Acórdão nº 1026/19.6BLESB de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Dezembro de 2019
Magistrado Responsável | PEDRO NUNO FIGUEIREDO |
Data da Resolução | 10 de Dezembro de 2019 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO B..........
intentou a presente ação administrativa no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, tramitada como processo urgente, contra o Ministério da Administração Interna - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), na qual pede a anulação da decisão de Diretora Nacional do SEF de 07/05/2019, que determinou a sua transferência para Itália e a condenação da entidade requerida no prosseguimento da tramitação do processo de proteção internacional.
Alega, em síntese, que no procedimento em causa não foi elaborado e entregue ao requerente o relatório previsto no artigo 17.º, n.º 1, da Lei do Asilo, com violação do direito de audiência prévia, assim como foi violado o princípio da não repulsão, pois não foram recolhidas quaisquer informações sobre as condições de acolhimento dos requerentes de asilo em Itália.
Citada, a entidade requerida apresentou contestação, na qual alega que no procedimento em questão não tem lugar a audição do requerente e nada permitir concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo em Itália.
Por sentença datada de 06/09/2019, o TAC de Lisboa julgou procedente a ação e anulou o ato impugnado por falta de audiência do interessado, mais determinando a retoma do procedimento administrativo após as declarações do autor, com a realização do relatório em falta.
Inconformada com esta decisão, a entidade requerida interpôs recurso da mesma, terminando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “A. Resulta evidente que o Tribunal ad quo na sua ponderação e julgamento do caso sub judice não teve em atenção o quadro legal atinente aos critérios e mecanismos de determinação do Estado- Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida. Vejamos então, B. O recorrido formulou pedido de proteção internacional no Gabinete de Asilo e Refugiados do ora recorrente, o qual foi seguido de uma entrevista pessoal realizada em 22 de Abril de 2019 nas instalações do SEF.
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A entrevista supra referida foi realizada ao abrigo do art.° 16° da Lei de Estrangeiros a qual no seu n° 1 expressa o seguinte: “Antes de proferida qualquer decisão sobre o pedido de proteção internacional, é assegurado ao requerente o direito de prestar declarações na língua da sua preferência ou noutro idioma que possa compreender e através do qual comunique claramente, em condições que garantam a devida confidencialidade e que lhe permitam expor as circunstâncias que fundamentam a respectiva pretensão D. Na pendência da entrevista, que se encontra documentada e como tal provada a fls. 17 e ss do procedimento administrativo, e após consulta do Sistema EURODAC, foi constatada a existência de dois Hits positivos com os ID “IT1RG0…T2” e “IT1RG…CEY”, inseridos pela Itália, e confirmado pela ora recorrida a existência do pedido de proteção internacional que o recorrido efetuou aquando da sua chegada à Itália, em Abril de 2016.
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Ora perante esta informação, o SEF, nos termos do artigo 37°, n° 1, e com sustento no mencionado registo EURODAC, solicitou às autoridades congéneres Italianas a retoma a cargo, ao abrigo do art.° 18° n° 1 d) do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho (Regulamento Dublin), as quais tacitamente aceitaram em conformidade com o disposto no art.° 25° n° 1 e 2 do Regulamento Dublin.
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Obedecendo aos trâmites legais impostos quer pelo Regulamento, quer pela Lei de Asilo em vigor, a entidade Recorrente (SEF), em conformidade, proferiu Decisão considerando o pedido inadmissível nos termos da alínea a) do n° 1 do art.° 19°-A da Lei 27/2008, de 30 de junho (Lei de asilo), determinando a transferência do ora recorrido para a Suíça, conforme plasmado no art.° 37°, n° 3 da Lei de Asilo, decisão que o visado (o ora recorrido) viria a impugnar junto do TAC de Lisboa, o qual por sentença datada de 06 de Setembro de 2019 entendeu julgar procedente a ação impugnatória.
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Com a devida Vénia, afigura-se ao recorrente que a Sentença, ora objecto de recurso, carece de fundamentação legal, porquanto não logrou fazer a melhor interpretação do regime que regula os critérios de determinação do estado membro responsável, em conformidade com o Regulamento (EU) que o hospeda.
