Acórdão nº 01207/12.3BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Abril de 2020
Magistrado Responsável | Helena Ribeiro |
Data da Resolução | 17 de Abril de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte: I. RELATÓRIO 1.1.MUNICÍPIO DE (...), intentou ação administrativa comum, sob a forma ordinária, contra A., S.A. e R., S.A.
, pedindo a condenação solidária dos Réus no pagamento da quantia de € 49.512,61, acrescida de juros legais desde a citação até integral e efetivo pagamento.
Alegou, para tanto, em síntese, que foi atribuída à R.- Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos S.A., a concessão da exploração e gestão do sistema multimunicipal do Norte Central, em regime de exclusividade, a qual passou a ser dona do aterro sanitário de (...), localizado em (...); Que no dia 26.11.2007, pelas 18h30m ocorreu um acidente no referido aterro sanitário, do qual resultaram danos no veículo pesado de mercadorias, marca Mercedes BENZ, de matrícula XX-XX-SR, do autor; Que o referido acidente ocorreu por o terreno por baixo do veículo ter começado a ceder junto ao eixo traseiro deste, após o seu motorista, no local indicado pelo funcionário da R., ter iniciado a manobra de marcha-atrás, recuando lentamente o veículo até chegar ao ponto do terreno onde existia um socalco e onde teria de depositar os aludidos resíduos; Já era noite, o local estava mal iluminado, não possuía qualquer tipo de sinalização e o solo não estava ainda devidamente compactado, não possuindo a necessária consistência para suportar o peso de um veículo pesado.
Em consequência, o veículo caiu e capotou para o lado direito, danificando a sua parte lateral direita e o contentor, tendo sofrido danos no montante global de 49.512,61€; A 1.ª Ré responde pelo pagamento da indemnização porque para ela a 2.ª Ré transferiu a responsabilidade civil pela apólice n.º 3071014; A 2.ª Ré responde nos termos do art.º 13.º, n.º4 do D.L. n.º 379/93, de 05/11 e ainda nos termos dos artigos 492.º, 493.º e 500.º do Código Civil.
Regularmente citada, a Ré A. contestou, defendendo-se por impugnação. Alegou, em suma, que apólice garante a responsabilidade por acidente até ao limite de €500.000,00, estando contratualizado que a ré suportaria uma franquia de 10% do valor do sinistro, com um mínimo de €500 e o máximo de 2000.
Quanto à dinâmica do acidente, alegou, em suma, que o condutor do veículo interveniente conhecia bem local, que quem lhe deu instruções sobre o local foi o seu ajudante e não o funcionário da Ré, que aquele não foi diligente, tendo-se limitado a fazer marcha-atrás em direção ao talude, tendo aqueles contribuído para a verificação dos danos nos termos do artigo 570º do C.Civil, presumindo-se o mesmo culpado no acidente ( artigo 503.º, n.º3 do C.Civil e Assento do STJ n.º1/83).
Concluiu que as RR. não respondem pelo sinistro.
Regularmente citada, a ré R. contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Na defesa por exceção, invocou a sua ilegitimidade passiva. Na defesa por impugnação, alegou, em suma, que a culpa na verificação do acidente é imputável “in totum” ao próprio autor, cujo condutor encaminhou o veículo para um talude do aterro sanitário, onde o mesmo se afundou.
Que o condutor do camião conhecia bem o local, estava acompanhado de dois ajudantes e foi um deles, e não o vigilante da R., que lhe deu instruções para a manobra a efetuar, limitando-se o motorista a fazer marcha-atrás em direção a um talude.
O comportamento destes deve ser reconduzido à figura da contribuição do lesado para o dano, nos termos do artigo 570.º do C.Civil, para além de impender sobre o autor a presunção de culpa do art.º 503.º, n.º3 do C.Civil.
Que a atividade da R. enquanto concessionária e titular da exploração do aterro sanitário do (...), enquanto bem imóvel, não é considerada perigosa para efeitos do disposto no art.º 493.º do C.Civil, concluindo pela improcedência da ação.
Proferiu-se despacho saneador, julgou-se improcedente a exceção invocada, fixou-se a matéria assente e formulou-se a base instrutória.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância de todos os formalismos legais.
Em 10 de abril de 2017, o TAF de Braga proferiu decisão que julgou a presente ação totalmente improcedente, constando a mesma do seguinte segmento decisório: «Ante o exposto, julga-se a presente ação administrativa comum totalmente improcedente, por provada, e, em consequência, absolvem-se os Réus do pedido.
Custas pelo Autor.
Fixo à presente ação o valor de € 49.512,61 (art. 32º nº1 do CPTA).
Registe e Notifique.» *Inconformado com a decisão, o Autor interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: «1º Determina o nº2 do artigo 493º do Código Civil que: “Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.
