Acórdão nº 1445/19.8BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução18 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório CHIDINMA…………………….., natural da Nigéria, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou improcedente a acção especial urgente de pedido de asilo por si proposta contra o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), na qual havia peticionado, para si e para o seu filho menor, a concessão de asilo ou de autorização de residência por protecção subsidiária.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: «(…) O Tribunal a quo não deveria ter absolvido o recorrido dos pedidos.

Estão preenchidos os requisitos para a concessão de asilo.

Salvo o devido respeito, pensa-se que o Tribunal a quo deveria ter concedido asilo ou em última racio, concedesse autorização de residência por protecção subsidiária, dando benefício da dúvida.

Salvo melhor opinião, a recorrente reúne os requisitos para a concessão de asilo, artigo 3 da Lei 27/2008 de 30 de Junho.

A recorrente sofreu actos de perseguição, pelos agentes de perseguição, provocando assim um nexo de causalidade, existindo um risco sério e real.

A recorrente continua a afirmar a violação dos direitos humanos ou o risco de sofrer ofensa grave, caso volte ao seu país de origem.» O Recorrido não apresentou contra-alegações.

Neste Tribunal Central Administrativo, o DMMP não se pronunciou.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, mas com entrega prévia do texto do acórdão aos Mmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

  1. 1. Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o tribunal a quo errou ao concluir pela inexistência dos pressupostos para a concessão de asilo ou de autorização de residência por protecção subsidiária e assim ter mantido o despacho de 30.05.2019, do Recorrido, que considerou ambos os pedidos infundados.

  2. Fundamentação II.1.

De facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis: 1. A A. apresentou um pedido de protecção internacional na Áustria em 16 de Abril de 2018; Cf registo do sistema EURODAC de fs. 3 e ss. do p.a e capa do processo de fs. 4 também do p.a.

  1. No dia 17 de Abril de 2019, a A. apresentou junto dos serviços do SEF um pedido de protecção internacional, tendo sido submetida, nesse mesmo dia a questionário preliminar, onde declarou junto daqueles serviços que deixou o país de origem porque foi atacada por ter ajudado uma pessoa gay a escapar de ser morta, que polícia e a comunidade local andavam à sua procura, que os “area boys” queriam matá-la e que a polícia queria prendê-la; Cf registo do EURODAC e fls. 2, declaração comprovativa de apresentação do pedido de protecção internacional de fls. 14 e questionário preliminar de fls. 5 e ss., todas do p.a 3.

    Em 27 de Maio de 2019, a A. prestou declarações, no âmbito do procedimento originado pelo seu pedido de protecção internacional, junto dos serviços do SEF, tendo-lhe sido perguntado e a mesma respondido, além do mais, o seguinte: «(...) P. Tem algum problema de saúde? R Estava com 7 meses e meio de gravidez quando no dia 26/04/2019 fui ao hospital fazer uma consulta de rotina de obstetrícia. Fiz umas análises ao sangue e urina. E na Áustria já tinham detetado diabetes gestacional. Por isso, explicaram-me que, para segurança da saúde do bebé e minha, seria mais seguro eu ficar internada neste último mês de gravidez até dar à luz, para irem monitorizando e tratando sempre que necessário porque os resultados estavam a piorar. Explicaram-me que seria mais seguro fazer uma cesariana. No dia 19/05/2019 o bebé nasceu por cesariana. Passados 3 ou 4 dias, quando tudo já estava bem com o bebé, deram-nos alta do hospital.

    P. Neste momento, sente-se capaz e em condições de realizar esta entrevista? R. Sim.

    P. Esta primeira parte da entrevista serve para conhecermos melhor a sua pessoa, os seus antecedentes, a traçar o seu perfil. Pode falar sobre a sua pessoa, dando o máximo de detalhes sobre si.

    R O meu filho nasceu agora na Maternidade Alfredo da Costa no dia 19/05/2019. Chama-se Kelvin ………………….

    O pai do bebé, Franklin……………….., chegou a Portugal no dia em que ele nasceu [……………].

    Sou cristã. Completei um bacharelato (Higher National Diploma) em Comunicação Social. Era estudante e tinha um hobby para os meus tempos livres: fazia chapéus para pessoas amigas, para a igreja, para casamentos e outras cerimónias. A Áustria transferiu-me para Portugal ao abrigo do Regulamento de Dublin aos 16/04/2019.

    P. Vamos agora falar sobre o percurso que fez desde que saiu do seu país até chegar a Portugal. Pode descrever todo o trajeto que efetuou, dando o máximo de detalhes.

    R Viajei de avião da Nigéria para Portugal em abril de 2018. Depois fui de comboio até à Áustria onde pedi asilo. Depois a Áustria transferiu-me para Portugal ao abrigo do Regulamento de Dublin aos 16/04/2019.

