Acórdão nº 100/17.8T8VRM.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução30 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório J. T.

e mulher M. G.

instauraram, em 5-07-2017, ação declarativa sob a forma de processo comum contra B. C.

, e contra D. L.

, todos melhor identificados nos autos, pedindo se reconheça aos autores o direito de preferência na compra por € 891,59 do prédio rústico identificado no artigo 1.º e 20, al. a) da petição inicial; declarada a substituição na aquisição do referido imóvel dos seus compradores pelos autores, efetuado que seja o depósito do preço no prazo legal e se condene a 2.ª ré a entregar o prédio rústico, identificado no artigo 1.º e 20.º da petição, aos autores, ordenando o cancelamento do registo efectuado, com a descrição 734 na respectiva Conservatória do Registo Predial ... com base na escritura de compra e venda referida no artigo 20.º da petição inicial.

Alegam, para o efeito, em síntese, que são arrendatários do prédio rústico denominado “Cortinha ...”, identificado no artigo 1.º e 20.º da petição, por contrato de arrendamento celebrado há cerca de 15 anos por M. J., com início a 1 de Janeiro de 2003; na altura, a proprietária do terreno, alegou que mais tarde reduziriam o contrato a escrito; desde aquela data passaram a fazer a exploração agrícola do referido prédio, colhendo seus proventos, utilidades e produções e também para pasto de algumas ovelhas, mediante o pagamento de uma renda anual de € 50,00, na casa da senhoria; o referido prédio rústico foi vendido pela 1.ª ré à 2.ª ré por escritura pública de compra e venda, lavrada no dia 21-12-2016 com o valor patrimonial tributário de € 22,76 e o atribuído de €500,00 em conjunto com o prédio urbano composto de casa de rés-do-chão e andar, para habitação, com o valor patrimonial tributário de € 3.520,00 e o atribuído de €13.500,00, totalizando o preço global de € 14.000,00; contudo, a 1.ª ré e a anterior proprietária M. J., sabia e reconhecia os autores como arrendatários do prédio rústico “Cortinha ...” e, consequentemente, que tinham preferência na respetiva compra; concluem que a 1.ª ré não cumpriu a obrigação de comunicação da venda, do preço e das suas cláusulas essenciais, tendo os autores tomado conhecimento dos elementos essenciais do negócio, designadamente do nome dos compradores, do preço e das condições de pagamento, em 23-01-2017 quando se deslocaram ao Cartório Notarial ....

Ambas as rés contestaram, alegando, em síntese, que não estão reunidas as condições para o direito de preferência uma vez que os autores nunca foram arrendatários do referido prédio rústico e os prédios objeto da venda à 2.ª ré formam um conjunto predial, constituindo uma exploração agrícola de tipo familiar, pelo que não lhes assiste qualquer direito de preferência na venda do conjunto predial. A 1.ª ré sustentou ainda ser falso que tenha sido celebrado qualquer contrato de arrendamento entre os autores e a sua irmã M. J., que tenham pago qualquer quantia em dinheiro a esta e a tenham interpelado para reduzir qualquer contrato a escrito, posto que os prédios que foram vendidos nunca pertenceram à falecida M. J., sua irmã, nem nunca esta agiu como possuidora ou proprietária dos mesmos, nunca os tendo usado, cuidado ou vigiado; foram os autores que, de forma abusiva, colocaram animais bovinos no referido prédio, há cerca de 10 anos, facto do qual teve conhecimento através de uma sua irmã; dado que não precisava do prédio em causa a ré, por mero favor, tolerou a permanência dos autores no seu prédio, uma vez que as ovelhas o mantinham limpo; mais tarde, os autores passaram a cultivar no prédio produtos hortícolas e cortaram mesmo um castanheiro de grande porte; quando a ré decidiu vender os prédios em causa, comunicou ao autor marido que pretendia que desocupasse o prédio, os que os autores não acataram, apesar de que sempre souberam que a 1.ª ré era a verdadeira proprietária dos prédios; os prédios objeto da venda formam um conjunto predial e sempre a 1.ª ré quis alienar ambos os prédios em conjunto, opondo-se a que o eventual direito de preferência seja exercido em relação apenas ao prédio rústico, pelo preço que lhe foi atribuído. A 2.ª ré acrescentou que a aquisição dos dois prédios como um só, pelo preço global de €14.000,00 foi condição determinante para a realização do negócio entre as rés, já que só lhe interessava o prédio urbano com a extensão rural, do mesmo modo que a “Cortinha ...” só lhe interessava e interessa se ficar afecto ao prédio urbano.

