Acórdão nº 00927/06.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução03 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório A., devidamente identificada nos autos, no âmbito da Ação Administrativa Comum intentada originariamente contra o Ministério da Economia e da Inovação, e em momento ulterior contra a M., Lda.

tendente, à adjudicação do terreno objeto de reversão, nos termos do Artº 77º do Código das Expropriações, inconformada com a decisão proferida no TAF do Porto em 21 de janeiro de 2014, que fixou em 180.292,08€ o montante que os Autores/Requerentes devem restituir à M., veio, em 21 de fevereiro de 2014, interpor recurso jurisdicional da referida decisão, aí tendo concluído: “

  1. Vem o presente recurso interposto do despacho de 21.01.2014, o qual determina o valor que a autora terá de pagar à ré M. para que o prédio rústico designado por Bouça do (...) Lugar da (...) lhe seja adjudicado, no exercício, por parte daquela, do direito de reversão que lhe assiste; B) Para o efeito, procede o tribunal a quo à seleção da matéria de facto que considera relevante para a apreciação da questão - determinação da indemnização devida -- não fazendo constar dos mesmos, para o que ora Interessa, o valor da indemnização recebida pela autora aquando da expropriação, quando tal facto foi alegado no artigo 10° da petição inicial, não foi impugnado pela ré lê é relevante para a correta apreciação ela causa (nos termos à frente melhor enunciados), o que consubstancia uma situação de erro de julgamento na apreciação da matéria de facto; C) Na verdade, devido ao estatuído nos artigos 77.° n.º 1 alíneas d) e e) e 78.° n.º 2 do Código das Expropriações (CE), a indemnização devida pela autora à ré pela adjudicação do terreno em causa corresponde à restituição do montante da indemnização recebida aquando da expropriação, acrescida do valor das benfeitorias e ou diminuída do valor das deteriorações introduzidas no bem, sendo, aliás, esta a posição espelhada na fundamentação do despacho de que se recorre; D) Sucede que, ao contrário do que seria de esperar, o Tribunal a quo não determinou o montante da indemnização a ser paga pela autora à ré M. com base na “indemnização satisfeita" por aquela aquando da expropriação (conforme defende que deveria acontecer na fundamentação do despacho), tendo-o feito atendendo - contraditoriamente - ao atual valor de mercado do bem a ser adjudicado, donde resulta a contradição entre a fundamentação do despacho e a decisão que consta do mesmo, o que determina a nulidade do referido despacho (cfr. artigo 615.° n." 1 alínea c), ex vi artigo 613.° n.º 3, ambos do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA); E) Por outro lado, importa salientar que a posição seguida pelo Tribunal a quo, na parte decisória, não só contraria a fundamentação do dito despacho, como viola o estatuído nos artigos 77.º n.º 1 alíneas d) e e) e 78.° n.º 2 do CE; F) Com efeito, note-se que o artigo 77.° n.º 1 do CE enuncia os diversos documentos que têm de instruir a petição inicial, impondo o legislador, na alínea d) do referido normativo, a obrigação de indicar no pedido de adjudicação o valor da ''indemnização satisfeita" visto que será esta indemnização que, devidamente atualizada, será restituída ao demandado; G) Note-se que a indicação do referido montante não tem qualquer outro fim para além do indicado, pelo que, se a indemnização devida pelo autor ao réu não fosse calculada atendendo à "indemnização satisfeita", o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 77.° não teria nenhuma utilidade, nem, por conseguinte, razão de existir ...

H) Acresce que na alínea e) do mesmo artigo, o legislador também exige ao autor que indique no pedido de adjudicação uma estimativa relativamente às benfeitorias e às deteriorações ocorrida no terreno após a expropriação; I) Acontece que, se a indemnização a ser paga pelo autor ao réu aquando da adjudicação fosse determinada atendendo ao valor de mercado do bem (como o Tribunal de que se recorre acaba por decidir), então tanto a alínea d) do n.º 1 do artigo 77º do CE não existiria, como na alínea e) do mesmo artigo se exigiria uma estimativa, não só das benfeitorias e das deteriorações, mas também do valor de mercado atualizado do bem, o que, realce-se, não acontece; J) Como se tal não bastasse, o artigo 78,°, n.º 2 do CE determina que, na falta de acordo das partes, "o montante a restituir é fixado pelo juiz", donde resulta que, se o valor da indemnização a ser paga pelo autor ao réu não correspondesse à "indemnização satisfeita" aquando da expropriação, o legislador nunca teria utilizado a expressão "montante a restituir" ...

