Acórdão nº 00538/16.8BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução15 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: M.A.F.C. e J.A.F.S.

, habilitados como herdeiros do Autor J.A.S., vieram interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 26.02.2019, pela qual foi julgada totalmente improcedente a presente acção administrativa intentada pelo falecido Autor contra J. A. L. V., F.M.S.S., M.J.P.A. e Centro Hospitalar T...-V..., EPE, para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, na qual o Autor pediu a condenação dos Réus, a título solidário, no pagamento da quantia de 61.311 € acrescida de juros vincendos, à taxa legal em vigor, até efectivo pagamento, e ainda das despesas ainda não computadas, a liquidar em momento posterior, tendo a decisão recorrida absolvido o Réu Centro Hospitalar T...-V..., EPE do pedido.

No despacho saneador foram considerados partes ilegítimas passivas e absolvidos da instância os Réus J. A. L. V., F.M.S.S., M.J.P.A. e a sua chamada Axa Companhia de Seguros, S.A..

Invocaram os Recorrentes, nas suas alegações de recurso, em síntese, que se verificou erro no julgamento da matéria de facto, já que os factos 3 e 6 dados como não provados deveriam ter sido dados como provados e que o falecido Autor não prestou um consentimento válido e eficaz para a prática de actos médicos, nomeadamente a extracção de dentes, pelo que a decisão recorrida deveria ter concluído pela ilicitude desses actos de extracção de dentes, devendo o Réu ser condenado a indemnizar os Recorrentes/herdeiros do Autor conforme peticionado.

O Recorrido Centro Hospitalar T...-V..., EPE, contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.

O Ministério Público junto deste Tribunal concluiu no sentido do acerto da decisão recorrida, quer na fixação dos factos provados e não provados, quer na fixação do direito e no seu dispositivo.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

*I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1 - Foi a presente acção contra o Centro Hospitalar Tondela-Viseu, E.P.E., julgada improcedente por não se considerar preenchida a ilicitude da conduta dos médicos ao serviço daquele e consequentemente absolvendo o Réu do pedido.

2 - Não podem de forma alguma os ora recorrentes conformarem-se com tal decisão, pois consideram, salvo o devido respeito, que houve uma errónea apreciação da prova produzida e uma incorrecta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis.

3 - Deve ser dado como provado o facto constante de 3 dos factos não provados; — A anestesista ao serviço do Réu, aquando da intubação do primitivo Autor, causou a luxação de dois dentes do maxilar inferior; 4 - Tal matéria foi alegada pelo primitivo Autor na sua P.I, (artigo 19º), e não só não foi impugnada pelo Réu, como pelo contrário, foi confessada pelo mesmo no art. 29º da sua Contestação; 5 - O que resultava já do processo crime.

6 - 7 - Verifica-se assim que o aludido facto terá que ser dado como provado por acordo/confissão, nos termos dos artigos 46º, 574º nº 2 e 607º nº 5 do C.P.C., e em consequência alterar-se a redação dos factos assentes em S e T.

- Deverá ainda dar-se como provado que caso soubesse do risco de lhe serem extraídos os dentes no maxilar inferior, o primitivo Autor, jamais teria autorizado a realização da cirurgia à vesicula, (6 dos factos não provados).

- Com efeito as testemunhas que depuseram sobre este facto, foram bastante peremptórias em afirmar o mesmo, com certeza e segurança, como se constata da audição dos seus depoimentos.

- Em audiência de 10-04-2018, a testemunha Rita Sofia Félix de Ferreira Seixas (01:34:43 – 02:16:30) – 01:46:18……….:14 e a testemunha Otília Pinto Ferreira (02:17:02 – 2:31:30) – 02:30:13/02:30:54 - