Acórdão nº 2721/18.2T9SXL.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO FERREIRA
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

  1. RELATÓRIO.

    No âmbito do processo supra identificado que corre termos no Juízo de Instrução Criminal do Seixal, do Tribunal da Comarca de Lisboa, veio a Assistente AA, interpor recurso da decisão judicial proferida em 13 de Setembro de 2019 que lhe não admitiu o seu requerimento de abertura da Instrução.

    Na motivação que juntou a fls. 393 a 405 dos autos formula as conclusões que se transcrevem:

    1. A Recorrente pretende a censura da decisão de não admitir a abertura de instrução requerida pela Recorrente, proferida pelo Tribunal a quo por despacho de fls ... , datado de 13.09.2019. O despacho recorrido configura uma manifesta contradição com o anterior despacho de fls ... , datado de 17.07.2019, em que o JIC determinou a abertura de instrução.

    2. Ao ter sido admitida a abertura de instrução, ficou imediatamente esgotado o poder do juiz quanto à matéria em causa, nos termos do art.º 613 n.º 1 e 3 do CPC, ex vi art.e 4 do CPP. Pelo que, deverá se concluir que o douto despacho (sindicado) proferido não é legalmente admissível e deverá ser tido como juridicamente inexistente, atendendo que C) De igual modo, andou mal o Tribunal a quo ao determinar a inadmissibilidade legal da instrução, com fundamento na inexistência de objecto, por considerar que a Recorrente descuida dos aspectos da narrativa objetiva e subjetiva acusatória que pretende imputar a cada uma das arguidas D) No seu requerimento de abertura de instrução, a Recorrente cumpriu com todos os requisitos legais previstos no n.º 2 do art.º 287º do CPP. Isto é, relatou os factos objectivos e subjectivos que imputa às arguidas a aplicação de uma sanção penal, indicando as disposições legais aplicáveis e as razões de discordância relativamente à não acusação e relatou os motivos pelos quais não concorda com o despacho de arquivamento.

    3. A inadmissibilidade legal da instrução está prevista para as situações em que INEXISTE OBJECTO, conforme é referido no próprio despacho que se recorre. Ou seja, quando existe uma total omissão ou não contenha uma descrição minimamente inteligível quantos aos factos praticados que possam integrar os seus elementos objectivos e subjectivos, o que não acontece, in casu.

    4. Mais, ainda que o Tribunal considerasse existir uma insuficiência de factos no Requerimento de Abertura de Instrução - o que não se aceita - não existia qualquer impedimento legal para o convite ao aperfeiçoamento, como é entendimento da jurisprudência (veja-se Ac. TR Évora, datado de 24.10.2017, Proc. n.º 1383/16.6T9BJA.E1). Não o tendo feito (por considerar estarem preenchidos todos os pressupostos para a sua admissibilidade), não pode vir agora, rejeitá-Io, com fundamento na inexistência de objecto.

    5. Por fim, também errou o Tribunal ao ter decidido pela inadmissibilidade legal da instrução, com fundamento que a abertura desta fase processual não tem como finalidade descobrir eventuais agentes do crime.

    6. A admissibilidade da abertura da instrução não tem de ser requerida contra pessoas que tenham sido constituídas como arguidas no processo de inquérito, razão pela qual, nos termos do n.º 1 do art.º 37º do CPP, assume a qualidade de arguido aquele contra quem for requerida a instrução.

    7. A "única" exigência é que exista uma relação com o objecto de inquérito e o conteúdo da investigação, relativamente à pessoa contra quem foi ouvida no inquérito como testemunha e que agora é requerida a abertura de instrução (veja-se Ac. TR do Porto, datado de 14.09.2016, Proc. n.º 5365/06.8TAVNG.P1).

    8. Nos presentes autos, apesar de a participação criminal ter sido deduzida contra a residência sénior "O Lírio", as arguidas foram objetivamente investigadas em sede de inquérito e foram realizadas várias diligências probatórias, com vista ao apuramento da sua responsabilidade criminal pela morte da Ofendida, por violação do dever de vigilância a que estavam adstritas. Nesse sentido, conclui-se que a instrução pode ser requerida contra as funcionárias do lar "O Lírio".

    9. Atento o supra exposto, o despacho recorrido deverá ser considerado legalmente inadmissível e juridicamente inexistente, atendendo que o poder jurisdicional do juiz ficou imediatamente esgotado com o despacho em que admitiu a abertura de instrução.

    10. Ainda que assim não se considere - o que não se pode aceitar -, sempre se terá de concluir que o requerimento de abertura de instrução cumpre todos os requisitos legais exigidos para a sua admissibilidade.

    Nestes termos e nos melhores de Direito, requer- se a V. Exa se digne a dar provimento ao recurso interposto, revogando o despacho recorrido e, ordenando o prosseguimento da instrução.

