Acórdão nº 00032/17BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução13 de Março de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO A., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, no âmbito da presente Ação Administrativa por este intentada contra a ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO CENTRO, I.P, que, em 14.05.2018, julgou a mesma totalmente improcedente, e, em consequência, manteve o ato impugnado válido na ordem jurídica.

Em alegações, o Recorrente formulou as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…) I- Vem o presente recurso interposto da douta Decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, manteve como válido na ordem jurídica o ato impugnado: reposição da quantia paga indevidamente pela Recorrida, Administração Regional de Saúde do Centro, I.P., ao Recorrente, no valor de €25.688,33€.

II - Com o devido e maior respeito pela douta Decisão proferida, entende o ora Recorrente que a mesma não fez uma correta interpretação e aplicação de Direito, pelo que deve ser revogada com todas as consequências legais. Vejamos.

III - Entendeu o Mm° Tribunal a quo que, pese embora o artigo 168°, n.° 2 do novo CPA, estabeleça que os atos constitutivos de direitos só podem ser objeto de anulação administrativa dentro do prazo de um ano, a contar da data da respetiva emissão, não se pode esquecer a alteração que foi dada ao artigo 40° do Decreto-Lei n° 155/92, de 28 de julho (que regula o regime da administração financeira do Estado), pela Lei n° 55-B/2004, de 30 de dezembro, que lhe introduziu um n°3.

IV- Ou seja, entende o Tribunal a quo que face a esta nova redação, passou a considerar--se que a decisão administrativa de reposição de verbas indevidamente pagas poderia ser prolatada nos cinco anos previstos no referido artigo 40° do D.L. n° 155/92, de 28 de julho. Com o devido respeito, não se pode concordar com a posição sufragada.

V- Conforme profusa Jurisprudência nesta matéria, é ilegal a revogação dos atos de processamento de vencimentos para além do âmbito permitido pelo artigo 141° do CPA, ou seja, para além do prazo de um ano.

VI- O prazo prescricional de cinco anos, estabelecido do artigo 40° do Decreto-Lei n.°155/92, de 28.7, para a obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas que devam entrar nos cofres do Estado, reporta-se exclusivamente à exigibilidade ou à possibilidade de cobrança de um crédito preexistente a favor do Estado e não à prévia definição jurídica da obrigação de repor, em nada interferindo, pois, com a regra geral da revogação dos atos administrativos constitutivos de direitos.

VII- E não se diga que com este entendimento se esvazia de sentido útil o disposto no n° 3 do artigo 40° do DL n° 155/92, de 28 de julho (...) Está aqui em jogo, por um lado, o legítimo interesse do Estado em reaver as importâncias indevidamente pagas a terceiros (a exigir um prazo alargado) e, por outro, o interesse genérico na segurança e na certeza jurídicas (a impor para a revogabilidade dos atos constitutivos de direitos um limite temporal relativamente curto).

VIII- Resultou provado que o ato de devolução impugnado respeita a valores que foram pagos mensalmente ao Recorrente desde 17 de janeiro de 2011 a 30 de abril de 2015 (cfr. M) dos Factos provados).

IX- Assim, tratando-se os atos de processamento de vencimentos de verdadeiros atos administrativos, constitutivos de direitos, a sua revogação (atualmente, anulação administrativa) só poderia ter lugar até um ano após a sua prática, nos termos do previsto no artigo 141° do CPA (atual artigo 168°, n° 2). Deste modo, tendo o ato impugnado revogatório sido praticado em dezembro de 2016, todos os atos de processamento de vencimentos anteriores a dezembro de 2015 se consolidaram na ordem jurídica, não podendo agora ser revogados, assim concluindo pela ilegalidade do ato impugnado, por vício de violação de lei.

X - Assim sendo, como se defende, a Decisão impugnada fez uma errada interpretação e aplicação de Direito, violando concretamente os artigos 3°, 4°, 6°, 10°, 152°, 153°, 167°, 168°, n° 2 do CPA e 40° do DL 155/92 de 28.6, os artigos 2° e 13° da Constituição da República Portuguesa, pelo que ser revogada com todas as consequências legais.

Sem prescindir.

XI - A não se entender assim, o que só por hipótese académica se admite, defende o Recorrente que a Decisão recorrida enferma também em erro de julgamento ao não considerar prescrita a dívida, por entender que a notificação efetuada pelo Recorrido ao Recorrente, em sede de procedimento administrativo, é suscetível de interromper o prazo prescricional previsto no referido artigo 40° do D.L. n° 155/92, de 28 de julho.

XII - Sempre com o devido respeito entende o Recorrente que não pode proceder esta interpretação, defendendo-se que não foi praticado pela Recorrido qualquer ato interruptivo ou suspensivo do prazo de prescrição no período de tempo compreendido entre 17.01.2011 e 30.04.2015 - cfr. 323.°, n.° 1, do CC, aplicado por remissão do art. 40.°, n.° 2, do DL 155/92, 28 Jul.

