Acórdão nº 1322/19.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução30 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO O Ministério da Administração Interna (MAI) interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que anulou o despacho da Directora Nacional (DN) do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de 02/07/2019 - que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional formulado pelo ora Recorrido e ordenou a sua transferência para Itália - e que condenou o SEF a instruir o procedimento administrativo com informação fidedigna e actualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional em Itália.

O Recorrente formulou as seguintes conclusões de recurso: “ “Texto integral com imagem” O Recorrido nas contra- alegações formulou as seguintes conclusões: “

  1. Bem andou o tribunal a quo, ao proferir a douta decisão que foi agora recorrida, nos termos em que o fez.

  2. Efetivamente incumbia à Entidade Demandada, antes de ter tomado a decisão impugnada, instruir oficiosamente o procedimento, com informação fidedigna atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional naquele país, recorrendo a fontes credíveis e consolidadas, dada a dificuldade de prova que assiste ao autor, mas que é notória tendo em conta todas as noticias que vêm a público e que fizeram do prova do processo em apreço c) No caso em apreço, a decisão impugnada nada refere a propósito do funcionamento do procedimento de asilo italiano e das condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional nesse Estado-Membro, não se mostrando possível, através da sua leitura, aferir da existência ou não de um risco atual, direto ou indireto, de o Autor ser sujeito a tratamento desumano ou degradante, na aceção dos artigos 3.º da CEDH e 4.º da CDFUE d) Verifica-se por isso que há indícios que permitem concluir pela probabilidade séria de o Autor, ao ser transferido para aquele Estado, correr um risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4. da CDFUE, e) Verifica-se que o ato impugnado – incorre em deficit de instrução quanto aos factos essenciais à decisão de transferência e, por conseguinte, à decisão de (in)admissibilidade do pedido de protecção” O DMMP não apresentou pronúncia.

II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – OS FACTOS Na decisão recorrida foi dada por assente, por provada, a seguinte factualidade, que não vem impugnada em recurso: A) – Em 15.05.2017, o Autor requereu protecção internacional em Itália, tendo sido as suas impressões digitais registadas, na base de dados do Sistema Eurodac, sob a referência IT..................... – Cfr. fls. 10 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; B) – Em 03.06.2019, o Autor requereu protecção internacional, junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em Lisboa, data em que foram registadas as suas impressões digitais, na base de dados do Sistema Eurodac, sob a referência PT.............. – Cfr. fls. 9 e 22 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; C) – Em 12.06.2019, os serviços do Gabinete de Asilo e Refugiados enviaram, às autoridades italianas, um pedido de retoma a cargo do Autor, invocando o artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento (UE) 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, e a ocorrência registada, na base de dados do Sistema Eurodac, sob a referência IT............. – Cfr. fls. 28-32 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; D) – Em 01.07.2019, o Autor prestou declarações, junto do Gabinete de Asilo e Refugiados, em Lisboa, tendo sido lavrado o instrumento intitulado “Entrevista/Transcrição”, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte: “Texto integral com imagem” “Texto integral com imagem” II.2 - O DIREITO As questões a decidir neste processo são: - aferir do erro decisório por, no caso, se aplicar o procedimento especial que vem regulado nos art.ºs 36.º e ss. da Lei n.º 27/2008, de 30-06, 4.º, 5.º, 18.º e 23.º do Reg. (EU) n.º 604/2013, de 26-07, relativo à determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional, que culminou com a decisão de inadmissibilidade do pedido, exigida nos termos dos art.ºs 19.º-A, n.º 1, e 37.º, n.º 2, da citada Lei e não se aplicar o procedimento comum que vem previsto naquela Lei, nomeadamente a obrigação de elaboração do relatório indicado no art.º 17.º ou a obrigação de abrir um momento autónomo de audiência prévia ou de participação procedimental; - aferir do erro de julgamento por não se exigir ao SEF que verifique das condições do funcionamento do procedimento de asilo italiano e das condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional em Itália, quando o A. e Recorrido não concretizou as suas alegações procedimentais dizendo em que medida foi sujeito a uma situação de falha ou tratamento desumano durante a sua permanência em solo italiano.

Dos factos provados, não impugnados neste recurso, decorre que o A. e Recorrido formulou em 03/06/2019, junto dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), um pedido de protecção internacional.

