Acórdão nº 46/14.1TACLB-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE FRAN
Data da Resolução15 de Janeiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA No Juízo de Competência Genérica de Celorico da Beira, Comarca da Guarda, no Processo Comum (singular) que aí corre termos sob o 46/14.1TACLB, em que são arguidos A., B. e C.

, na fase de saneamento do processo (artº 311º, CPP), foi proferido o seguinte despacho (transcrição): Nas contestações apresentadas, os arguidos A. e B invocaram uma nulidade insanável, referindo que a promoção do processo penal pelo Ministério Público, no que concerne ao crime de infidelidade (crime semi-público), tendo por base a apresentação de queixa por parte de (…) e de (…), é nula, nos termos do art. 119.°, alínea b) do CPP, uma vez que, no entender dos contestantes, não se depreende que aqueles tivessem legitimidade para apresentar queixa pelos factos em causa, cominando a invalidade de todos os actos subsequentes à queixa apresentada no que concerne ao aludido crime de infidelidade, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 122.° do CPP.

O MP, com os fundamentos expostos a fls. 1113 e ss., entendeu que não se encontra verificada a nulidade invocada.

O arguido C., por duas vezes notificado para se pronunciar, optou por nada dizer.

Cumpre decidir.

Nos termos do preceituado no art. 119.° do CPP: "Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais: a) A falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal, ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição; b) A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48.°, bem como a sua ausência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência; c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência; d) A falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade; e) A violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 32º f); O emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei. " - negritos e sublinhado nossos.

Assim, as nulidades insanáveis no nosso sistema processual penal são apenas as que se encontram previstas em norma especial e as constantes do elenco do art. 119.° do CPP.

Ora, a situação que os contestantes invocam não está cominada em qualquer disposição legal do CPP como nulidade, nem se enquadra em qualquer das situações previstas no art. 119.° do CPP.

Tanto basta para que a nulidade insanável invocada (que não está consagrada no CPP) tenha de improceder, o que se determina, não ficando por dizer que se os arguidos contestantes pretendessem arguir a irregularidade da queixa apresentada, deveriam ter suscitado essa questão no prazo aludido no art. 123.°, n.º 1 do CPP, o que não fizeram.

Custas pelos arguidos A. e B. que se fixam numa UC para cada uma.

Notifique.

* Desistência de queixa apresentada pelo arguido A. em 06.12.2018: O arguido A., alegando ser Presidente da Associação Recreativa e Beneficente do (…), juntando, para isso comprovar, um documento da AT, veio desistir da queixa (que não apresentou).

O MP, no dia 10.01.2019, renovou os fundamentos invocados na promoção de fls. 1113 e 1114, salientando que, no seu entender, o arguido A. não tem legitimidade para desistir da queixa apresentada, uma vez que não demonstrou que, nesta data, ocupa qualquer cargo de direcção na Associação ofendida nos autos, pugnando que seja designada data para realização da audiência de julgamento.

Desde 18.01.2019 (há cinco meses portanto), o Tribunal, por sucessivos despachos, determinou que o arguido A. comprovasse a legitimidade para apresentar a desistência de queixa pelo crime mencionado - o que o mesmo nunca logrou fazer - chegando a oficiar, nomeadamente, o Tribunal entidades terceiras para obter os livros das actas n.ºs 30 (inclusive, pese embora cópia da acta n.º 30 constar dos autos) e seguintes da Assembleia Geral da Associação ofendida para aferir da legitimidade do arguido A. para desistir de queixa.

O arguido A. informou o Tribunal que desconhece o paradeiro dos livros e que, desde 15.06.2014, nunca mais entrou nas instalações/sede da Associação ofendida, o que, só por aqui, demonstra que, pelo menos desde 15.06.2014, a nível fáctico e real, o arguido não desempenha o cargo de representante legal da Associação ofendida.

Cumpre apreciar e decidir.

O crime de infidelidade, p. e p. pelo art. 224.º, n.º 1 do CP, nos termos do disposto no art. 224.º, n.º 3, é um crime semi-público, admitindo, como tal, desistência de queixa.

Nos termos do disposto no art. 116.º, n.º 2 do CP: "O queixoso pode desistir da queixa, desde que não haja oposição do arguido, até à publicação da sentença da 1.ª instância. A desistência impede que a queixa seja renovada." Efectivamente, é um dado seguro e incontestável que os presentes autos se iniciam, em 01.07.2014, com uma queixa apresentada pelo arguido C. e por (…) (cfr. fls. 10 a 13).

Como já se disse, em traços sintéticos e suficientes para o momento, o bem jurídico protegido pelo crime em apreço é o património de outra pessoa, no caso, o património da Associação Recreativa e Beneficente do (…) e, como tal, será esta a titular do interesse, imediata e directamente, tutelado pela norma incriminadora sub judice.

Assim, e na esteira do que a jurisprudência superior tem entendido (cfr., V.g., Ac. do TRP, de 02.12.2015, proc. n."º3204112.0TAMTS-F.P1, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsfl-/71D899DF0137071E80257F4000416151, Ac. TRL, de 22.09.2005, proc. n.º 7063/2005-9, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsflO/cc24004e90176b50802571 08003ba217 e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 145/2006, de 03.04.2006, in Diário da República n.º 66/2006, Série II, de 2006.04.03), no crime de infidelidade em apreço, a ofendida é a Associação Recreativa e Beneficente do (…) e não os seus sócios, carecendo estes últimos de legitimidade para apresentarem queixa (e para desistirem dela, acrescente-se).

Ademais, não fique por dizer que para comprovar a sua qualidade de ser Presidente da Associação Recreativa e Beneficente do (…), o arguido A. limitou-se a juntar um documento da AT.

Ora, é consabido que a AT nada prova quanto à composição de órgãos sociais de pessoas colectivas de tipo associativo.

Saliente-se que o regime normativo aplicável à ofendida obter-se-á pelos respectivos estatutos.

Chame-se, então, à colação o art. 5.° dos Estatutos da ofendida: "São órgãos da Associação a assembleia geral (…), a direcção (…) e o conselho fiscal (…), sendo todos os seus membros eleitos bienalmente em assembleia geral (…)," Remeta-se também para os arts. 40.° e 51.° (este último directamente dirigido à Direcção) dos Estatutos que reiteram que as eleições para os órgãos sociais têm lugar de dois em dois anos.

Ora, pese embora o Tribunal estar há cinco meses a tentar obter o livro de actas da Assembleia Geral da ofendida, único elemento susceptível de demonstrar a composição actual dos órgãos sociais da ofendida, nada logrou obter, constando apenas dos presentes autos cópia da acta da Assembleia Geral n.º 30 (cfr. fl. 89), de 16.03.2013 e, portanto, "válida", nos termos dos arts. 5.°,40.° e 51.° dos Estatutos, até 16.03.2015, não se deixando de salientar que afinal sempre têm de existir os Livros das Actas de Assembleia Geral da ofendida (aqueles que ninguém quis juntar aos autos...

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