Os autos prosseguiram com a realização da audiência prévia, no decurso da qual foi proferido o despacho saneador, tendo sido fixado o valor da causa em €5.000,01, delimitado o objeto do litígio, selecionados os temas da prova e admitidos os meios de prova.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença a julgar a ação improcedente, decidindo o seguinte: «Pelo exposto, e decidindo: 1) Julgo totalmente improcedente, por não provada, a presente acção intentada por J. T. e M. G. contra B. C. e D. L. e, em consequência, absolvo as rés dos pedidos formulados.

2) Custas pelos autores sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido – art. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC e 6.º, n.º1 do RCP, por referência à Tabela I-A anexa.

3) Condeno os autores, J. T. e M. G. como litigantes de má-fé, numa multa de 8 (oito) unidades de conta, a favor do Tribunal.

4) Custas do incidente de litigância de má fé, no valor de 2 (duas) UC a cargo dos autores – art. 527.º, n.º s 1 e 2 do NCPC e artigo 7.º, n.º 3 do RCP e Tabela II anexa.

5) Registe e notifique».

Inconformados, vieram os autores interpor recurso da sentença, na parte em que se decidiu condenar os autores como litigantes de má-fé, numa multa de 8 unidades de conta a favor do Tribunal, pugnando no sentido da revogação da decisão e sua substituição por outra que absolva os recorrentes do pedido de condenação como litigantes de má-fé; quando assim se não entenda e sem prescindir, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que altere, em conformidade, os valores em que os recorrentes foram condenados. Terminam as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «I. Não existe qualquer fundamento para que os AA/Recorrentes sejam condenados como litigantes de má-fé com base numa alegada violação das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 542º do CPC.

  1. Alegaram factos e deduziram pretensão cuja veracidade tinham como certa, não obstante, não lograram produzir prova adequada a convencer a Mma Juiz a quo, da sua qualidade de arrendatários e no direito de preferência na venda do prédio Cortinha ....

  2. A não prova de um facto não corresponde à prova do contrário. A litigância de má-fé, é dedução pela parte de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, mas já não dedução de pretensão ou oposição cujo fundamento a parte não conseguiu provar. Por outro lado, para a tipificação da litigância de má-fé, exige-se o dolo ou negligência grave. Ora, dos autos não resulta evidente que os RR/Recorrentes, ao alegarem que tinham efetuado contrato de arrendamento do prédio ou quem seria o proprietário, quiseram alegar um facto que sabiam falso e que não tinham fundamento. Dos autos resulta tão só que não conseguiram provar tal facto. Facto não provado equivale a facto não alegado e nunca que se tenha provado o contrário. A resposta negativa a um quesito revela apenas que o facto quesitado se não provou e não que se tenha demonstrado o contrário; é como se o facto não tivesse sido articulado (Ac. STJ, de 28.05.1968 in BMJ, 177°-260).

  3. Resulta de vários depoimentos das testemunhas, que a D. M. J., irmã da 1ª Ré, é quem se ocupava dos terrenos da Casa ..., nomeadamente o prédio denominado Cortinha ....

  4. A invocação do contrato arrendamento rural, surgiu naturalmente anos depois, no âmbito da presente ação despoletada com a venda do terreno, e não criando qualquer aparência, falsidades ou artimanhas legais para lhes permitir intentar a respetiva ação de preferência. Pois até essa data não havia surgido qualquer ato ou facto que conflituasse com a situação do usufruto/posse do terreno por parte dos recorrentes.

  5. E apenas do conhecimento pessoal dos AA/recorrentes, já que foram deles intervenientes, é que sempre contactaram com a D. M. J., irmã da 1ª Ré, relativamente ao prédio rustico Cortinha ....

  6. Vem entendendo de forma unânime a Doutrina e Jurisprudência que a simples circunstância de não ter logrado a parte produzir prova bastante não determina nem fundamenta a condenação como litigante de má fé.

  7. No Acórdão desta elação de Coimbra, de 19/12/2012 (Apelação nº 1156/10.3YIPRT.C1), escreveu-se: “A litigância de má fé deve deixar incólume o direito das partes de discutirem e interpretarem livremente os factos...

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