Acórdão nº 94/20 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. João Pedro Caupers
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 94/2020

Processo n.º 948/19

1.ª Secção

Relator: Conselheiro João Pedro Caupers

Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido B., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC).

2. Pela Decisão Sumária n.º 829/2019, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

(…) «6. Importa começar por notar que o recorrente não apresentou — como se lhe impunha - um requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, com estrita observância dos elementos impostos pelo artigo 75. °-A da LTC, mas sim verdadeiras alegações. Ora, nos termos do artigo 78. °-A, n.º 5, da LTC, as alegações de recurso apenas devem ser apresentadas pelo recorrente após prolação de despacho do relator nesse sentido (nesse sentido, os Acórdãos n.ºs 39/99, 15/01, 61/09, e a Decisão Sumária n.º 238/2011, disponíveis no sítio do Tribunal).

Assim sendo, considerando o princípio do aproveitamento dos atos processuais, o Tribunal apreciará o requerimento de recurso, mas na estrita medida em que contenha os elementos previstos no referido artigo 75. °-A, n.º 1, da LTC. O restante conteúdo, por consubstanciar materialmente alegações, será tido como não escrito.

Deve notar-se ainda que o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade não é absolutamente claro e inequívoco relativamente aos acórdãos de que se pretende recorrer. Repare-se na ambiguidade da formulação utilizada em tal requerimento: «notificado do douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, com data de 12 de setembro de 2019, e não se conformando com o mesmo e com as decisões que com o mesmo se tornaram irrecorríveis».

É certo que ao indicar as normas que reputa de inconstitucionais, nas alíneas (i) a (v), o recorrente faz referência às decisões em que as mesmas foram aplicadas. Porém, se ficamos esclarecidos quanto a uma das decisões recorridas - o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 12 de setembro de 2019 [(alínea (i)] o mesmo já não se pode dizer quanto às restantes [alíneas (ii) a (v)], na medida em que se faz referência ao Acórdão da Relação de Lisboa (TRL). E assim é porque tendo sido proferidos dois acórdãos pelo TRL — um primeiro, que julgou o recurso da decisão da 17 instância, proferido em 7 de dezembro de 2016 (fls. 543-556), e um segundo, em 30 de novembro de 2017, que se pronunciou sobre uma questão processual (fls. 946-947) — ficamos sem saber qual deles era visado pela interposição de recurso. Adiante nos pronunciaremos sobre este ponto.

7. Feitos estes esclarecimentos, detenhamo-nos sobre os pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.° da LTC (artigos 75.°- A e 16°, n.º 2, da LTC). Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não foram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78°-A do mesmo diploma.

8. Vejamos, em primeiro lugar, o recurso de constitucionalidade interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2019, no qual se decidiu não admitir o recurso de revista excecional.

Neste caso, independentemente da não verificação de outros requisitos de conhecimento do recurso, o não preenchimento de um requisito compromete definitivamente o prosseguimento do presente recurso: a falta de suscitação prévia e adequada da norma cuja inconstitucionalidade se alega (artigo 12°, n.º 2, da LTC).

O recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade da seguinte norma,

enunciada nestes exatos termos:

«i) A inconstitucionalidade da norma relativa ao conceito de contradição entre arestos, objeto do Acórdão de 12 de Setembro de 2019, quando interpreta a norma processual relativa ao referido conceito como exigindo como subrequisito a oposição com reflexos na decisão tomada, permitindo-se que o Supremo Tribunal de justiça considere que se trata de uma oposição sem reflexos no sentido da decisão tomada se a ausência de tais reflexos resultar de entendimento e decisão do tribunal recorrido ainda não transitada.»

Sendo a decisão recorrida o acórdão do STJ de 12 de setembro de 2019, que não admitiu o recurso de revista excecional, era até ao momento em que essa decisão foi proferida que o recorrente deveria ter suscitado a questão da constitucionalidade que posteriormente veio a enunciar no requerimento de interposição de recurso.

Porém, o próprio recorrente admite que não o fez, argumentando, com vista à dispensa do ónus da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade, que «nunca poderia razoavelmente contar com uma aplicação das referidas normas, por parte do Tribunal “a quo” no sentido interpretativo supra descrito, por se tratar de entendimento que não tinha suporte em entendimento anterior do STJ (...)».

