Acórdão nº 00382/07.0BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução17 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO D., LDA., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do Acórdão promanado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, no âmbito da presente Ação Administrativa Especial por si intentada contra o MINISTÉRIO DA SAÚDE, também com os sinais dos autos, que, em 18.03.2014, julgou a presente ação improcedente, e, em consequência, absolveu o Réu dos pedidos.

Em alegações, a Recorrente formulou as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…) 1) A ora recorrente intentou a presente ação alegando, em suma, que os diplomas em que assenta o despacho de indeferimento da pretensão da A. padecem de inconstitucionalidade quer orgânica, quer formal, salientando ainda contradições no que as vantagens da instalação de um aparelho PET/CT na cidade de Coimbra, as contradições existentes relativamente à realidade da cidade de Lisboa, bem como evidenciando o facto do aparelho instalado no ICNAS se dedicar 50% das atividades à investigação e 50% aos exames clínicos, concluindo que o despacho cm causa deve ser revogado e substituído por outro que autorize a instalação de um aparelho PET/CT na cidade de Coimbra.

2) Sucede porém que a sentença ora recorrida é nula por padecer de vícios insanáveis, nomeadamente por não se pronunciar sobre questões suscitadas pela A. e bem assim por não se pronunciar sobre os diversos vícios de inconstitucionalidade alegados pela A. ora recorrente.

3) Constata-se ainda que a sentença recorrida carece de fundamentação porquanto toma por certa a posição das recorridas sem, contudo, rebater os argumentos deduzidos quer pela recorrente, quer pelas testemunhas ouvidas em sede de discussão e julgamento.

4) Com efeito, a ora recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade do DL n° 95/95 de 9 de maio e da RCM 61/95, diplomas que sustentam o despacho posto em crise, porquanto, uma vez que vedam a entidades privadas de determinados equipamentos médicos pesados, constituem uma flagram c restrição ao direi t o fundamental de iniciativa privada, expressamente consagrado no artigo 61º da Constituição da República Portuguesa (CRP);.

5) Não se olvide que o que está em causa naqueles diplomas não é a mera imposição de condições de natureza técnica para o exercício de uma atividade que, pelas suas características, deve, evidentemente obedecer a requisitos que salvaguardem a segurança dos utentes e a qualidade dos serviços prestado, c que vem reguladas no Decreto-Lei 2~9/20U9, de 6 de outubro e na recentíssima Portaria nº. 33/2014, de 12 de fevereiro.

6) Ora, os diplomas que estabelecem verdadeiros "numerus clausus' para a instalação de equipamento como o PDT, constituem autênticas restrições ao exercício de um direito constitucionalmente protegido, impedindo tais entidades de livremente determinarem a sua atividade empresarial pela aquisição e instalação de equipamentos daquela natureza, com vista à realização dos exames aos seus clientes.

7) Aquele direito fundamental, recortado essencialmente, para as entidades privadas de cariz empresarial, é um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (art. 17° da CRP), beneficiando cm. consequência da especial tutela constitucional constante do art. 18° da Lei fundamental.

8) Do que vem exposto resulta que, de um ponto de vista material, a validade da restrição à liberdade de iniciativa privada que se extrai daqueles diplomas tem de ser aferida de acordo com comprovados critérios de proporcionalidade que, manifestamente, o que não sucede.

9) Por outro lado, desconhecem-se quaisquer estudos devidamente credenciados que justifiquem a existência e o valor daqueles ratios sendo certo que, cm matéria de restrição de direitos, liberdades e garantias, cabe ao legislador demonstrar os critérios de adequação e proporcionalidade que justifiquem tais restrições.

10) Acresce que estando cm causa uma realidade em constante evolução quer pelo desenvolvimento da tecnologia, quer pelo aumento progressivo das exigências das populações no que loca, à qualidade e quantidade dos serviços de saúde – sempre seria de considerar que 19 anos depois da fixação de tais ratios, estes se encontram totalmente inadequados á realidade social e tecnológica, o que constituiria uma restrição desproporcionada à liberdade de iniciativa económica.

11) Note-se, a propósito, que o Decreto-Lei 95/15 em análise inequivocamente no seu preâmbulo a necessidade de o legislador acompanhar em cada momento aquela realidade em rápida mutação.

12) Tanto assim é que, relativamente a alguns dos equipamentos médicos pesados previstos na referida Resolução do Conselho de Ministros, se mostra que a Administração de Saúde tem vindo a aprovar a insta1açao de novos equipamentos, muito para alem dos limites legalmente previstos.

13) Assim, impõe-se a conclusão de que os referidos diplomas são materialmente inconstitucionais. por violação do direito análogo a direitos liberdades e garantias contido no artigo 61º da CRP e, consequentemente, do disposto no artigo 18º n° 2 da CRP.

