Acórdão nº 00350/11.0BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 31 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução31 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO D.C.S.

, com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 19.06.2014, proferida no âmbito da Ação Administrativa Comum por si intentada contra a COMPANHIA (...), S.A.

e o MUNICÍPIO DE (...), também com os sinais dos autos, que julgou a presente ação totalmente improcedente.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) Considerando que: 1ª- A resposta dada à matéria de facto relativa aos quesitos 11º, 16º, 34º, 37º e 50º da Base Instrutória, em que os dois primeiros foram dados como não provados e os três últimos, respetivamente, deram origem aos factos provados das alíneas E"), G") e M”), não é consentânea com a prova produzida; 2ª- Relativamente ao quesito 34º, em função da prova produzida, nomeadamente do depoimento das testemunhas J.A.A.R.

e A.D.M.

, bem como da resposta (contraditória com a resposta dada ao quesito 34º) dada ao quesito 35º, bem como em função da inexistência de prova produzida que pudesse confirmar a especificação feita pelo tribunal recorrido o mesmo deveria ter sido dado como Provado sem qualquer tipo de especificação; 3ª- Quanto ao quesito 37º, se atentarmos na resposta produzida pelo próprio Município de (...) ao despacho datado de 27.09.2012, nomeadamente se atentarmos ao esboço nele desenvolvido pelo Município que traduz a configuração da ponte em causa nos presentes autos à data do acidente [que no referido esboço foi definida como "situação anterior") e à data atual, bem como se tivermos em consideração as fotografias juntas pelo Autor aos Autos (as quais foram juntas na primeira sessão da audiência de discussão e julgamento, por correspondência ao requerimento probatório do Autor enviado em 21.02.2012), fotografias essas que igualmente retratam a referida ponte antes da intervenção de modificação da estrutura da mesma e depois dessa intervenção, bem como se considerarmos a inexistência de prova produzida que pudesse confirmar a especificação feita pelo tribunal recorrido, então tal quesito também deveria ter sido dado como Provado sem qualquer tipo de especificação; 4ª - No que toca ao quesito 50º, em função da prova produzida, nomeadamente do depoimento das testemunhas J.A.A.R.

e A.D.M.

, bem como da resposta (contraditória com a resposta dada ao quesito 50º) dada ao quesito 35º, bem como em função da inexistência de prova produzida que pudesse atestar o que aí vem quesitado, 0 mesmo deveria ter sido dado como Não Provado; 5ª - No que aos quesitos 11º e 16º tange, considerando o depoimento das testemunhas A.C.B.S., N.S, A.D.M. e M.S.N.R.

, que, de uma forma unânime, coerente e credível, testemunharam que o Autor após o acidente passou a revelar uma atividade mais sedentária, tendo inclusivamente dificuldades em manter-se muito tempo sentado (a este respeito destaca-se o depoimento da testemunha N.S que foi absolutamente positivo e concludente) e que deixou de fazer o seu jogging diário (atente-se a este respeito, com especial atenção, ao depoimento dos vizinhos do Autor A.D.M. e M.S.N.R.

