Acórdão nº 0514/12.0BESNT 0909/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO DELGADO
Data da Resolução11 de Dezembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – Vem a Fazenda Pública interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra de fls. 125 e seguintes, a qual julgou procedente a ação de impugnação judicial intentada contra a liquidação adicional de IRS, no valor de € 5.236,77 euros, e determinou a sua anulação.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «I. A Lei 15/2010 de 26/07 entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, introduzindo um novo regime de tributação das mais-valias mobiliárias, agravando, por um lado, a taxa prevista no art. 72º, nº 4, CIRS em dez pontos percentuais, cifrando-se em 20%, e, por outro lado, revogando o art. 10°, nº 2 e 4, CIRS, extinguindo assim a exclusão tributária vigente, relativa a mais-valias decorrentes da alienação de participações sociais detidas pelos seus titulares há mais de 12 meses.

II. Até 1997, uma lei fiscal seria inconstitucional apenas quando fosse imposto um grau de retroatividade tal que ousasse chocar a consciência jurídica e frustrando as expectativas fundadas dos contribuintes. Através deste critério subjetivo, enunciou o Tribunal Constitucional por diversas vezes que, a retroatividade das leis fiscais seria constitucionalmente legítima sempre que não ferisse "de forma inadmissível ou intolerável, a certeza e a confiança na ordem jurídica dos cidadãos por ela afectados; ou que não traí[sse], de forma arbitrária e injustificada, as expectativas juridicamente tuteladas e criadas na esfera jurídica dos cidadãos ao abrigo das disposições vigentes à data da ocorrência dos factos que as geraram''.

III. A partir de 1997, e formalizado que ficou na Constituição o princípio da não retroatividade em matéria fiscal, a jurisprudência do Tribunal Constitucional (de ora em diante TC) tem vindo a entender, num processo contínuo de sedimentação que, o escopo da norma extraída do nº 3, do art. 103°, CRP revela, não uma dimensão subjetiva, mas, tão só, objetiva IV. Porém, mesmo após introdução expressa deste princípio no texto constitucional, a sua concretização prestou-se (e presta-se) a sérias dificuldades de apreensão do seu alcance.

V. Como sustenta o prof. Alberto Xavier, "não basta afirmar que a lei fiscal não pode ser retroactiva, pois a concretização deste princípio envolve sérias dificuldades, atendendo a que se podem descortinar dentro dele diversos graus, sendo que, do ponto de vista constitucional, alguns são mais gravemente desvalorados do que outros″ (Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Lisboa 1974, p. 196 e segs; idem, 'O problema da retroactividade das leis sobre imposto de renda', in Textos Seleccionados de Direito Tributário, coord. de Sampaio Dória, São Paulo, 1983, p. 77 e segs. Mais recentemente, cfr. Américo Fernando Brás Carlos, Impostos - Teoria Geral, 3a ed., Coimbra, 2010, p. 142 e segs).

VI. Na esteira da jurisprudência do Tribunal Constitucional vazada dos acórdãos nº 18/2011 de 12 de janeiro e 0399/2010, não se produziram todos os efeitos relativos ao quantum tributário, designadamente, o apuramento do saldo, e outros, relativos à liquidação e pagamento dos impostos VII. O IRS caracteriza-se por ser um imposto direto e periódico que tributa os rendimentos das pessoas singulares. Este imposto, apesar de compartimentado por categorias ou tipos de rendimentos, assenta em factos tributários de formação sucessiva, sendo que, o facto tributário complexo sujeito a imposto, só se estabiliza no fim do ano fiscal, em 31 de dezembro de cada ano.

VIII. É certo que o rendimento objeto da presente impugnação tem a sua incidência prevista no art. 10°, nº 1, alínea b), CIRS. Estamos, efetivamente, na presença de uma eventual mais-valia proveniente da alienação de valores mobiliários.

IX. Todavia, é decisivo que se vinque: que o que é tributado nesta categoria, não é a mais-valia potencial, mas o saldo apurado entre as mais e as menos valias realizadas no respetivo ano, nos termos do art. 43°, n° 1, do CIRS. Labor que, invariavelmente, só poderá ser realizado no fim do ano fiscal.

X. No caso sub judice estamos na presença de um rendimento sujeito à taxa especial do art. 72º, nº 4, CIRS, pelo que a parcela de imposto só vem a ser liquidada num momento posterior e conjuntamente com os restantes rendimentos tributáveis em sede de IRS XI. Não é uma eventual opção realizada pelo Impugnante na declaração modelo 3 que altera a natureza do imposto. Sob pena de, a partir desse momento, um imposto supostamente de aplicação geral e abstrata, ver as suas características próprias alteradas em função das opções realizadas pelos sujeitos da relação jurídica tributária, e depois do término do ano fiscal.