14) Coloca-se ainda a questão do patente vício de inconstitucionalidade orgânica de une padecem tais diplomas.

15) Com efeito, aquelas normas, apesar de restritivas de um direito fundamental análogo aos direitos, liberdades e garantias, provêm de atividade legislativa própria do governo, em violação frontal do disposto nos arts. 18°/2 e 168º/1/b da Lei fundamental.

16) Ora, a verdade, compete, em primeira linha, à Assembleia, da Republica legislar sobre direitos, liberdades e garantias e direitos análogos, estando a competência do governo sobre tais matérias sujeita a autorização legislativa que deve "definir o objecto, o sentido, extensão c a duração da autorização” (art.º 165°, nº.2 da CRP).

17) A incontornável invalidade, por inconstitucionalidade orgânica dos referidos diplomas, não pode deixar de ser conhecida, dada a aplicabilidade direta do direito à iniciativa privada.

18) Ora, a verdade é que a sentença recorrida não se pronunciou sobre estas questões, o que constitui, como se disse já, uma nulidade e que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.

19) Por outro lado, a sentença recorrida é omissa porquanto não dá resposta nem apresenta qualquer argumento que rebata o que foi afirmado em audiência por técnicos independentes e especializados na área, bem como às questões suscitadas pela ora recorrente nos seus articulados, que se dão por reproduzidos para os devidos e legais efeitos.

20) É certo que a Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n° 61/95 de 9 de maio define o ratio de 1 equipamento de Tomografia por Emissão de Positrões (PET) para cerca de 1 Milhão de habitantes.

21) No entanto a previsão da RCM abrange apenas os equipamentos PETs tradicionais, os únicos existentes na altura (1995), constituídos por uma câmara que fornece imagens moleculares.

22) Ora, o pedido da A. não se refere a um equipamento PET tradicional, mas um equipamento PT/CT, que apenas ficou disponível no mercado a partir do ano 2001 .

23) O equipamento em questão é constituído por um equipamento PET tradicional complementado com um equipamento de tomografia axial computorizada (TAC) e respectivo software de ligação.

24) Na verdade, este novo equipamento veio substituir o PET/tradicional, na medida em que permite um diagnóstico mais rápido, abrangente e preciso, fornecendo informação molecular e fisiológica, e com evidentes ganhos económicos e evitando incómodos para o doente, que consegue num único exame os resultados que, antes, só seriam obtidos com dois: um PET + uma TAC.

25) Por outro lado, a verdade é que o conteúdo da aludida RCM, uma vez que estabelece restrições ao princípio geral e constitucional da liberdade da iniciativa privada, tem uma natureza excecional, não podendo ser aplicada para além do seu âmbito estrito.

26) Pelo que, o referido ratio estabelecido por se referir exclusiva mente ao PET tradicional não pode abranger um novo equipamento — PET/CT — inexistente ao tempo em que a referida RCM foi adotada.

27) Em face do exposto, dúvidas não restam que o despacho que indeferiu o pedido da Recorrente é claramente violador do conteúdo da referida resolução, uma vez que, na ausência de norma que limite a instalação de equipamentos de PET/CTS o pedido da A. não podia deixar de ter sido aprovado.

28) Do mesmo mal enfermando a sentença ora posta em crise.

29) Acresce ainda que é de todo irrealista pretender aplicar uma norma com mais de 19 anos a um equipamento que sofreu uma enorme evolução técnica e uma utilização crescente desde o seu aparecimento.

30) Mas mesmo que assim não fosse - e é - o que apenas por cautela de patrocínio se aflora, e se entendesse que o PET/CT não é um novo equipamento e que está incluído no âmbito da RCM 61/95, mesmo assim o pedido formulado pela Recorrente nunca poderia deixar de ter sido deferido, dados os critérios seguidos pela DGS nas autorizações concedidas para a instalação de equipamentos PET/CT nas ARS do Norte (ARSN) e Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT).

31) A RCM 61/95 não estabelece um critério rígido na aplicação dos ratios nela previstos, prevendo flexibilidade na aplicação do ratio (“cerca de um milhão de habitantes”) e uma possibilidade quase infinita de abertura de exceções.

32) Ora é exatamente esse critério de aplicação flexível que a DGS tem utilizado na apreciação de outros pedidos que não o da Recorrente, como por exemplo na ARS Norte, com uma população de 3,6 milhões de residentes, foram autorizados 4 PETS, quando, seguindo-se o critério adotado em relação à ARS Centro só poderiam ter sido autorizados.

33) E um conjunto alargado de razões impunha a que tivesse sido autorizada a instalação do um equipamento PET/CT requerida pela A.

34) Desde logo, porque a importância e o desenvolvimento que hoje têm os exames PET e o facto de a ARSC ter mais de 2,3...

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