Acórdão nº 072/13.8BEMDL de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelNUNO BASTOS
Data da Resolução17 de Dezembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1. O REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença do Mm.º Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou procedente a impugnação judicial da decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa da liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares do ano de 2006, a que coube o n.º 2009 5002529552, no valor de € 22.979,89.

Impugnação que tinha sido deduzida por A………………, contribuinte fiscal n.º ……………, residente na Rua …………, ………., ………., 5425-………... Selhariz.

Recurso este que foi admitido com subida imediata nos autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificado da admissão do recurso, o RECORRENTE apresentou alegações, que rematou com as seguintes conclusões: «(…) 1. Por via da douta sentença, aqui recorrida, o Mm.º Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela decidiu julgar a presente impugnação procedente, por considerar que o acto impugnado foi emitido a despeito de uma preterição de formalidades legais verificadas no âmbito de procedimentos inspectivos realizados a montante; 2. A liquidação impugnada nos presentes autos resultou de correcções à matéria colectável da Impugnante, de natureza meramente aritmética, as quais tiveram por base uma proposta de fiscalização com vista à realização de uma acção inspectiva interna sob a ordem de serviço n.º OI200900167, de âmbito parcial (IRS e IVA) incidente sobre o exercício do ano de 2006.

  1. A referida acção inspectiva foi desencadeada com vista à análise formal de elementos documentais apreendidos no âmbito de um outro procedimento inspectivo (DI200801675), incidente sobre os anos de 2003, 2005, 2006 e 2007 e à circularização efectuada a sujeitos passivos que mantiveram relações comerciais com a Impugnante no exercício de 2006; 4. A aludida acção inspectiva (DI200801675) teve por escopo a verificação, recolha e análise de elementos de prova demonstrativos da utilização por parte da Impugnante de facturas emitidas pela sociedade 'B…………….. LDA' ou eventualmente de outros sujeitos passivos emitentes de facturação falsa, atentos os fortes indícios da prática de emissão de facturas às quais não subjazem efectivas transmissões de bens ou prestações de serviços.

  2. Considerando o fim específico da acção inspectiva, e de forma a não comprometer o efeito útil da mesma, não foi dado conhecimento prévio da realização da inspecção, de harmonia com o disposto na alínea f) do artigo 50.º do RCPITA.

  3. E, uma vez que, do apuramento efectuado e dos elementos recolhidos, não resultou qualquer acto tributário, ou em matéria tributária, desfavorável à entidade inspeccionada, não foi esta notificada das conclusões do relatório, de harmonia com o que se dispõe no n.º 1 do artigo 60.º do RCPITA.

  4. A nota de diligências não foi assinada nem pelo sujeito passivo nem pelo seu TOC, porquanto este se recusou a fazê-lo (vide, PA. acção inspectiva - fls.18 verso; P.A. reclamação - fls. 64).

  5. O procedimento inspectivo de que resultou o acto impugnado (OI2009000167), foi realizado exclusivamente nos serviços da Autoridade Tributária, tendo a Impugnante sido notificada do projecto de conclusões, e exercido, através da sua mandatária, o direito de audição prévia; 9. Em razão de ter sido realizada exclusivamente nos serviços da AT (acção interna), materializada numa análise formal e de coerência dos documentos recolhidos no despacho supra mencionado, não estava a AT legalmente obrigada a notificar previamente o sujeito passivo da sua realização (cf. n.º 1 do artigo 49.º do RCPIT); 10. Contrariamente ao afirmado na douta sentença recorrida, o procedimento inspectivo aqui em causa não visou "o cumprimento dos deveres legais de informação ou de parecer dos quais a inspecção tributária seja legalmente incumbida" mas sim a análise formal dos elementos contabilísticos recolhidos no âmbito DI200801675; análise da qual resultaram as correcções de que derivou a liquidação impugnada.

  6. Não foram, pois, violados os deveres de participação e cooperação enformadores do procedimento de inspecção tributária, tendo o sujeito passivo exercido o direito de audição prévia relativamente ao projecto de correcções que lhe foi devidamente notificado; Nem violado se mostra o disposto no artigo 62.º do RCPIT, por falta de notificação do relatório de inspecção, porquanto, como resulta documentado nos autos, foi o respectivo ofício expedido para o escritório da mandatária da Impugnante, tendo o mesmo sido devolvido por não ter sido reclamado.

  7. Assim, a sentença que declarou anulada a liquidação de IVA relativa ao ano de 2006, por considerar verificada uma inexistente preterição de formalidades legais no âmbito de procedimento inspectivo, violou as disposições legais ínsitas nos artigos 49.º, n.º 1 e 62.º do RCPIT, não podendo, em conformidade com este juízo, os seus efeitos manterem-se na ordem jurídica; 13. Nestes termos, e nos demais de direito que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deverá ao presente recurso ser concedido integral provimento, com a consequente revogação da sentença recorrida, e a confirmação da legalidade da liquidação impugnada, assim se fazendo a sempre sã e já acostumada Justiça.

