Acórdão nº 2117/18.6T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Fevereiro de 2020
Magistrado Responsável | ROS |
Data da Resolução | 20 de Fevereiro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam em conferência na 1ª seção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: RELATÓRIO BANCO …, S.A.
veio propor contra E. S. – ARQUITECTO, LDA.
ação declarativa sob a forma de processo comum pedindo que seja declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado em 30 de setembro de 2010, com fundamento em incumprimento definitivo imputável à ré e reconhecido o direito da autora a fazer seu o montante pago pela ré, em singelo, no valor global de € 27.480,00.
Para o efeito alega, em síntese, que, em 30 de setembro de 2010, autora e ré celebraram um contrato promessa de compra e venda relativo a um prédio rústico propriedade da primeira.
Ficou estipulado, nesse contrato promessa, que a celebração do contrato definitivo ficava subordinada à condição de aprovação do PIP (pedido de informação prévia) para a construção do edifício que a ré aí pretendia construir.
Ficou também estipulado que a escritura de compra e venda seria celebrada no prazo máximo de 180 dias, prazo que, contudo, sofreu três prorrogações, sendo a última data fixada o dia 16 de julho de 2016.
A autora tentou por várias vezes notificar a ré para a celebração da escritura, mas tal notificação não se mostrou possível, por ausência da ré da morada que consta do contrato.
A ré deixou de contactar a autora e de manifestar interesse pelo negócio, pelo que deve ser declarada a resolução do contrato promessa com base em incumprimento definitivo da ré.
*A ré apresentou contestação, impugnando a factualidade alegada pela autora.
Alegou, em síntese, que não se verifica a condição resolutiva da aprovação do PIP, já que, embora admitindo que recaiu despacho de indeferimento sobre tal questão, por parte da Câmara Municipal ...
, entende que tal questão não está definitivamente decidida, por correr uma ação no Tribunal Administrativo, que a ré instaurou contra o Município ... a impugnar tal decisão, sendo que foi dando conhecimento à autora de todas as ações que foi tomando para resolução da questão.
Alega também que não recebeu as cartas de notificação para a realização da escritura pública, que a autora diz ter enviado, e invoca que não existe fundamento para a resolução do contrato promessa, precisamente porque não se verificou a condição resolutiva que consta do contrato, já que insiste que obteve aprovação tácita do PIP, questão que está a ser apreciada na referida ação no Tribunal Administrativo.
A autora sempre soube da existência da ação no Tribunal Administrativo e, por isso, não tem fundamento para a resolução do contrato promessa, verificando-se, antes, uma situação de perda de interesse na realização do negócio por parte da autora.
Com tais fundamentos, conclui pela improcedência da ação.
Subsidiariamente, formula reconvenção, pedindo que a autora seja condenada a entregar à ré a quantia de € 54.
960,00, correspondente ao dobro do que esta prestou a título de sinal e princípio de pagamento, uma vez que a Ré obteve o deferimento tácito do PIP, o e-mail ilícito enviado pela Autora em 26 de janeiro de 2017, e ainda, a atitude da Autora perante a existência do processo n.
º 251/16.
6BESNT que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra – Unidade Orgânica 3, acrescido de juros até efetivo e integral pagamento.
Subsidiariamente, caso não proceda tal pedido, deve a autora ser condenada a devolver à Ré o sinal recebido, no montante de € 27.
480,00, a título de enriquecimento sem causa, acrescido de juros até efetivo e integral pagamento.
*A autora replicou, invocando a verificação da condição resolutiva da aprovação do PIP, alegando que só agora teve conhecimento de tal facto, para além de impugnar a factualidade alegada pela ré, nomeadamente na reconvenção.
*Ao abrigo do disposto no art. 265º do CPC, veio, a autora requerer a alteração da causa de pedir e do pedido, alegando que só com a contestação da ré teve conhecimento da emissão de parecer desfavorável ao PIP, o que lhe confere o direito à resolução imediata do contrato promessa de compra e venda, nos termos clausulados nesse contrato.
Conclui pela improcedência da reconvenção e formula pedido no sentido de o contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes em 30 de setembro de 2010, ser julgado resolvido com fundamento na verificação da condição resolutiva prevista no nº 2 da cláusula quinta do contrato.
*Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, definiu-se o objeto do processo e procedeu-se à seleção dos temas de prova.
*Foi proferido despacho que não admitiu a alteração da causa de pedir e do pedido.
*Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença com o seguinte teor decisório: “1- Julgo totalmente procedente a ação, pelo que, declaro resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado em 30 de setembro de 2010, com fundamento em incumprimento definitivo imputável à Ré E. S. – Arquiteto, Lda. e reconheço o direito do Autor a fazer seu o montante pago pela Ré, em singelo, no valor global de € 27.480,00 (vinte e sete mil, quatrocentos e oitenta euros).
