Acórdão nº 38/20 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução16 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 38/2020

Processo n.º 819/2019

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A., Ld.ª e recorrida a Massa Insolvente de B., Ld.ª, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 25 de junho de 2019.

2. Pela Decisão Sumária n.º 655/2019, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. Segundo o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º, da Constituição da República Portuguesa, e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, «identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso» (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98).

A recorrente enuncia nos seguintes termos o objeto do recurso: «ambas as normas [artigos 78.º e 364.º do Código de Processo Civil], no sentido com que foram aplicadas na 1ª instância e confirmado na 2ª, de recusar ao tribunal legalmente competente a competência para invalidar expeditamente um ato totalmente destituído de suporte legal (uma “resolução” de um negócio jurídico à revelia das condições legalmente impostas para tal) - e de atribuir tal competência a um tribunal que julga a insolvência de uma empresa terceira – violam o princípio da obediência dos tribunais à Constituição consagrado no artigo 204.º da CRP; e a primeira também viola o princípio da distribuição da competência e especialização jurisdicional do artigo 211.º da CRP».

Por outras palavras, a recorrente entende que o acórdão recorrido, ao considerar competente para a ação de impugnação da resolução efetuada pelo administrador da insolvência o tribunal onde corra termos o processo de insolvência e que o meio processual de reagir contra a apreensão de bens a favor da massa insolvente é o procedimento previsto no artigo 141.º e seguintes do CIRE, viola diretamente a lei e, consequentemente, a Constituição, consubstanciando-se num desaforamento da causa para uma jurisdição que nada tem que ver com a requerente.

Embora a recorrente aluda a uma aplicação errada e inconstitucional dos artigos 78.º, n.º 1, alínea c) e 364.º, ambos do Código de Processo Civil, o certo é que nunca chega a enunciar tais normas; na economia da sua argumentação, a decisão recorrida viola, pura e simplesmente, o disposto nesses preceitos. Ora, essa não é uma questão de constitucionalidade normativa, mas sim de eventual violação ou de errada interpretação de preceitos da lei ordinária, matéria de que não cuida o Tribunal Constitucional, no âmbito dos recursos de constitucionalidade.

Vale isto por dizer que o objeto do presente recurso carece de natureza normativa, pois esta implica que aquele diga respeito à violação da Constituição pela lei, tal como interpretada na decisão recorrida, e não à violação da Constituição pelo tribunal recorrido, como sustenta a recorrente.

5. Sublinhe-se ainda que, já alegação do recurso interposto para o Tribunal da Relação, a recorrente configurou a questão de constitucionalidade nos termos mencionados. Significa isto que, independentemente da análise a que se procedeu, assente no conteúdo do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, sempre estaria por preencher o requisito da suscitação prévia a adequada, perante o tribunal recorrido, de uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa, designadamente reportada ao artigo 18.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, como impõe o n.º 2 do artigo 72.º da LTC.

Face ao exposto, resta concluir pela impossibilidade de conhecimento do objeto do recurso, justificando-se a prolação da presente decisão sumária, segundo o previsto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.»

3. De tal decisão sumária vem agora a recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, o que fez nos seguintes termos:

«A. Lda., recorrente nos autos à margem identificados, não se conformando com a Decisão Sumária n.º 655/2019, proferida por V. Excia. no processo em epígrafe - que lhe foi notificada no passado dia 7 de outubro -, vem dela interpor

RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA

nos seguintes termos:

I. A fundamentação da decisão reclamada

1. Nos sete parágrafos relevantes da fundamentação da referida Decisão Sumária (o 8.º tem a ver com as custas) podem identificar-se 10 afirmações:

a. Que o recurso de constitucionalidade tem por objeto único “normas” (§1.º);

b. Que a recorrente enunciou assim o objeto do recurso: “ambas as normas [artigos 78.º e 364.º do Código de Processo Civil], no sentido com que foram aplicadas na 1.ª instância e confirmado na 2.ª, de recusar ao tribunal legalmente competente a competência para invalidar expeditamente um ato totalmente destituído de suporte legal (uma “resolução” de um negócio jurídico à revelia das condições legalmente impostas para tal) - e de atribuir tal competência a um tribunal que julga a insolvência de uma empresa terceira - violam o princípio da obediência dos tribunais à Constituição consagrado no artigo 204.º da CRP; e a primeira também viola o princípio da distribuição da competência e especialização jurisdicional do artigo 211.º da CRP” (§2.º);

c. Que “a recorrente entende que o acórdão recorrido, ao considerar competente para a ação de impugnação da resolução efetuada pelo administrador de insolvência o tribunal onde corra termos o processo de insolvência e que o meio processual de reagir contra a apreensão de bens a favor da massa insolvente é o procedimento previsto no artigo 141.º e seguintes do CIRE, viola diretamente a lei e, consequentemente, a Constituição, consubstanciando-se num desaforamento da causa para uma jurisdição que nada tem que ver com a requerente.” (§3.º);

d. Que a Recorrente alude “a uma aplicação errada e inconstitucional dos artigos 78.º, n.º 1, alínea c) e 364.º, ambos do Código de Processo Civil”, mas “nunca chega a enunciar tais normas; na economia da sua argumentação, a decisão recorrida viola, pura e simplesmente, o disposto nesses preceitos.” (§4.º);

e. Que essa não é “uma questão de inconstitucionalidade normativa, mas sim de eventual violação ou de errada interpretação da lei ordinária” (§4.º);

f. Que, portanto, “o objeto do presente recurso carece de natureza normativa, pois esta implica que aquele diga respeito à violação da Constituição pela lei, tal como interpretada na decisão recorrida, e não à violação da Constituição pelo tribunal recorrido, como sustenta a recorrente.” (§5.º);

g. Que já antes, “na alegação do recurso para o Tribunal da Relação, a recorrente configurou a questão de constitucionalidade nos termos mencionados.” (§6.º);

h. E que, portanto, já antes “estaria por preencher o requisito da suscitação prévia a adequada, perante o tribunal recorrido, de uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa” (§6.º);

i. E, finalmente, que tal questão de “constitucionalidade normativa” poderia ser...

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