    ** Na resposta ao recurso o Mº.Pº. a fls. 419 dos autos, conclui pela rejeição do recurso, assim concluindo: (transcreve-se) 1- Por despacho datado de 12 de setembro de 2019, veio o Meritíssimo Juiz de Instrução proceder à reparação do despacho de 12 de julho de 2019 proferido pela Meritíssima Juiz de Instrução, dando sem efeito a decisão anterior e não admitindo o requerimento de abertura de instrução formulado pela assistente/recorrente.

    2- Deste último despacho veio a assistente recorrer alegando ser o mesmo inadmissível porquanto o poder jurisdicional do Meritíssimo Juiz de Instrução, quanto a esta questão em particular, já se encontrava esgotado, sendo o mesmo, em seu entender, juridicamente inexistente.

    3- Em causa nos autos está o despacho proferido pela Meritíssima Juiz de Instrução que admitiu o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente/recorrente e declarou aberta a instrução, sendo o seguinte o teor de tal despacho: Sendo o requerimento tempestivo, tendo a requerente legitimidade e mostrando-se paga a taxa de justiça correspondente, declaro aberta a instrução requerida pela assistente (. . .).

    4- Cabe, pois, aqui analisar se a decisão judicial que admite o requerimento de abertura de instrução adquire força de caso julgado formal, impedindo por isso que o tribunal conheça posteriormente da sua admissibilidade.

    5- A lei distingue entre o caso julgado material e o caso julgado formal, conforme a sua eficácia se estenda ou não a processos diversos daqueles em que foram proferidos os despachos.

    6- Em nosso entender, o despacho de admissão do requerimento de abertura de instrução, nos termos em que se encontra formulado, e à semelhança do despacho previsto no art°311 do CPP ou do despacho previsto no art°63 do Regime Geral das Contraordenações, é meramente tabelar, porquanto foi proferido em termos genéricos quanto à tempestividade e legitimidade da assistente.

    7- Com efeito, o despacho que aprecia, não rejeita e que declara aberta a instrução, designando os termos subsequentes do processo deverá, em nosso entender, ser equiparado ao despacho de saneamento do processo proferido ao abrigo do art°311 do CPP.

    8- Entende-se valer aqui a fundamentação exarada nos acórdãos n02/95 e 5/2019 e que fixaram jurisprudência quanto à questão de saber se o despacho sobre a legitimidade do Ministério Público proferido em termos genéricos ao abrigo do disposto no artº311 nº1 do CPP constituía caso julgado, ou se o despacho genérico de admissão de impugnação de decisão da autoridade administrativa proferido ao abrigo do disposto no art°63 nºl do Regime Geral das Contraordenações, adquiria força de caso julgado formal.

    9- Em ambos os acórdãos foi fixada jurisprudência no sentido de que tais despachos não adquiriam força de caso julgado formal, não impedindo, pois, que o tribunal posteriormente se pronunciasse sobre essas mesmas questões.

    10- A fundamentação exarada em ambos os acórdãos colhe aplicação no presente caso, porquanto também o despacho proferido nestes autos pela Meritíssima Juiz de Instrução através do qual admitiu o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente, limitou-se a apreciar de forma genérica a questão da tempestividade e da legitimidade.

    11- Não adquirindo esse despacho força de caso julgado formal, e não tendo o mesmo se pronunciado quanto à admissibilidade da instrução, o poder jurisdicional do Meritíssimo Juiz de Instrução não se encontrava, pois, esgotado quanto ao conhecimento de tal questão, não lhe estando, por isso, vedada a possibilidade deposteriormente declarar a sua inadmissibilidade por entender que o requerimento apresentado pela assistente não obedecia aos requisitos previstos no artº287 nº2 do CPP.

    12- Aliás, é o próprio artº308 nº3 do CPP que prevê que no despacho de pronúncia ou de não pronúncia, o juiz começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer, parecendo daqui resultar que o decidido pelo tribunal em termos genéricos não o impede de, posteriormente, se pronunciar expressamente sobre essas mesmas questões.

    13- O facto de no despacho inicial sobre o pedido de abertura de instrução se afirmar que não há causas de rejeição do respectivo requerimento não é obstáculo a que, no final da instrução, se profira decisão a julgar improcedente esse requerimento, com o fundamento de que não descreve os factos integradores do crime pelo qual se pretende a pronúncia do arguido (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/1 0/20 1 O, disponível em ww\v.dgsi.pt).

    14- Assim, quanto à questão do esgotamento do poder jurisdicional e da impossibilidade de o Meritíssimo Juiz de Instrução conhecer posteriormente de questões que não foram alvo de apreciação expressa no primeiro despacho, entendemos não assistir razão à recorrente.

    15 - Quanto à eventual questão sobre o momento em que a decisão agora alvo de recurso foi proferida, cabe antes de mais aqui dizer que o despacho agora alvo de recurso foi proferido ainda antes do trânsito em julgado do despacho proferido pela Meritíssima Juiz de...

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