Acórdão nº 727/19 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução05 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 727/2019

Processo n.º 283/19

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo (STA), a Decisão Sumária n.º 359/19 deste Tribunal Constitucional não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto pela recorrente A., S.A., com base no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC), em que esta se insurgiu contra o acórdão proferido pelo STA, em 16 de janeiro de 2019, que julgou improcedente o recurso interposto contra a sentença exarada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, em 28 de setembro de 2018, que por sua vez julgou improcedente a reclamação que respeita à anulação do levantamento da suspensão do processo de execução fiscal em causa.

Após considerar que o inconformismo da recorrente apresentado no recurso de constitucionalidade não consubstanciava objeto idóneo por não constituir uma questão de inconstitucionalidade normativa, já que teria havido “a mera indicação do preceito de direito ordinário” e que a ora reclamante “não referiu a dimensão normativa impugnada, nem fundamentou, ainda que de forma mínima, a invocada inconstitucionalidade” (fls. 4).

Além disso, a Decisão Sumária em apreço asseverou que “o recorrente não procedeu a uma suscitação prévia e de modo processualmente adequada, de uma questão de constitucionalidade normativa, junto do tribunal recorrido” (fls. 4).

Assim, não foi conhecido o recurso interposto.

2. Ainda não resignada, a recorrente, ora reclamante, apresentou Reclamação para a conferência contra a referida Decisão Sumária, com base no n.º 3, do artigo 78-A, da LTC. Em síntese, reitera a argumentação esgrimida anteriormente no sentido de que seja apreciada a inconstitucionalidade da norma-objeto que indicou no seu requerimento de recurso. Nas suas próprias palavras naquela peça originária, “a norma em causa é o n.º 1 do artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o qual, no entendimento da Recorrente, viola os princípios da igualdade, na dimensão de igualdade no acesso ao direito, consagrado no artigo 13.º da Constituição, e da tutela jurisdicional efetiva de direitos e interesses legalmente protegidos, consagrado no artigo 20.º e no n.º 4 do artigo 268.º da mesma Lei Fundamental. A questão da inconstitucionalidade do artigo em causa foi suscitada pela Recorrente em sede de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, de forma expressa, direta e autónoma, no Capítulo C das suas alegações, com tradução nas conclusões aí formuladas”.

Com isso, a reclamante vem agora pedir a revogação da Decisão Sumária reclamada e, em consequência, a admissão do seu requerimento de interposição de recurso. Para tanto, a recorrente sustenta que “ao contrário do que se diz na Decisão Sumária, a Recorrente não imputa ao Acórdão do STA simplesmente um vício de interpretação do n.º 1 do artigo 169.º do CPPT: mais do que isso, a Recorrente imputa um vício de inconstitucionalidade a essa norma, tendo em conta o seu conteúdo, tal como decorre da letra do preceito” (fls. 20).

Igualmente, afirma ter invocado a questão de inconstitucionalidade prévia e adequadamente e indicado a norma cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.

Não obstante, destaca que “o que se defende nos autos, pois, é a inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 169.º do CPPT na dimensão normativa segundo a qual o preceito em crise, com o conteúdo declarado de modo estável e reiterado pela jurisprudência dos tribunais superiores, distingue os pedidos de revisão de atos tributários consagrados no artigo 78.º da LGT, para o efeito da possibilidade de suspensão de processos de execução fiscal, consoante tenham sido apresentados ou não dentro do prazo de 120 dias que a lei prevê para a reclamação graciosa” (fls. 21).

Neste contexto, defende que o requerimento de interposição de recurso atende a todas as exigências legais e que “resulta com completa evidência qual a dimensão normativa do n.º 1 do artigo 169.º que a Recorrente coloca em causa” (fls. 25). Argumenta, ainda, que se o Tribunal entendeu que não se cumpriu o ónus de delimitação do objeto de recurso, os números 5 e 6 do artigo 75.º-A, da LTC impõem um dever de notificação para aperfeiçoamento do requerimento.