K) Assim, ''a indemnização a pagar pelo expropriado ao expropriante em consequência da reversão tem como base a indemnização recebida correspondente à expropriação, sendo com este sentido que o artigo 78.º, n.º 2, utiliza a expressão montante a restituir acrescida do valor das benfeitorias que a entidade expropriaste tenha feito no bem expropriado e diminuída do valor das deteriorações eventualmente ocorridas neste mesmo bem" (Cfr. FERNANDO ALVES CORREIA, Manual de Direito do Urbanismo, Volume II, Almedina, 2010, p.341); L) Por outro lado, a interpretação apresentada é a que melhor se coaduna com a natureza jurídica da reversão enquanto condição resolutiva, a qual, "detido ao desaparecimento da causa expropriandi decorrente do não cumprimento da finalidade da expropriação, faz cessar os efeitos desta, impondo a repristinação das coisas no status quo ante, restituindo o antigo proprietário o valor que tinha recebido na indemnização e recuperando a propriedade do bem" (Cfr. ob. cit., p. 340); M) Aos argumentos enunciados, acresce o facto de "a eventual valorização posterior do objeto não dever beneficiar o expropriante, devido à sua atuação irregular ao não ter aplicado o bem ao fim específico que tinha determinado a expropriação" (Cfr. FERNANDO ALVES CORREIA, As garantias do particular na expropriação por utilidade pública, Separata do Volume XXIII do Suplemento ao BFDUC, Coimbra, 1982, p. 164); N) Ou seja, o sentido perfilhado no despacho de que se recorre acaba por "premiar" a entidade beneficiária da expropriação que, embora não tenha destinado o bem ao fim em virtude do qual o mesmo foi expropriado, ainda lhe possibilita tirar partido da valorização entretanto ocorrida, valorização essa, note-se, que não pode, de forma alguma, ser imputável ao expropriado; O) No caso em apreço, a ré M., para além de ter incumprido no sentido de atribuir ao bem o fim para que foi expropriado, ainda introduziu no mesmo as deteriorações que entendeu, como, a título de compensação por tudo isso, receberá a quantia de 180.000€ ...

P) Aliás, o "prémio" da ré M. seria ainda maior não fossem as deteriorações introduzidas no terreno por aquela, sendo que, neste caso, teria direito a receber (em "cash”), seguindo a lógica do Tribunal a quo, mais de 600.000€ (quando pagou, em quantia já atualizada, apenas 246.500€, sendo que, em contrapartida, caberia à autora pagar aquele montante Q) Montante esse que, embora não tendo de liquidar diretamente à ré M., a autora terá de gastar para repor o bem no estado em que o mesmo se encontrava aquando da expropriação, R) Situação que, no nosso modesto entender, consubstancia uma violação ao direito de propriedade consagrado no artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que o exercício do direito de reversão fica comprometido (atendendo, no caso, aos valores em causa); S) Diga-se ainda que, para além de FERNANDO ALVES CORREIA, também JOSÉ OSVALDO GOMES e PEDRO ELIAS DA COSTA são partidários do entendimento de que a indemnização em consequência da reversão tem como base a indemnização recebida correspondente à expropriação (cfr. JOSÉ OSVALDO GOMES, Expropriações por Utilidade Pública, Texto Editora, 1997, p. 429 e PEDRO ELIAS DA COSTA, Guia das Expropriações por Utilidade Pública, Almedina, 2003, p. 249); T) Por conseguinte, o valor a tomar em consideração, para efeitos de devolução da prestação a cargo do...

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