Acórdão nº 422/14.0T9TMR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA DE F
Data da Resolução07 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório No âmbito dos autos de inquérito, n.º 422/14.0T9TMR, o Ministério Público proferiu despacho de acusação contra o arguido FF, melhor identificado nos autos, imputando-lhe a prática, em coautoria material e em concurso real, de três crimes de prevaricação, p. e p. pelo artigo 11º, com referência ao artigo 3º, n.º 1, al. i), ambos da Lei n.º 34/87, de 16 de março e de dois crimes de participação económica em negócio, p. e p. pelo artigo 23º, n.º 1, do mesmo diploma legal, alegadamente cometidos no exercício das funções de Presidente da Câmara de ----. Inconformado, o arguido requereu a abertura da instrução, alegando, nos artigos 28º a 40º do RAI, o seguinte: 28º É verdade que o Arguido terá subscrito documentos referidos ao factoring de duas facturas, no valor de €500.000,00, apresentadas pela firma AA & Filhos ao BCP.

29º Fê-lo inadvertidamente, assinando aquilo que supunha estar regularizado, até porque a sua assinatura não era suficiente para vincular a autarquia; confiou que os papéis que lhe foram apresentados para assinar seguiriam a tramitação legalmente adequada, o que infelizmente não aconteceu. 30º Mas esse facto era insusceptível de causar dano à autarquia, até porque o BCP bem sabia que os documentos que lhe foram apresentados eram insuficientes para o efeito, porque faltavam as assinaturas necessárias para vincular a Câmara, como reconhece o gerente do BCP, à época, ACM, no seu depoimento de fls. 1880.

31º De qualquer forma, a partir daí abriu-se um conflito com a firma AA & Filhos, que passou a reclamar da Câmara uma quantia astronómica relativamente a obras efectuadas de valor muito inferior ao que aquela empresa peticionava.

32º Quando, em Outubro de 2012, o Arguido retomou as suas funções de Presidente da edilidade, que tinham estado suspensas em 6/07 e 15/10 de 2012, veio a toar conhecimento da propositura da ação que corria termos sob o n.º ---/12.4BELRA, no TAF de Leiria, na qual a referida AA. e Filhos demandava o Município de --- por obras que não mereciam o valor reclamado.

33º Foi isso que o levou, no exclusivo interesse da justiça e do Município de ---, a celebrar o acordo compromissório de fls. 687, o qual devia levar á suspensão da acção, atribuindo a definição do valor das obras em causa a uma comissão arbitral, composta por um engenheiro indicado pelo Município, outro pela firma e um terceiro por acordo entre a lista de peritos oficiais do Ministério da Justiça.

34º O Arguido ficou descansado que o assunto iria ser resolvido de forma conveniente aos interesses do Município.

35º Renunciou ao cargo de Presidente em…, por ter sido, entretanto, desafiado para outro combate político, não mais tendo de se preocupar com a questão da acção de AA. e Filhos.

36º Aconteceu, porém, que, por razões desconhecidas do Arguido – essas sim a merecerem uma adequada investigação criminal –, o Demandante boicotou o funcionamento da referida comissão arbitral e não deu instruções nem assegurou que a acção em apreço fosse contestada. 37º Os peritos foram designados e estiveram sempre disponíveis para levar a cabo a sua função no âmbito da referida comissão arbitral, trabalhos esses que nunca puderam ser concretizados porque o participante, pura e simplesmente, por inconfessados motivos, nunca o quis e nunca o permitiu (cfr. depoimento de PT, a fls. 664 e documentos por ele então juntos). 38º Foram várias as tentativas que os advogados e os peritos fizeram no sentido de levar a cabo a sua missão, o que deparou sempre com a obstrução ou a falta de empenho do Participante, circunstância que foi determinante para que um acordo compromissório tão benéfico para o Município de --- não pudesse ser levado a bom porto. 39º Pelas suas acções e omissões, o Participante foi assim o principal responsável pelas consequências desastrosas para o Município do desfecho daquela acção administrativa.

40º É extraordinário como o Participante fez o mal e a caramunha. O arguido arrolou, nessa fase processual, como testemunhas, os peritos nomeados para integrar aquela comissão arbitral e os advogados designados por cada uma das partes, respetivamente, Eng.ºs, FJ, AM e MA e Drs. BB e HT.

O Sr. Dr. BB, era, à data dos factos, Advogado da sociedade de construções “AA. & Filhos” e a matéria sobre a qual o arguido o indicou a depor foi a vertida nos pontos 33º, 36º, 37º e 38º do RAI, supra transcritos. Declarada aberta a instrução e designado dia para a inquirição das testemunhas, o Sr. Dr. BB veio informar nos autos ter requerido ao Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados a dispensa do segredo profissional, vindo, posteriormente, o Sr. Advogado a comunicar aos autos que aquele Conselho Distrital proferiu despacho de indeferimento da requerida dispensa do segredo profissional, juntando cópia do ofício em que tal lhe foi comunicado, pelo que, não poderá depor como testemunha à factualidade referida.

Nessa sequência veio o arguido, em requerimento dirigido ao Exmº. Senhor Juiz de Instrução e ao abrigo do disposto no artigo 135º, n.º 3, do CPP, requerer que seja determinada a prestação de depoimento da testemunha arrolada, Dr. BB, com a quebra do segredo profissional, cujo levantamento a Ordem dos Advogados não autorizou.

Para fundamentar a imprescindibilidade do depoimento da testemunha Dr. BB e a requerida quebra do sigilo profissional, o arguido, ora requerente, alega o seguinte: «(…) 13º A inquirição de cada um dos advogados é necessária para a descoberta da verdade e crucial para a defesa do Arguido.

14º É fundamental que cada um desses advogados explicite as circunstâncias em que essa comissão arbitral pôde ou não pôde funcionar e porquê.

15º Não se pede a revelação de qualquer “segredo” de uma das partes que as possa prejudicar e, por isso, não possa ser revelado.

16º O que está em causa é matéria procedimental, a qual é decisiva para apurar a responsabilidade do Arguido na matéria da acusação.

17º É neste contexto que é incompreensível que a Ordem dos Advogados não tenha deferido a dispensa do sigilo profissional – de resto, com fundamentos que se desconhecem – solicitada pelo Dr. BB, então advogado da firma “AA. & Filhos”, que é a pessoa que pode cabalmente explicitar se o não funcionamento da comissão arbitral tem a ver com alguma acção ou omissão da sua representada.

18º Tal como as outras testemunhas arroladas poderão esclarecer, no âmbito das funções que estavam investidas, quem é que foi responsável pelo não funcionamento da comissão arbitral e porquê.

19º É por isso que a inquirição da testemunha BB é necessária à descoberta da verdade e fundamental para o exercício da defesa do Arguido, valores que...

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