    P. Tem agora a oportunidade de fornecer, sem interrupções, o seu relato pessoa sobre os motivos que a levaram a sair do seu país de origem. Se possível inclua o máximo de detalhes sobre esses motivos.

    R Eu ajudei um homem homossexual a fugir de ser morto. Por isso vieram atrás de mim.

    P. Pode descrever melhor esse episódio? R Eu ajudei um homem homossexual a fugir. Eles souberam que fui eu quem o ajudou e, por isso, vieram atrás de mim. E estas cicatrizes que tenho na cabeça (a requerente apontou para uma cicatriz na cabeça) e no braço (a requerente apontou para uma cicatriz no braço) foram eles quem fizeram.

    P. Pode dar o máximo de pormenores possível sobre o que aconteceu? Como se passou? Como ajudou essa pessoa a escapar? E outros pormenores? R Estavam a persegui-lo e ele estava a fugir para minha casa. Estavam a bater-lhe com muitas coisas e havia sangue, e ele correu para minha casa. Eu não sabia quem ele era. Estavam a persegui-lo e ele veio a correr para minha casa, e eu perguntei: ”O que aconteceu? O que aconteceu?” Quando ele entrou em minha casa eu não lhes disse que ele estava lá, compreende? P. Pode descrever essa cena em pormenor? Relatando como essa cena se passou com o maior número de detalhe possível? R Quando souberam que tinha sido eu, vieram atrás de mim. Começaram a bater-me e a dizer que eu tinha de entregar a pessoa. E a dizerem que, por eu o ter ajudado, isso era o mesmo que ter cometido o crime dessa pessoa. Eu perdi a consciência. O médico reanimou-me e disse que os "area boys" tinham ido à minha procura no hospital. E a minha mãe disse-me que a polícia tinha ido à minha procura lá em nossa casa. E que a polícia estava sempre a ir à minha procura lá em casa. Por isso eu já não regressei a minha casa.

    P. Tem relatório do hospital dessa ocorrência? R Não. Tenho foto dos pontos na cabeça guardadas no telemóvel de quando estive no hospital para fazer os pontos na cabeça.

    P. A foto como a obteve? R. Não sei.

    P. Tem qualquer outro documento relativo a essa agressão / tratamento no hospital? R. Não.

    P. Ok. Continuando então, seria possível voltar ao momento em que ajudou o senhor a fugir. Pode descrever o momento em si em pormenor, como se de uma cena de um filme se tratasse? Pode começar por explicar onde estava? O que estava afazer? E tudo o que depois se passou? R Eu estava cá fora. Este homem estava a correr com roupas com sangue e rasgadas. E eu não lhes disse onde ele estava, percebe? Não o denunciei. Como já lhe disse foi isso.

    P. Se bem compreendi ajudou um senhor que estava a fugir. E depois não denunciou que ele tinha estado em sua casa, é correto? R. Sim.

    P. E desde que o viu correr e até ao momento final em que não o denunciou? O que se passou entre esses dois momentos, em pormenor? R Havia um homem que estava a fugir pela sua vida, e fugiu para minha casa. Os "area boys" (rapazes maus da zona, na explicação da requerente) estavam a persegui-lo e a dizer ”Esse gay! Esse gay!” Mas eu não o denunciei. Por isso, entretanto, eles foram embora e depois ele também foi embora. Depois disseram-me: ”Eu vi esse homem entrar em casa! Onde está a pessoa que escondeu? Tem de a entregar!” Eu disse: ”Eu não escondi ninguém”. E responderam: 'Escondeste!” Antes de eu saber o que se passava, já estavam a bater-me. Perdi a consciência. Quando eu acordei no hospital, o médico disse-me que os rapazes tinham ido ao hospital à minha procura.

    P. Foi o médico quem lhe disse que tinham ido à sua procura? R Sim. E a minha mãe também me disse que a polícia tinha ido a minha casa à minha procura.

    P. Fale agora sobre os receios que tem em regressar ao seu país.

    R Vão matar-me. Eu não quero morrer. Dizem que eu ajudei alguém a fugir, e que eu cometi o mesmo crime que essa pessoa cometeu. E por isso são 15 anos de cadeia.

    P. Que crime em concreto? R Que eu ajudei uma pessoa homossexual a fugir. Na Nigéria ser homossexual é um crime: o crime é a homossexualidade.

    P. O que receia em concreto se regressar? R A Polícia prende-me. E não quer morrer. Eles matam-me.

    P. Eles quem? R Os ”street boys”. E a polícia prende-me.

    P. Porque a prendem? R Porque ajudei uma pessoa homossexual a fugir. Por isso cometi o mesmo crime que essa pessoa.

    P. Deseja acrescentar algo ao seu relato que não lhe tenha sido questionado, e que considere relevante para a análise do seu pedido de proteção? R. Não P. Dispõe de elementos de prova que...

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