Iniciada a instrução desse procedimento, verificou-se, que o A. e Recorrido entrou no espaço Schengen pela fronteira externa da Itália, onde pediu asilo.

Solicitada a retoma a cargo a Itália, este Estado-Membro nada respondeu no prazo legal, de 2 semanas, prazo aplicável por se ter recorrido a dados obtidos através do sistema Eurodac – cf. art.º 25.º, n.º 1, do Reg. (EU) n.º 604/2013, de 26-06.

Em 01/07/2019 foi realizada uma entrevista com o A. e Recorrido, em língua que entendia, na qual se explicou que o pedido de protecção internacional seria analisado pelo país de entrada no espaço Schengen, tendo o A. e Recorrido argumentado, a final da entrevista, que não queria ser transferido para a Alemanha, nem para Itália, relativamente a Itália “porque no campo onde estávamos havia luta todos os dias, não havia assistência médica” e relativamente à Alemanha “porque rejeitaram o meu pedido de asilo e da minha família, tentaram-nos levar à força do apartamento”.

Em suma, atendendo à factualidade trazida a litígio resulta que a decisão impugnada, da DN do SEF, ora impugnada, que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional formulado pelo ora Recorrido, foi tomada no âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional, que vem regulado nos art.ºs 3.º, 5.º, 22.º, n.ºs 1 e 7 do Reg. n.º 604/2013, de 26-06 e 37.º a 39.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06.

Nos termos dos citados preceitos, se a responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional couber a outro Estado-Membro, o SEF deve suspender o procedimento comum destinado à concessão da protecção internacional que tenha sido requerida em Portugal e deve dar início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável – cf. arts.º 3.º, n.º 1, 20.º, n.º 1, 23.º, n.º 1, 25.º, n.ºs 1, 2 do Reg. n.º 604/2013, de 26-06, 36.º, 37.º e 39.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06.

Para o efeito, o SEF deve solicitar a esse Estado a retoma a cargo do requerente de protecção, abstendo-se de mais diligências no procedimento comum para a apreciação do pedido de protecção internacional – cf. art.º 37.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30-06.

Caso as autoridades do Estado-Membro requerido aceitem a retoma a cargo, ou nada respondam no prazo legal – de 1 mês ou de 2 semanas, caso se baseie em dados obtidos através de um sistema Eurodac - o Director do SEF deve considerar inadmissível o pedido de protecção internacional formulado, nos termos dos art.ºs 19.º, n.º 1, al. a) e 19.º-A e 20.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06, determinando a transferência do requerente para o Estado-Membro responsável pela respectiva análise – cf. art.ºs 25.º n.º1, 2, 26.º n.º 1, do Reg. n.º 604/2013, de 26-06, 37.º, n.º 2 e 38.º, da Lei n.º 27/2008, de 30-06.

Por força do art.º 5.º do Reg. (EU) n.º 604/2013, de 26-06, no procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional é também exigida a ocorrência de uma entrevista pessoal com o requerente de protecção, que deve ser acompanhada da elaboração de um resumo escrito, que indique as principais informações que foram facultadas durante a entrevista. Este documento escrito pode ter o formato de um relatório ou formulário-tipo. A citada entrevista e o correspondente relatório devem ocorrer antes da tomada de decisão relativa à transferência. Nos termos do art.º 5.º, n.º 6, do Reg. (EU) n.º 604/2013, de 26-06, deve ainda ser assegurado ao requerente e/ou ao seu advogado ou outro conselheiro que o represente, o acesso ao indicado resumo em tempo útil.

No art.º 3.º, n.º 1, do Reg. (EU) n.º 604/2013, de 26-06, estipula-se que os pedidos de protecção devem ser analisados por um único Estado-Membro, o determinado de acordo com os critérios enunciados no Capítulo II do Reg. Mas, no n.º 2 do mesmo preceito, acrescenta-se que “caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na acepção do artigo 4.°da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue à análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável".

Por seu turno, no art.º 17.º daquele mesmo Regulamento, sob a epígrafe “Cláusulas Discricionárias”, permite-se a derrogação do estabelecido no art.º 3.º, n.º 1, permitindo a “cada Estado-Membro (…) decidir analisar um pedido de...

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