XII. Cumpre ainda referir que as normas relativas à caducidade do direito à liquidação e à prescrição se moldam de um modo coerente ao caráter anual do imposto. Estipula o artigo 45.º, n.º 4, da LGT que nos impostos periódicos o prazo de caducidade se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, e o artigo 48.º, n.º 1, LGT, determina que as dívidas tributárias prescrevem nos impostos periódicos, no prazo de oito anos, contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário XIII. Ora, se o facto tributário complexo só se forma no final de cada ano, e se, no caso concreto, a Lei 15/2010 já vigorava desde o dia 27/07/2010, de modo algum se mostra violado o disposto no art. 12°, LGT.

XIV. A Administração Fiscal entende, à luz do douto acórdão prolatado pelo Tribunal Constitucional em 12 de janeiro, no recurso 18/2011, que o momento relevante é o do facto tributário complexo. Aquele que se forma não na data da alienação das participações sociais mas no momento em que o seu quantum se estabiliza com o apuramento do saldo. Até lá o que há é um juízo de mera potencialidade.

XV. Sendo inolvidável que face à natureza dos impostos sobre o rendimento vigentes na nossa Ordem Jurídica Tributária, nem o IRS nem o IRC tributam mais-valias potenciais ou latentes.

XVI. Quem defende que o facto tributário relevante é o da alienação da participação suporta-se não numa certeza, mas na pressuposição que vai haver ganho. Isto, só por si, é revelador da falta de autonomia que o facto tributário simples tem face ao facto tributário complexo, e, da prevalência que este assume perante o primeiro. Idiossincrasias difíceis de eliminar da lei fiscal, ou da interpretação que se faça dela.

XVII. A Fazenda Pública conclui, pois, contrariamente ao que foi entendido pelo douto tribunal a quo que a liquidação emitida nestes termos, situou-se não no plano da retroatividade autêntica, mas, no plano tipológico da paradigmática retrospetividade ou retroatividade impura XVIII. Pelo que, se à data do apuramento da mais-valia já vigorava a Lei 15/2010 de 27 de julho de 2010, então forçoso é concluir que a taxa aplicável é a que resulta da lei vigente e que foi aplicada na liquidação impugnada.

XIX. A Sentença recorrida ao assim não entender não fez correta apreciação da matéria de direito, impondo-se a sua revogação e substituição por decisão que, suportada na interpretação ora expendida julgue procedente o presente recurso e, consequentemente, improcedente os presentes autos de Impugnação Judicial.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.» 2 – O recorrido apresentou contra-alegações que rematou com as seguintes conclusões: «A. A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, visando reagir contra a douta decisão que julgou procedente a impugnação judicial, melhor acima identificada, contudo tal recurso deve ser considerado improcedente.

  1. A matéria em causa nestes autos é essencialmente matéria de direito, mormente, a aplicação da Lei nº 15/2010 de 26/7 a factos tributários ocorridos antes da sua entrada em vigor, entendimento que é sustentado pela Administração Tributária, C. Para além de tudo quanto o Recorrido já referiu na sua petição de impugnação judicial, o que se deseja vincar nas presentes contra-alegações é que o Impugnante não efectuou qualquer outra alienação onerosa de partes sociais após o dia 2 de Julho de 2010, pelo que esse saldo é o que resulta de operações exclusivamente praticadas antes da entrada em vigor da Lei nº 15/2010 de 26/7.

  2. Assim, a aplicação da nova taxa de 20% ao caso vertente, é ilegal por violação do princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal consagrado no artigo 12º da LGT, sendo que interpretação contrária será inconstitucional por violação directa do artigo 103º, nº 3 da CRP, inconstitucionalidade essa que desde já se invoca para todos os devidos efeitos legais.

  3. O Recorrido apresentou a sua declaração de rendimentos para efeitos de IRS, relativo aos rendimentos que auferiu no ano de 2010, na qual incluía o Anexo G, relativo à declaração de Mais-Valias e Outros Incrementos Patrimoniais e no quadro 8 do referido Anexo G à Declaração de Rendimentos foram declaradas várias alienações onerosas de partes sociais, tal como descritas no artigo 10º, nº 1, alínea b] do Código do IRS (CIRS).

  4. Concretamente, foram declaradas duas operações de alienação onerosa de partes sociais cujo valor de realização não foi superior ao valor da sua aquisição e que, de acordo com o artigo 10º, nº 4 do CIRS, não produziram qualquer ganho sujeito a IRS.

  5. Foi declarada uma terceira alienação onerosa de partes sociais adquiridas em Julho de 2010 por € 7,801,64 e vendidas em 2 de Julho de 2010 por € 39.720,00, tendo o impugnante despendido € 3,932,26 com despesas e encargos tidos com a respetiva alienação.

  6. Esta alienação deu origem a uma mais-valia sujeita a imposto de € 27.986,10, sendo esta a mais-valia que é agora objecto de análise nos presentes autos.

    I. A alienação onerosa dessas acções ocorreu em 2 de Julho de 2010, conforme...

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