É certo que este Tribunal tem admitido exceções à exigência geral de suscitação prévia da questão de constitucionalidade nos casos em que o tribunal a quo profira uma decisão de tal modo imprevisível e inesperada que torne desrazoável impõe-se ao recorrente a antecipação da mesma (Acórdãos n.ºs 61/92, 569/95, 79/2002, 120/2002, 182/2010 e 606/2019). Porém, para assim se concluir, é necessário que a concreta aplicação de norma ou interpretação normativa se apresente objetivamente como imprevisível e inesperada. Dito de outra forma: a mera surpresa subjetiva não é fundamento suficiente para se poder ter por dispensado o recorrente deste ónus (v. por exemplo, os Acórdãos n.ºs 261/2002, 115/2005, 14/2006,148/2008 e 606/2019).

No caso dos autos, o recorrente alega que foi surpreendido com o entendimento adotado quanto ao conceito de contradição entre arestos. Sucede que, como muito claramente se afirma no próprio acórdão, o conceito de contradição nele adotado, corresponde a jurisprudência corrente do STJ, o que demonstra que o acórdão em crise não tem um conteúdo objetivamente inesperado com o qual o recorrente não pudesse contar.

A seguinte passagem do acórdão é esclarecedora a este respeito:

«8. O conceito de contradição não deixa de levantar algumas dúvidas.

Não é, todavia, novo na nossa lei processual e consequentemente na jurisprudência deste Tribunal, quer a propósito dos recursos em geral, quer da admissibilidade dos agravos continuados, quer dos recursos de uniformização de jurisprudência, quer agora a propósito da admissibilidade da revista excecional.

Tem-se fixado, justificadamente, a jurisprudência — a propósito de um ou outro dos recursos, mas sem que existam razões para diferenciar — em conceito que não se compadece com a simples divergência ou falta de sintonia entre os arestos em confronto.

Exige-se antes que tenha lugar:

Identidade da questão de direito sobre que incidiram os acórdãos em confronto, a qual que tem pressuposta a identidade do respetivo núcleo factual;

Oposição emergente de decisões expressas e não apenas implícitas;

Oposição com reflexos no sentido da decisão tomada.

Com variantes terminológicas de pouco ou nenhum relevo, podem ver-se neste sentido, em www.dgsi.pt, e muito exemplificativamente, os Acórdãos deste Tribunal de 10.1.2013, processo n.º 2363/09.5TBPRD.P1-A, 2.10.2014, processo n.º 268/03.0TBVPA.P2.S1-A e de 11.11.2014, processo n.º 542/14.0YLSB.L1.S1.

Assim como se podem ver os muitos sumários de acórdãos desta Formação na página deste Tribunal (em jurisprudência/revista excecional).»

Correspondendo a interpretação que veio a ser adotada no acórdão recorrido a jurisprudência anteriormente adotada pelo STJ, é evidente que o recorrente estava em condições de suscitar, perante o tribunal a quo, a presente questão de constitucionalidade. Como o Tribunal tem reiteradamente salientado, recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas suscetíveis de virem a ser aplicadas na decisão, devendo as mesmas adotar um dever de litigância diligente e de prudência técnica, ponderando a estratégia processual que melhor salvaguardará os seus direitos e interesses.

Inexiste, por isso, fundamento para que se considere o recorrente dispensado do ónus de suscitação prévia da inconstitucionalidade, faltando-lhe, por isso, em qualquer caso, a legitimidade para a interposição do presente recurso (cf. artigos 70. °, n.º 1, alínea b), e 72. °, n.º 2 da LTC).

A não verificação deste requisito do recurso de constitucionalidade — suscitação prévia da questão de constitucionalidade — é bastante para obstar ao conhecimento do objeto do recurso. 

9. Uma última referência apenas para dizer que ainda que assim não fosse — isto é, que no caso dos autos se admitisse uma exceção à regra da suscitação prévia perante o Tribunal que proferiu a decisão - sempre seria de concluir pelo não conhecimento. Com efeito, não existe correspondência entre a interpretação normativa questionada e a ratio decidendi acolhida pelo tribunal a quo. Não vislumbramos em que segmento da decisão do STJ se assumiu ou entendeu que «a ausência de reflexos da oposição no sentido da decisão tomada resultou de entendimento e decisão do tribunal recorrido ainda não transitada».

10. Apreciemos agora o recurso de constitucionalidade interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

O recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade das seguintes normas, enunciadas nestes exatos termos:

«ii) A inconstitucionalidade da norma do número 3 do artigo 671° do CPC, objeto do Acórdão da Relação de Lisboa, que se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT