da causa e, por outro, que o douto Tribunal não poderia dar como provados determinados factos, atenta a prova documental, testemunhal e as declarações da parte carreada para os autos, nem poderia tirar as ilações que tirou dos mesmos.

XIV.

Sendo que, por uma questão de sistematização – e à medida a que formos escalpelizando a motivação exarada na sentença – iremos precisar quais os factos que deveriam e não deveriam ter sido considerados provados, fundamentando devidamente tal entendimento.

FACTO 24 (página 23) XV.

Relativamente ao facto 24, afigura-se-nos que o Tribunal a quo não o podia considerar como “não impugnado” (ou, dá-lo provado por via de “acordo”, como vem indicado em alguns factos anteriores), por força das regras estabelecidas, em processo tributário, nos artigos 110.º, n.ºs 6 e 7 e 115.º do CPPT.

XVI.

Para além deste aspeto relacionado com a inexistência de um ónus de contestação especificada dos factos alegados na petição inicial que legitime falar, em sentido técnico rigoroso, em “facto não impugnado”, a verdade é que, em termos puramente substanciais, também não se alcança como o tribunal se permite inferir a existência de um contrato à luz “da faturação emitida na sequência da sua execução”.

XVII.

Cumpre ainda destacar que, pese embora a recorrida referir a existência de duas garantias bancárias associadas ao contrato, apenas a de valor de € 515.619,00 mereceu a designação de facto provado. A garantia bancária no montante de € 1.546.857,00, que a douta sentença reconhece como não comprovada, em vez de ser incluída no segmento dos “factos não provados” acaba por ser relegada para uma anotação marginal ao facto 24.

XVIII.

Afigura-se-nos que a materialidade fáctica selecionada pelo Tribunal a quo é manifestamente insuficiente para dar como provada a alegação contante no artigo 19.º da petição inicial, e, por outro lado, também não descortinamos justificação plausível para não ter sido incluído nos “factos não provados” a prestação da garantia bancária no montante de € 1.546.857,00.

FACTO 41 (página 26) XIX.

Em face do discorrido na douta petição inicial, entendemos que a agora recorrida nunca considerou não ser possível inserir manualmente um descritivo diferente, conforme vem dado como provado na douta peça decisória.

XX.

Não vislumbramos nas asserções contidas na douta petição inicial qualquer alusão à existência de uma verdadeira impossibilidade material do programa de faturação em admitir a criação de descritivos para além dos já pré-definidos.

XXI.

Por outro lado, o depoimento da testemunha D.

, prestado na qualidade de contabilista da recorrida e da sociedade O.

, versou sobre o programa de faturação utilizado em 2017.

XXII.

A referida testemunha esclareceu o tribunal de que era contabilista daquelas empresas desde janeiro de 2017 (depoimento gravado em suporte digital na parte 01:23:00-01:23:15) e referindo-se ao programa de faturação utilizado à data da emissão da fatura n.º 10241100910, de 27.06.2011, teve o cuidado de frisar, reportando-se ao ano da emissão do referido documento, que desconhecia qual o programa de faturação então utilizado, recorrendo à expressão “na altura não sei” (depoimento gravado em suporte digital na parte 01:23:00-01:26:10).

XXIII.

Sobre o programa de faturação utilizado em 2011, a testemunha D. reconheceu clara e inequivocamente nada saber e de nenhuma fase do seu depoimento é referido existir qualquer similaridade entre o programa de faturação de 2011 e o de 2017.

FACTO 42 (página 27) XXIV.

Como se alcança do n.º 1 do art. 115.º do CPPT, em sede de impugnação judicial rege o princípio da admissibilidade dos meios gerais de prova, entre os quais se inserem as declarações da parte.

XXV.

Limitando-nos à aridez de tais formulações (isto é, de que as declarações da parte são admissíveis e de que o julgador aprecia livremente tal prova), parece resultar que a douta sentença recorrida não padece de qualquer erro de julgamento e que a sua tomada de posição sobre o que resultou do depoimento da parte é insindicável.

No entanto, só aparentemente será assim.

XXVI.

A factualidade aqui dada como comprovada tem como único esteio o “conjunto do depoimento” prestado por M.

, enquanto administrador da recorrida e da O.

, ou seja, na qualidade de administrador da sociedade utilizadora e da sociedade emitente da fatura n.º 10241100910.

XXVII.

O Tribunal a quo, na valoração do depoimento em questão, destacou a coerência da explicação dada pela parte, sem ter em devida consideração que é expetável que as declarações da parte primem pela coerência, tanto mais que a parte pode mesmo ter-se preparado para prestar declarações.

XXVIII.

Esta circunstância, a que o Tribunal a quo foi indiferente, sai naturalmente reforçada pelo facto de estarmos perante declarações proferidas pelo administrador, simultaneamente, da empresa que emitiu a fatura in quaestio e da sociedade que a utilizou.

XXIX.

O Tribunal a quo deu grande relevo à designada “parte não técnica do contrato”, matéria sobejamente explorada nas declarações proferidas por M.

, sem ter em conta que esta matéria assume os contornos de um conveniente artifício tecido para justificar a alegada intervenção da O. na realização dos serviços associados pela recorrida à fatura n.º 10241100910.

XXX.

Registe-se, ainda, que a possibilidade de preencher com “detalhes” o papel da O.

, na designada “parte não técnica” do contrato, através de um discurso aparentemente contextualizado e pormenorizado, é potenciada pela posição que a parte tem em ambas as empresas.

XXXI.

As anotações complementares ao facto 42 permitem inferir que bastou o “conjunto do depoimento do administrador” para o Tribunal a quo o dar como “suficientemente demonstrado”, sem dar o devido...

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