    ».

    1.2. A RECORRIDA apresentou contra-alegações, que enquadrou nas conclusões que a seguir se transcrevem (sem o sublinhado a “bold”): «(…) A. As Alegações de recurso notificadas à Recorrida mais não são do que a reprodução ipsis verbis da Contestação que a Fazenda já havia apresentado.

    B. Estes argumentos repetidos nas Alegações de Recurso agora notificadas, o douto tribunal recorrido sumariou todos, pelo que na verdade as alegações de recurso não apontam nem a errada avaliação dos factos pelo tribunal, nem ataca a matéria de facto provada ou não provada, nem indica quais as normas que viola nem tão pouco o sentido em que deveria tê-las interpretado.

    C. Desta forma, para além de não apresentar argumentos que determinem a revogação da douta sentença recorrida viola claramente o artigo 639.º do CPC aplicável por força do art. 2.º do CPPT.

    D. E sobre esses argumentos utilizados pela Fazenda Pública na sua Contestação e agora repetidos nas Alegações de Recurso, o Sr. Procurador no seu Parecer e o tribunal recorrido na douta sentença recorrida já tinham rebatido argumento a argumento, para a final ser proferida a decisão recorrida que é coerente, lógica, sucinta e bem fundamentada de facto e de direito nos seguintes termos: E. A AT não procedeu à notificação prévia da aqui Impugnante do procedimento referido no facto provado anterior – Cfr. à contrário, PA e, principalmente fl. 233 dos autos, que demonstra a inexistente assinatura da Impugnante que atestaria a tomada de conhecimento da ordem de serviço em referência.

    F. A AT não notificou a aqui Impugnante do Relatório a que o facto provado n.º 3 se reporta – Cfr. à contrário PA.

    G. No seguimento das correções resultantes do procedimento inspectivo, foram emitidas as liquidações adicionais de IRS e juros compensatórios no montante global de €22.979,89, com data limite de pagamento a 6/7/2009 - P.A. reclamação graciosa - fls. 29; H. Não se diga que o procedimento DI200801675 - que a própria AT não classifica como ação inspetiva interna ou externa, pois teve como único propósito a satisfação das diligências de inquérito crime oficiadas pela Direcção de Finanças de Lisboa. Bem claramente, o resultado dessa acção inspectiva foi essencial à correcção da matéria tributável e à consequente liquidação adicional de IRS de 2006.

    I. Pelo que, gozando da presunção de bem exprimir o seu pensamento, urge acentuar que não foi por acaso que o legislador-tributário concebeu de forma bem distinta, na sua estrutura e na sua intencionalidade, as ações internas e externas.

    J. Sendo intrusivas e - mais do que isso - virtualmente mais decisivas face à esfera jurídica do contribuinte, compreende-se que o legislador as tenha rodeado de garantias acrescidas, designadamente a notificação prévia para procedimento de inspeção, com o conteúdo previsto na disposição do art. 49º do RCPIT, que só é dispensada na hipótese prevista no art. 50º/1.

    K. Ou seja, se a AT pretendia que o procedimento DI200801675 valesse - e foi determinante, como já se referiu - para o efeito de correção oficiosa de um tributo, teria que o tratar como tal, nomeadamente em relação à ora impugnante, ainda que conjugadamente com uma consequente ação inspectiva (interna). Como bem diz o Sr. Procurador, não é determinante o nomen iuris do acto; é o seu conteúdo que condiciona o seu regime legal e os seus efeitos.

    L. Veja-se, nesta matéria, embora num caso apenas similar, o Ac. do TCA-SUL P04371/10, de 20-03-2012, que a seguir transcreve a douta sentença.

    M. Bem andou a douta sentença recorrida ao considerar irrelevante argumentar que a comunicação prévia do início de inspecção é afastada, quando possa por em causa os efeitos úteis que visa prosseguir (cfr. art. 50º/1-f) do RCPIT e 69º/2 da LGT), uma vez que não consta qualquer despacho fundamentado nesse sentido.

    N. É que, na realidade, o procedimento já vinha inquinado. A notificação prévia para o procedimento de inspecção (externa) - ademais com a finalidade que se veio a revelar tardiamente - é essencial para que o contribuinte possa formular um desígnio esclarecido de participação e cooperação, mas também de conformação, o que, na sua omissão, resultou prejudicado em definitivo.

    O. Por outro lado também foi violado o art.º 62.º do RCPIT porque a aqui Impugnante não foi notificada do Relatório emitido na sequência do despacho DI200801675. A constatação de omissão de tais formalidade gera a anulabilidade da liquidação em causa (cfr. arts. 134º e 135º do CPA então vigente), porque obriga a AT no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado e que, diga-se, já...

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