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Na verdade, não pode o ora recorrente aceitar o veredicto plasmado na Sentença que considerou boa a tese do recorrido (Autor).
I. Estatui a alínea a) do n° 1 do art.° 19°-A da Lei 27/2008, de 30 de junho, que “O pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV”.
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Sob a epígrafe «Procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional», o capítulo IV estabelece no art.° 36° que “quando haja lugar à determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de proteção internacional é organizado um procedimento especial regulado no presente capítulo” K. Quer isto dizer que, recebido o pedido de Proteção Internacional e verificando que, nos termos do n° 1 do art.° 37°, “a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado membro" as autoridades portuguesas, em conformidade com o legalmente estabelecido, iniciam um procedimento especial “de acordo com o previsto no Regulamento (EU) n° 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho” L. As diligências reclamadas pelo Tribunal “ad quo”, reportam-se à tramitação do Procedimento estabelecido no capítulo III, e tem por escopo salvaguardar determinadas garantias e, em particular, assegurar “ao requerente o direito de prestar declarações (...) que lhe permitam expor as circunstâncias que fundamentam a respetiva pretensão”, conforme se estabelece no art.° 16°.
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Ora, a tramitação do procedimento de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional obedece a regras de procedimento diferentes, que são as estabelecidas pelo Regulamento (EU) n° 604/2013, do parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho (Regulamento de Dublin).
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Nesse sentido e em sede de garantias dos requerentes, o regulamento Dublin vem estabelecer no art.° 4o o Direito à informação e, no art.° 5", a realização de uma Entrevista pessoal “A fim de facilitar o processo de determinação do Estado-membro responsável (...)”. A entrevista deve permitir, além disso, que o requerente compreenda devidamente as informações que lhe são facultadas nos termos do art.° 4º.
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As normas prescritas nos arts. 16° e 17° da lei 27/2008 (Lei de Asilo), que estabelecem a obrigatoriedade de o requerente prestar declarações, com base nas quais se realiza um relatório escrito que deve ser notificado ao requerente para sobre ele se pronunciar, aplicam-se integralmente nos procedimentos comuns, ou seja, aqueles, cuja competência para análise do pedido de proteção internacional pertence ao Estado Português.
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Situação diferente impende sobre os procedimentos especiais, mormente nos casos em que é necessário determinar qual o Estado que vai analisar o pedido de proteção internacional, pelo que ficando determinado que é outro o Estado responsável pela análise, não se aplicam as normas vertidas no procedimento previsto no capítulo III do referido diploma legal.
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Ora, nestes casos, não é aplicável o disposto no art.° 17° n° 2 da lei do Asilo, afastada pela certeza “especial” do procedimento plasmado no art.° 36° e ss. da referida Lei, tal como se comprova no n° 7 do art.° 37°, que estipula que: “em caso de resposta negativa do Estado requerido ao pedido formulado pelo SEF, nos termos do n° 1 observar-se-á o disposto no capítulo III”.
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Explicitando - e afigura-se à entidade Recorrente que é justamente aqui que se encontra o busílis da questão e que o tribunal ad quo não alcançou -, a norma supra vem dizer claramente que só no caso da Itália expressamente declinar a sua responsabilidade na retoma ou tomada a cargo é que haverá lugar à aplicação do Capítulo III, o que como se sabe não foi o caso, uma vez que a Suíça expressamente aceitou, afastando assim e decisivamente a aplicabilidade do capítulo III.
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No âmbito do procedimento especial previsto no capítulo IV da Lei de asilo (arts. 36° a 40°) relativo à determinação do Estado-membro responsável peia análise do pedido, tal garantia seria absolutamente inútil e desprovida de sentido, na medida em que não se vai analisar o mérito do pedido nem os fundamentos em que se baseiam a pretensão do requerente, uma vez que a determinação do Estado-membro responsável pela análise do pedido constitui causa de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional apresentado em território nacional, nos termos do art.° 19o-A, n° 1, alínea a) da Lei de Asilo.
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Sublinhe-se que, o n° 2 do mesmo art.° 19o-A da lei de Asilo, de forma categórica estipula que nos casos em que o pedido é considerado inadmissível, “prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção...
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