), mas principalmente, tendo em conta a matéria constante das alíneas H), J), L) e M) dos factos dados como provados, deveria o Tribunal recorrido, mediante o recurso às chamadas regras da experiência e ao Instituto das Presunções Judiciais, ter dado, ao quesito 11º, a resposta de Provado e, ao quesito 16º, deveria ter sido respondido da seguinte forma, até em face da resposta dada ao quesito 15º que se aceita face à prova produzida: Provado apenas que o Autor, mercê do acidente, foi obrigado a deixar de fazer jogging; 6ª - Um facto é ilícito quando o ato/omissão se traduz numa negação dos valores tutelados pela ordem jurídica e que adveio da violação de direitos de outrem e/ou de disposições legais emitidas com vista à proteção de interesses alheios, bem como quando tal violação resulte daquilo a que a lei apelida de funcionamento anormal do serviço; 7ª - Não se afigura questionável a existência por parte do Município de (...) dum dever geral de diligência e cuidado na conservação das pontes pedonais que estão à sua responsabilidade para a utilização normal e sem perigo dos cidadãos que ali se deslocam, sendo que as referidas pontes pedonais constituem espaços públicos e de serviço público abertos à circulação e uso por parte dos cidadãos que a elas recorrem, o que exige ou reclama a implementação de especiais deveres, por parte dos órgãos ou funcionários responsáveis pelo seu estabelecimento e manutenção, quanto à segurança das mesmas na exata medida das expectativas dos cidadãos que as utilizam, com a sólida convicção de não serem surpreendidos por acidentes ocorridos no seu seio e que escapam, de todo, pelo seu caráter insólito, a um critério de previsibilidade razoável; 8ª - Presente o acervo factual das alíneas B), C), D), E"), F") e G”) dos factos dados como provados e, bem assim, o enunciado em termos do dever geral de diligência e cuidado na conservação das instalações sob alçada do Réu Município de (...), com vista ao assegurar duma utilização normal e sem perigo dos cidadãos utilizadores das pontes pedonais, temos que foram omitidos pelo Réu Município os devidos cuidados quanto ao estado de aderência em que se encontrava, sempre que chovia, o piso das pontes pedonais pelo que, outra solução não teremos que não seja a de se concluir pela verificação do requisito da ilicitude, dado que o Réu Município, através dos seus órgãos, funcionários ou agentes, não cumpriu, cabalmente, as tarefas que lhe competiam em matéria dos cuidados na construção e vigilância das pontes pedonais com vista a garantir a segurança das pessoas que nas mesmas circulavam, pelo que se tem de ter como ilícita a sua conduta; 9ª - Em (...), sobretudo no outono e inverno, existe uma forte pluviosidade, pelo que, encontrando-se a ponte em causa ao ar livre e sujeita aos fatores externos, não nos podemos conformar com “padrões médios de resultado" que impliquem a ocorrência de quedas quando tais fatores se conjugam, pelo que seria razoável “exigir ao serviço uma atuação suscetível de evitar (ou pelo menos minorar) os danos produzidos", não se podendo limitar tal atuação à ocorrência de "arranjos pontuais às pontes que ligam as margens da ria de (...) na mesma cidade" (resposta ao quesito 53)º; relembrando-se, porque importante e significativo se torna, que, menos de um mês decorrido da queda que vitimou o Autor, mais concretamente entre 9 e 29 de outubro de 2008, o Município de (...) introduziu substanciais e relevantes alterações na dita ponte, passando a mesma a ter degraus em toda a sua extensão, sendo que essas alterações, anulando os efeitos derivados da inclinação da ponte, fizeram com que a mesma se tornasse muito mais adequada ao trânsito pedonal, eliminando, ou pelo menos diminuindo consideravelmente, o risco de quedas de correntes de "derrapagens" verificadas, então está demonstrado à evidência que era possível e exigível uma atuação anterior suscetível de evitar os danos produzidos, o que, por si só, determina que se conclua pela existência do funcionamento anormal do serviço referido no art. 72, n2. 4 da Lei 67/2007, de 31 de dezembro; 10ª - Concluindo-se (como se tem forçosamente de concluir) pelo funcionamento anormal do serviço, então, por força do disposto no art. 92, n9. 2 da referida Lei 67/2007, de 31 de dezembro, também se terá de concluir pela verificação "in casu” do requisito da ilicitude, contrariamente ao referido na sentença proferida e ora em reapreciação; 11ª - Também o requisito da culpa se encontra verificado, dado que, pelo menos, o Réu Município terá agido com negligência ao, pelo menos à data do acidente ora em análise, não haver tomado e implementado as medidas e procedimentos adequados a evitar a perigosidade que o piso escorregadio das suas pontes pedonais representava nomeadamente para os seus cidadãos, nem tão pouco em sinalizar tal risco; 12º - Decidindo nos termos da douta sentença ora em recurso, o Tribunal "A Quo" violou o disposto nos arts. 607º, nº. 4 do C.P.C., violou o disposto nos arts. 7º e 9º da Lei 67/2007, bem como violou o disposto nos arts. 483º e seguintes do C.C., dos quais fez uma incorreta interpretação e aplicação ao caso concreto (…)”.

*Notificados que foram para o efeito, os Recorridos não formularam contra-alegações.

*O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão deste recurso jurisdicional, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

*O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu o parecer a que alude o nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.

*Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

* *II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, as questões suscitadas pelo Recorrente resumem-se a saber se (i) deve ser alterada a matéria de facto fixada, bem como (ii) determinar se decisão judicial recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, por afronta do disposto nos artigos 7º e 9º da Lei nº. 67/2007, de 31.12, e no artigo 483º do Código Civil.

Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.

* *III – FUNDAMENTAÇÃO III.1 – DE FACTO Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos: (…) A) O Município de (...), mediante acordo de seguro titulado pela Apólice n° 30.028.470/9301, transferiu para a Companhia (...), SA, a responsabilidade por danos patrimoniais diretos decorrentes de lesões...

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