XIII- A notificação do Recorrente pelo Recorrido em 14.07.2015, não tendo sido efetuada no âmbito de um processo jurisdicional, é extrajudicial e, como tal, “(...) não preenche um dos pressupostos indispensáveis para poder interromper o prazo prescricional (.../’ - cfr. acórdão TRL de 10.10.2012, relativo ao processo n.° 3500/11.3TTLSB.L1-4.

XIV- Esta notificação não consubstancia nenhum meio judicial - nos termos do n.° 4 do artigo 323.° CC, ex vi artigo 40.°, n.° 2, DL 155/92, de 28 Jul, não tendo ocorrido qualquer causa interruptiva ou suspensiva da prescrição. Pelo que o prazo prescricional continua a correr sem qualquer interrupção.

XV- Encontram-se, assim, prescritos os valores recebidos desde 17.01.2011 até 30.12.2011, totalizando € 8.106,36 (oito mil cento e seis euros e trinta e seis cêntimos), valor que, sempre e em todo o caso, deverá ser subtraído ao valor que seja considerado devido ao Recorrido.

XVI- Ao decidir como decidir, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação de facto e uma sua incorreta subsunção ao Direito, violando os artigos 40° do DL 155/92, de 28.07 e o artigo 323° do Código Civil, devendo a mesma ser revogada com todas as consequências legais.

(…)”.

*Notificada que foi para o efeito, a Recorrida produziu contra-alegações, que rematou da seguinte forma: “(…) A - Não está em causa, nos presentes autos, uma alteração do entendimento da recorrida quanto ao pagamento das verbas, a repor, ser ou não devido.

B - Trata-se de um verdadeiro ato ordenatório de reposição de verbas que foram indevidamente recebidas.

C - Prevalece, pois, o entendimento do Tribunal a quo, sustentado no Ac STA de 2008-06-05 - Proc. n° 01212/06 (Cfr. também, Ac TCA Sul, Proc. n° 06302/10, de 2014-06-05, Acs STA, Proc. n° 0413/09, de 2010-03-17 e Proc. n° 0183/15, de 2010-10-29, in www.dgsi.pt): “Assim, impõe-se concluir que a obrigatoriedade de reposição de quantias devidas ao Estado não é condicionada pelo regime previsto para a anulação administrativa de atos constitutivos de direitos, atenta a previsão constante do n° 3 do artigo 40° do D.L. n° 155/92.

D - A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas não é condicionada pelo regime de revogação dos atos administrativos inválidos fixado no Art. 168° do Novo CPA - Cfr. Art. 40°, n° 3 do Decreto-Lei n° 155/92, de 28 de julho.

E - A ordenação da reposição das quantias indevidamente recebidas, dentro dos cinco anos posteriores ao seu recebimento, não viola o Ar. 168° do Novo CPA (anterior Art. 141°).

F - A recorrida, após audiência prévia do recorrente e dentro, pois, do prazo de 5 anos posteriores ao respetivo recebimento, notificou-o para repor as remunerações que indevidamente recebeu - Cfr. Alínea E, do Factos Provados.

G - O que tem o efeito interruptivo do prazo de prescrição.

H - A não ser assim, os atos administrativos ficariam despidos de eficácia, o que vai contra a respetiva natureza e às prerrogativas de autoridade de quem os emite - Cfr. Art. 148° CPA.

I - A presunção de legalidade e a (consequente) imperatividade e executoriedade imediata (Art. 176°, n° 2 e 179°, ambos do CPA) do ato administrativo implicam a respetiva aptidão para, uma vez notificado ao seu concreto destinatário, interromper a prescrição.

J - Ou seja, enquanto materialização da intenção do exercício de um direito, a notificação pela Administração ao particular para a reposição de quantias indevidamente recebidas é interruptiva da prescrição.

K - Cabendo interpretar a norma do Art. 323° do Código Civil, na ausência de norma idêntica no CPTA, no sentido da “devida adaptação às particularidades do Direito Administrativo e às normas que regem a atuação das entidades públicas” - Cfr. Sentença recorrida, Art. 9° do Código Civil (CC) e Ac TCA Norte, n° 00178/06.0BECBR, de 2012-12-14, in www.dgsi.pt.

L - Chegar-se-ia a igual conclusão, pela integração das lacunas da lei (Art. 12°, do CC).

M - Se inexiste norma que regule a prescrição e respetiva interrupção no CPTA, tal já não sucede no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (Lei n° 110/2009, de 16 de setembro).

N - Tendo sido adotado pelo legislador o princípio de que interrompe a prescrição qualquer ato que exprima direta ou indiretamente a intenção de exercer o...

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