Acórdão nº 0780/19.0BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO A………., devidamente identificado nos autos, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC), acção administrativa contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA (MAI), com vista à impugnação da decisão proferida em 26/03/2019, pela Diretora Nacional do SEF, que considerou inadmissível o seu pedido de protecção internacional, peticionando “…deve ser julgada procedente por provada a presente acção e, por via disso: a) declarada a nulidade do Processo de Protecção Internacional e da respectiva decisão por preterição total do procedimento legalmente exigido; b) condenar-se o Réu à prática do acto legalmente devido de admissão do pedido do A.; ou, se assim não se entender, c) deferida a Protecção Subsidiária de concessão de autorização de residência por razões humanitárias.”*Por Sentença do TAC de Lisboa, foi a presente acção julgada procedente, e em consequência anulada a decisão administrativa impugnada.

*O MAI apelou para o TCA Sul e este, por acórdão proferido a 26 de Setembro de 2019, concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida e julgou improcedente a presente acção.

*A………, inconformado, veio interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «1.ª A 1ª instância julgou procedente a acção por considerar que, no procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional, deve observar-se o direito de audiência prévia do requerente; 2.ª Não foi elaborado o relatório a que se refere o artigo 17º, nºs 1 e 2, da lei do Asilo (alínea B) do probatório), pelo que, a decisão do SEF não pode manter-se na ordem jurídica; 3.ª A 2ª Instância revogou a sentença e manteve o acto do SEF, porque entendeu que o relatório era dispensado e os direitos de audiência e de defesa do A. podiam ter sido exercidos no âmbito da entrevista que foi realizada; 4.ª O requerente não podia ter exercido o seu direito de audiência na entrevista porque não resulta do processo administrativo que os inspectores do SEF tenham, em momento algum, dado conhecimento da intenção de reenvio e a aceitação pela Suécia da sua retoma a cargo, até porque esta aceitação ocorreu em momento posterior à entrevista; 5.ª Na data da entrevista, o SEF desconhecia ainda se a Suécia aceitaria o pedido de retoma.

6.ª Ainda que não se entendesse que o relatório seria obrigatório, sempre teria de ficar consignado na entrevista que foi dada a oportunidade do direito de audiência ao requerente sobre a retoma, que não foi; 7.ª As regras comunitárias alegadas não podem afastar os princípios constitucionais, aqueles que impõem à administração pública portuguesa o dever de ouvir o requerente sobre a decisão que pretende tomar; 8.ª É inconstitucional o entendimento que, no processo de retoma a cargo por outro Estado–Membro, o SEF esteja dispensado da elaboração do relatório a que se refere o artigo 17º, nºs 1 e 2, da lei do Asilo, por violação dos artºs 8º, nº 4, 266.º, nº 2, e 267º, nº 5, da CRP; 9.ª É inconstitucional o entendimento que na entrevista, onde nada foi comunicado ao requerente, possa ter sido cumprido o direito de audiência prévia, por violação dos art.ºs 8º, nº 4, 266º, nº 2, e 267º, nº 5, da CRP».

*O MAI, não contra-alegou.

*O “recurso de revista” foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 5 do artº 150º do CPTA], proferido em 12 de Dezembro de 2019.

*O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 146º, nº 1 e 147º do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*Sem vistos, por não serem devidos.

  1. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. MATÉRIA DE FACTO A matéria de facto assente nos autos, é a seguinte: “A) O Autor é nacional do Afeganistão.

    1. Em 20/02/2019, o Autor apresentou um pedido de protecção internacional junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

    2. Em 07/03/2019, o Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras apresentou um pedido de retoma a cargo às autoridades suecas, ao abrigo do artigo 18º, nº 1, alínea b), do Regulamento (EU) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho.

    3. Em 19/03/2019, as autoridades suecas aceitaram o pedido de retoma a cargo do Autor, ao abrigo do artigo 18º, nº 1, alínea d), do Regulamento (EU) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho.

    4. Em 26/03/2019 foi realizada uma entrevista com o Autor (cfr. documento que consta do processo administrativo e que dou aqui por reproduzido).

    5. Em 26/03/2019, a ED. proferiu a seguinte decisão « ” G) Em 26/03/2019, o Autor foi notificado da decisão de transferência referida na alínea anterior.

    Nos termos dos artºs 149º, nº 1, do CPTA e 662º, nº 1, do CPC, ex vi art.º 140º, nº 3, do CPTA, acrescentam-se os seguintes factos, por provados: H) Consta da acta-relatório da entrevista realizada ao A. e Recorrido, referida em E), que está assinada pelo A. e Recorrido, nomeadamente o seguinte: Confirmou-se que o requerente e o intérprete se compreendem e a entrevista foi feita na língua persa, escolhida pelo requerente e através da qual comunica claramente. Foi igualmente explicado que o intérprete não tem influência sobre a decisão do caso do requerente.

    Foi explicado ao requerente que nos termos do Regulamento de Dublin, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, apenas um Estado-Membro é responsável, pelo que, o seu pedido está sujeito a um procedimento especial de admissibilidade.

    Este procedimento prevê que o pedido de proteção internacional possa ser considerado inadmissível quando se verifique, com base em dados objetivos, provas ou indícios, que Portugal não é responsável pela análise do pedido de proteção internacional. Neste caso, prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional.

    “Esta entrevista faz parte do procedimento de admissibilidade e visa determinar o seguinte: (…) - Entrada ilegal pela fronteira de um Estado Membro (por via terrestre, marítima ou aérea) a partir de um país terceiro (…) O requerente foi informado que: - As informações que indicar não serão comunicadas às autoridades do país de origem ou da nacionalidade, (...) O requerente foi ainda informado que: O folheto informativo que lhe foi entregue no momento do registo do seu pedido de proteção internacional contem informações importantes sobre o procedimento, designadamente, os critérios que determinam a responsabilidade, a obrigação de permanência em Portugal até à decisão final, as vias de recurso e que, caso faça um pedido de proteção internacional noutro Estado Membro ou seja detetado em situação ilegal, será transferido para Portugal.

    (…) I) Na data da entrevista foi entregue ao A. e Recorrido uma explicação em 3 diferentes línguas da tramitação que segue o pedido de protecção internacional – cf. a referida explicação no PA.”*2.2. O DIREITO.

    A…….., intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, acção administrativa, contra o Ministério da Administração Interna [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras], peticionando a declaração de nulidade do despacho da Directora Nacional do SEF de 26.03.2019 que considerou inadmissível o seu pedido de protecção internacional e a condenação do Réu à prática do acto legalmente devido de audição prévia do autor, e admissão liminar do pedido de protecção internacional, ou a concessão de protecção subsidiária da autorização de residência por razões humanitárias.

    Reitera neste recurso de revista que o Regulamento de Dublin não pode afastar os princípios constitucionais que impõem ao Estado Português o dever de ouvir o requerente, sobre a decisão que pretende tomar acerca do seu pedido e que, ao invés, as regras de retoma a cargo, previstas no artº 23º do Regulamento (EU) nº 604/2013 do PE e do Conselho (Reg. de Dublin) não são imperativas, dado que, de acordo com o disposto no artº 3º, nº...

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