Acórdão nº 46/20 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução16 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 46/2020

Processo n.º 1194/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é reclamante A. e reclamados B., Hospital de Magalhães Lemos, C., Hospital de São João, E.P.E. e D., foi apresentada reclamação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do despacho proferido a 16 de outubro de 2019, que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto do acórdão proferido por aquele Tribunal, datado de 09 de setembro de 2019, que não admitiu a revista interposta pelo ora reclamante.

2. O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade tem o seguinte teor:

«A., recorrente nos autos à margem referenciados, em que são recorridos,

HOSPITAL DE MAGALHÃES LEMOS e outros,

não se conformando com o Douto Acórdão, vem do mesmo interpor recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, nos termos e com os seguintes fundamentos:

O Douto Acórdão recorrido não admitiu a revista, pois considerou, o seguinte:

"3.3. O TCA Norte relativamente à primeira questão (competência material da jurisdição administrativa) entendeu não ser competente uma vez que a ré ora em causa – C. - por esta ser uma pessoa jurídica sem qualquer conexão com o direito público, com quem o autor esteve casado, e cuja atividade que lhe é imputada é a de ter influenciado os demais co-réus no procedimento que culminou com o seu internamento compulsivo. A tese seguida no acórdão era a tese uniformemente sustentada, no domínio de vigência do Dec. Lei 49.051, 21/11/67, segundo o qual a responsabilidade civil ali prevista só era aplicável ao Estado ou a Pessoas Coletivas de Direito Público, citando a propósito vários acórdãos do Tribunal de Conflitos. Como é evidente não se justifica admitir a revista para reapreciar esta questão.

3.4. Relativamente à segunda questão — ilegitimidade passiva - o TCA Norte afastou-a com o fundamento de, relativamente aqueles réus, não lhe ter sido imputada uma atividade a título de dolo, mas tão só a título de negligência. Daí que, seguindo a jurisprudência deste STA — que citou - considerou os réus partes ilegítimas. Neste recurso o autor não nega que apenas tenha imputado a estes réus (B. e D.) uma atuação negligente. O que diz é que, nos termos do art. 2º, n" 1 do Dec. Lei 48051, existe responsabilidade petos atos ilícitos e culposos, E, portanto, esses réus deverão ser tidos como partes legitimas.

Também neste caso, o TCA Norte decidiu de acordo com a Jurisprudência deste STA, designadamente, o acórdão do Pleno da 1ª Secção de 28-0-2006, proferido no processo 0855/04.

Deste modo porque o acórdão recorrido seguiu a jurisprudência do Pleno deste STA não se justifica a reapreciação da questão, tanto mais que atualmente o regime jurídico neste aspeto é radicalmente diferente."

Todavia, o Douto Acórdão em crise não teve em conta factos muito importantes e constantes do recurso apresentado para o STA.

Nomeadamente, o facto de a ré C., sendo na verdade um sujeito privado, a sua atuação tem que ser descrita e apreciada em conjunto com a atuação e o grau de participação de cada um dos restantes réus. Daí que se peça a condenação solidária de todos os réus no pagamento da indemnização para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais que foram causados ao autor pela prática de um ato ilícito.

Isto porque só tendo em conta a atuação conjunta de todos os réus é que se pode aferir os danos patrimoniais e não patrimoniais causados ao autor.

Pois, caso se tivesse proposto uma ação cível contra esta ré, C., não seria possível apurar a gravidade da prática do ato ilícito e os danos patrimoniais e não patrimoniais causados ao autor, porque os restantes réus não fariam parte da ação e como tal não poderiam ser demandados.

Torna-se, pois, imperioso apurar-se o grau de influência que esta ré terá tido junto dos outros réus no internamento compulsivo do autor.

Isto porque qualquer internamento do portador de anomalia psíquica, bem como quaisquer intervenções restritivas da liberdade, justificadas pela existência de anomalia psíquica grave terão de ter sempre guarida constitucional. Repete-se, anomalia psíquica grave devidamente existente, real e comprovada.

Dada a natureza de intervenção restritiva do internamento compulsivo, justifica-se, também aqui, o princípio da proibição do excesso (cf. Lei de Saúde Mental, arts. 8º, 9º e 11º) e igualmente o princípio legal de legitimidade desse ato de internamento e especialmente todos os direitos de defesa dessa privação e liberdade da pessoa internada.

Pelo que:

1) o internamento deve de ser feito em estabelecimento adequado, devendo entender-se como tal um hospital ou instituição análoga que permita o tratamento do portador de anomalia psíquica;

2) deve ser sujeito a reserva de decisão judicial (decretação e confirmação do internamento).

Há um princípio de tipicidade das privações de liberdade, ao que acresce que, as privações de liberdade sendo excecionais, estão sujeitas aos requisitos materiais da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.

Para aferir da proporcionalidade da privação da liberdade a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem destacado a importância decisiva da duração e das condições em que se verificou a restrição de liberdade.

In casu, a privação de liberdade a que o autor foi sujeito é, nos seus efeitos práticos, equiparável à situação por que passa a generalidade das pessoas com eventuais problemas do foro psiquiátrico, sendo certo que aquele, apesar de se ter revelado totalmente contra o tratamento e não tendo aceitado o internamento inicialmente...

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