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A lei estabelece neste caso uma inversão do ónus da prova, a presunção de culpa por parte de quem exerce uma actividade perigosa, sendo este que tem de provar, para se eximir à responsabilidade, que não teve culpa na produção do facto danoso.
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Esta presunção de culpa assenta sobre a ideia de que não foram tomadas as medidas de precaução necessárias para evitar o dano, daí que, quanto aos danos causados no exercício de actividades perigosas, o lesante só poderá exonerar-se da responsabilidade provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar.
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Ora, a actividade própria da gestão e exploração de um aterro sanitário deve ser considerada perigosa para efeitos do art. 493.º, n.º 2, do CC.
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Com efeito, um aterro sanitário é um local destinado à decomposição final de resíduos sólidos gerados pela atividade humana. Nele são dispostos resíduos domésticos, comerciais, da indústria de construção, e também resíduos sólidos retirados do esgoto.
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No processo de decomposição dos resíduos sólidos, ocorre a liberação de gases e líquidos muito poluentes, pelo que se trata de um espaço com produtos tóxicos, que está submetido a regras e normas operacionais específicas, com legislação própria e rigorosa, não só de concepção e construção –o projecto de aterro sanitário exige cuidados como impermeabilização do solo, implantação de sistemas de drenagem eficazes, de águas e gases, entre outros, para evitar possíveis contaminações da água, do solo e do ar -, como de gestão, de recolha, transporte, armazenamento, tratamento, valorização e eliminação dos resíduos, por forma a não constituir perigo ou a causar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos, 7º o que é um inequívoco sinal dos graves riscos que um aterro sanitário envolve para a segurança e saúde das pessoas e seus utilizadores.
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Assim, sendo a actividade própria da exploração de um aterro sanitário uma actividade perigosa, em função da sua própria natureza, para os efeitos do disposto no artigo 493º, nº2, do Código Civil, a Ré R., S.A, tem contra si uma presunção de culpa 9º Por outro lado, pode considerar-se ainda que sobre Ré, R., S.A, recai a presunção de culpa do artigo 493º, nº1, do Código Civil, como considerou a decisão recorrida, no que respeita à violação dos deveres de fiscalização, manutenção e conservação do aterro sanitário, na medida em que, enquanto concessionária do serviço, substitui e representa o Estado no domínio da recolha e tratamento de resíduos sólidos, aplicando-se o regime da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos, que relativamente à culpa, a jurisprudência e a doutrina têm considerado existir uma presunção de culpa.
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Assim, dando por certo que sobre a Ré, R. recai uma presunção de culpa, teria a mesma de provar que actuou não apenas in abstracto, como teria actuado o bom pai de família pressuposto no art. 487º, nº 2, uma pessoa medianamente cautelosa e atenta em face do condicionalismo próprio do caso concreto, mas, mais do que isso, empregando todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de evitar os danos, dado que os casos previstos no art. 493º, representam uma responsabilidade subjectiva agravada ou objectiva atenuada, de modo tal que o lesante só fica exonerado quando tenha adoptado todos os procedimentos idóneos, segundo o estado da ciência e da técnica ao tempo em que actua, para evitar a eclosão dos danos (neste sentido, Acórdão do STJ de 17/01/2012 – proc. nº 291/07.6TBLRA.C1.S1, in www.dgsi.pt).
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Ora, a matéria de facto apurada, mostra, contudo, que aquela presunção não foi ilidida.
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Na verdade, ficou provado que o motorista do Autor não tinha qualquer liberdade de escolha do local do aterro onde proceder à descarga dos resíduos e só a podia fazer no local que lhe fosse expressamente indicado pelo funcionário da Ré, R., S.A.; que o porteiro da R., S.A. (à data R-.), indicou ao condutor do Autor, o preciso local onde teria de fazer a descarga dos resíduos no aterro, que o condutor do Autor, dirigiu-se para o local do aterro indicado pelo funcionário da R., S.A. para efectuar a descarga, que no local para onde se dirigiu o funcionário do autor não estava qualquer funcionário da R., S.A, que no local indicado, o motorista do Autor, colocou o veículo em posição de iniciar a manobra de marcha-atrás e assim aproximar-se do local onde seria feita a descarga e que percorridos alguns metros, o terreno por baixo do veículo começou a ceder junto ao eixo traseiro direito deste.
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Ou seja, o motorista do autor foi para o local indicado pelo funcionário da R., S.A.
e, nesse local, iniciou a manobra de marcha atrás fazendo retroceder o veículo para lançar os resíduos que transportava, através do respectivo contentor do veículo, para o aterro.
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Não se provou, nem se alegou, que o funcionário do autor tivesse ido para um local diferente do indicado pelo funcionário da Ré, R., S.A.; que o talude não fizesse parte desse local (porque fazia. Aliás, o aterro é composto por taludes, os quais, nos termos da legislação em vigor, são obrigados a...
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