Acórdão nº 48/20 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução16 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 48/2020

Processo n.º 548/2019

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), da sentença daquele tribunal, de 30 de março de 2019, em que se decidiu julgar inconstitucional o artigo 20.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (adiante referido pela sigla «CIRS»), na medida em que não prevê a dedução de contribuições obrigatórias para a Ordem dos Advogados e para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores e, consequentemente, dar provimento à impugnação do ato de liquidação adicional de IRS relativo ao ano de 2005.

2. Na parte que releva para a apreciação da questão objeto de recurso, o teor da decisão recorrida é o seguinte:

«O núcleo essencial do princípio da igualdade mais não é do que o conjunto de índices expressamente previstos na Constituição como proibitivos da desigualdade.

Com efeito, “o princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da Constituição), encontra concretização “na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (...); por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos” (TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edição, pág. 261). E tal critério, como sublinha CASALTA NABAIS, encontra-se no princípio da capacidade contributiva: “Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)” (Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, pág. 155). Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva “de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto” (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 157)” - cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 590/2015, de 11.11.2015.

Assim e no que respeita à igualdade tributária, esta não constitui mais do que uma particularização, resumindo-se na exigência de que o legislador trate de modo igual o que é igual e de modo diferente o que é diferente, isto face à igualdade ou diferença das realidades a tratar e a igualdade ou diferença do tratamento que lhes é dispensado.

No caso presente e em questão, está a possibilidade de sujeitos passivos de IRS tributados em IRS, por efeito do disposto no artigo 6.º do CIRC, poderem deduzir os descontos efetuados a título de contribuições obrigatórias para a Ordem dos Advogados e para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.

Ora, apesar dos regimes de tributação se mostrarem diferentes mediante o enquadramento respeitante a cada um dos regimes, é certo que os descontos a título de contribuições obrigatórias para a Ordem dos Advogados e para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores são transversais aos profissionais de advocacia.

Com efeito, independentemente destes exercerem a sua atividade profissional, integrados em sociedade submetida ao regime de transparência fiscal ou exercerem a sua atividade como trabalhadores dependentes ou independentes, os descontos controvertidos situam-se num plano distinto dos regimes de tributação a que se encontram sujeitos.

Acresce que, a distinção na determinação dos rendimentos sujeitos a tributação faz-se por meio da diferente tributação e consideração de custos em cada um dos regimes, verificando-se a este nível já as distinções que se impõem.

Ora, concorda o Tribunal com a AT quanto ao entendimento de que os encargos suportados com quotas para a Ordem dos Advogados e com contribuição para a Caixa de Previdência dos Advogados, não configuram gastos fiscalmente dedutíveis, pois a sua utilização não se esgota na esfera dessa sociedade.

No entanto, já não se pode concordar com a diferenciação em sede de IRS entre os trabalhadores dependentes e trabalhadores independentes sujeitos a regime de contabilidade organizada e a situação aqui sob apreciação. 

Isto porque, fazendo um paralelismo com os trabalhadores dependentes, porque estes àqueles se assemelham, na medida em que ambos auferem rendimento de uma sociedade, sendo ambos tributados em sede de IRS pelos rendimentos aí obtidos, não se compreende a razão de não se prever a dedução de tais descontos relativamente a rendimentos advindos do regime de transparência fiscal.

Com efeito e atendendo às semelhanças evidentes entre os trabalhadores dependentes que em sede de IRS também são tributados, deveriam por maioria de razão, também os sujeitos passivos de imposto tributados em sede de IRS por força do disposto no artigo 20.º do IRS puderem deduzir os descontos efetuados a título de contribuições obrigatórias para a Ordem dos Advogados e para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.

Em abono da posição aqui seguida veja-se a previsão que veio a ser aditada com a Lei n.º 82-E/2014, de 31.12, prevendo efetivamente o n.º 6 do artigo 20.º do CIRS que “O disposto no n.º 2 não prejudica a possibilidade de dedução das contribuições obrigatórias para regimes de proteção social comprovadamente suportadas pelo sujeito passivo, nos casos em que este exerce a sua atividade profissional através de sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal previsto no artigo 6.º do Código do IRC, desde que as mesmas não tenham sido objeto de dedução a outro título”

Assim, considera o Tribunal que a redação do artigo 20.º do CIRS aplicável aos factos por à data em vigor, padece de inconstitucionalidade por violação do princípio de igualdade, devendo ser considerados no rendimento do ano de 2005 os descontos que o Impugnante efetuou a título de contribuições obrigatórias para a Ordem dos Advogados e para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.»

3. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, tendo produzido alegações em que pugnou pela procedência do mesmo, abreviadamente, pelas seguintes razões:

«(…)

35º

Como devidamente salientado pelo representante da Fazenda Pública (cfr. supra nº 8 das presentes alegações), no regime da transparência fiscal, os lucros da sociedade profissional de que o impugnante é sócio, apurados em sede do IRC, na própria sociedade, de acordo com o art. 6º do CIRC, são imputados aos sócios como rendimento líquido da categoria B (cfr. nº 2 do art. 20º do CIRS).

Sendo os custos, mencionados pelo impugnante, encargos do próprio impugnante, como este, aliás, reconhece, nunca poderiam ser custos da sociedade profissional, porque não é ela que os paga, quer à Segurança Social, quer à Ordem dos Advogados.

36º

Por outro lado, como os rendimentos são imputados ao sócio, como rendimento líquido, este não pode deduzir quaisquer encargos, pois não dispõe de contabilidade organizada, único caso em que lhe seria permitido deduzir custos de acordo com o art. 28º, nº 1, alínea b) do CIRS, pois nem no caso do regime simplificado, nem no caso da transparência fiscal tal é permitido, por imposição legal da própria norma (cfr. supra nº 9 das presentes alegações).

37º

Acresce que a Sociedade de Advogados de que o impugnante faz parte, encontra-se sujeita a todas as regras e obrigações de uma sociedade civil, apurando-se o seu lucro nos termos do CIRC, lucro, esse, imputável aos sócios, integrando-se na esfera de cada membro para efeitos de tributação individual (cfr. supra nº 10 das presentes alegações).

De acordo com o art. 151º do CIRS, sendo tais sociedades constituídas para o exercício de uma atividade, na qual todos os sócios são profissionais dessa atividade, o regime de tributação de transparência fiscal é obrigatório.

38º

Por outro lado, são muito diferentes as circunstâncias, designadamente de...

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