2- Julgo totalmente improcedente a reconvenção, dela absolvendo o autor reconvindo.”*A ré não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: “1. A recorrente não se conforma com a decisão proferida, porquanto a mesma fez errada decisão da matéria de facto e menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, como a seguir se vai demonstrar.
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Assim, deveriam ter sido dados como não provados os factos 16., 17., 19., 23., 24., 26., 29., 106., 107., 108., 109., 110., 111., 112., 113., 114., 115., 116., e 117 dos factos dados como provados, como provados os factos a-, b-, c-, d-, e, dos factos dados como não provados, e ainda deveria ter sido julgada totalmente procedente a Reconvenção apresentada pela R.
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Tudo com base das Declarações de Parte do Legal Representante da Ré E. S.
, as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 20/09/2019, com relevo para este recurso de 00:00:34 a 00:24:45.
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Com base nos Depoimentos das testemunhas: R. S.
, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 20/09/2019, com relevo para este recurso 00:19:06 a 00:25:52; A. F.
, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 20/09/2019, com relevo para este recurso 00:08:06 a 00:15:35.
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Com base na Prova Documental composta pelos: Documento n.º 3 junto com a petição inicial; Documento nº. 4 junto com a petição inicial; Documento nº. 5 junto com a petição inicial; Documento nº. 6 junto com a petição inicial; Documentos nº.s 7 e 8 juntos com a petição inicial; Documentos nº.s 9, 10, 11 e 12 juntos com a petição inicial; Documento nº 14 junto com a petição inicial; Documento n.º 15 junto com a petição inicial; e ainda, Documentos n.º 1, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º juntos com a contestação/Reconvenção; Documento junto pela Câmara Municipal ....
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Andou mal o Tribunal ao considerar eficaz a notificação da Ré, nomeadamente, no âmbito da notificação judicial avulsa promovida pelo autor, da qual constava a interpelação admonitória referida, e ainda, que face à factualidade dada como provada, conclui que o autor fez a prova de todos os factos que lhe competi, como factos constitutivos do seu alegado direito, já que provou os termos do contrato promessa, agendou a data para a celebração da escritura, como lhe competia por via do contrato, tendo dado várias oportunidades à ré para conseguir obter a documentação necessária, e tendo sido a ré que não compareceu, apesar da interpelação admonitória, não outorgando o contrato prometido nos termos acordados.
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Como é usual em contratos promessa de compra e venda, as partes deixaram consignado que: Todas as notificações a realizar entre os contratantes ao abrigo do presente contrato deverão ser efetuadas por qualquer meio suscetível de confirmação de receção, expedidas para os endereços abaixo indicados; Para o Primeiro Outorgante: Av. …, Edifício …, piso Um, Ala B, …; Para a segunda contratante: Praça …, número …, escritório …, em Vila Real; No caso de haver alteração do respetivo endereço, fica o respetivo contratante obrigado a comunicar ao outro essa alteração por qualquer meio suscetível de confirmação de receção pela outra parte.
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O disposto no art. 224º do Código Civil traduz a assunção da teoria da receção, de tal modo que a eficácia da declaração negocial (ainda que de natureza resolutiva) depende do seu recebimento pelo destinatário, a tal equivalendo também a situação em que a declaração entra na sua esfera de influência.
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O ato de recebimento significa, nos termos da teoria da receção, chegada ao poder, devendo o Tribunal apreciar os comportamentos (ações ou omissões) dos destinatários.
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O preceituado no nº 2 do artigo 224º do CC tem sido, aliás, objeto de frequentes apreciações dos tribunais. No Ac. do STJ, de 14-11-06, CJSTJ, tomo III, pág. 109 (MOREIRA ALVES), no STJ, de 11-12-03 (www.dgsi.pt - QUIRINO SOARES) e no Ac. do STJ 8-6-06, CJSTJ, tomo II, pág. 113 (MOREIRA ALVES), considerando-se também ineficaz a declaração remetida: tratava-se de declaração respeitante à designação de data para a celebração de escritura pública de compra e venda enviada por carta registada para o endereço constante do contrato-promessa, a qual não foi rececionada. Tendo sido deixado aviso para o destinatário proceder ao seu levantamento na estação dos correios, tal não foi feito, o que levou a contraparte a considerar definitivamente incumprido o contrato-promessa.
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No caso sub judice confrontamo-nos com cartas que nunca chegaram à caixa de correio da R., e ainda, com uma certidão negativa do agente de execução que tentou efetuar a notificação judicial avulsa, certidão essa na qual consta que a informação que serviu...
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