3. Notificada, a contraparte Autoridade Tributária e Aduaneira - AT não respondeu.

4. Por ter cessado funções neste Tribunal a anterior relatora, foram os autos objeto de redistribuição em 16 de setembro de 2019.

5. Por despacho de 22 de outubro de 2019, foi a recorrente notificada para se pronunciar, querendo, sobre a possibilidade de ser conhecida pela conferência a questão de mérito, enquanto "questão simples", designadamente por já ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC. Decorrido o prazo legal, a recorrente não respondeu.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

6. Compulsada a reclamação apresentada, conclui-se que a ora reclamante tem razão na argumentação que desenvolve para infirmar a correção do juízo efetuado na Decisão Sumária.

Efetivamente, a reclamante demonstra como suscitou prévia e adequadamente a questão de inconstitucionalidade nos autos – conforme destacado supra –, como a mesma tem natureza normativa passível de fiscalização por este Tribunal e como dos elementos processuais que produziu no curso da ação resulta a identificação específica de uma dimensão normativa concreta – ainda que não a tenha evidenciado e delimitado no requerimento de recurso interposto perante este Tribunal. Analisados os autos, verifica-se que os argumentos aduzidos na presente reclamação são verdadeiros e encontram suporte nas peças processuais produzidas.

Além do mais, tem razão a recorrente ao recordar diversos outros processos em trâmite em que sucedeu o mesmo e teve lugar um despacho de convite ao aperfeiçoamento na forma do número 6 do artigo 75.º-A, da LTC, visto que no presente caso teria tal notificação tido efeito útil.

Destarte, assistindo razão à reclamante porquanto logrou demonstrar a observância dos requisitos de admissibilidade do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, é de se concluir pela procedência da presente reclamação. Nestes termos, deve ser revogada a Decisão Sumária n.º 359/2019 por não se sustentarem os seus fundamentos à luz das razões apresentadas pela reclamante.

7. O Tribunal Constitucional tem entendido (cf. Acórdão n.º 239/02) que, no quadro das soluções plausíveis de direito, pode admitir-se que a conferência, no âmbito dos seus poderes cognitivos, julgue sobre recurso, nos mesmos termos em que o poderia fazer o relator.

Ora, a questão de constitucionalidade colocada nos presentes autos – a da conformidade com a CRP da não suspensão da execução fiscal quando os pedidos de revisão de atos tributários são apresentados pelo sujeito passivo, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, para além do prazo de 120 dias previsto no n.º 1 do artigo 70.º do CPPT – foi recentemente apreciada e decidida pelo Tribunal Constitucional, designadamente, no Acórdão n.º 501/2019. Assim, existindo já várias decisões deste Tribunal sobre a matéria em causa, pode a questão de mérito ser conhecida pela conferência, enquanto "questão simples", designadamente por já ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.

8. No Acórdão n.º 501/2019, o Tribunal decidiu não julgar inconstitucional a norma extraída do número 1 do artigo 169.º, do CPPT, na interpretação segundo a qual o pedido de revisão do ato tributário apresentado pelo sujeito passivo nos termos do artigo 78.º da LGT, após o prazo de 120 dias a que se refere o artigo 70.º do CPPT, não suspende o processo de execução fiscal.

Lê-se nesse aresto:

«5. Constitui objeto do presente recurso o artigo 169.º, n.º 1, do CPPT (na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro), na interpretação segundo a qual o pedido de revisão do ato tributário, apresentado pelo sujeito passivo nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (adiante designada «LGT»), após o prazo de reclamação administrativa de 120 dias (a que se refere o artigo 70.º do CPPT), não suspende o processo de execução fiscal.

Alega a recorrente, em síntese, que esta interpretação viola o princípio da igualdade, o direito fundamental de acesso à justiça e o direito a tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, respetivamente consagrados nos artigos 13.º, 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição.

Vejamos.

6. O incumprimento do dever fundamental de pagar os impostos criados «nos termos da Constituição» e liquidados em conformidade com o direito aplicável (n.os 2 e 3 do artigo 103.º da Constituição) não pode deixar de expor os devedores à possibilidade de cobrança mediante processo de execução fiscal (regulado nos artigos 148.º e seguintes...

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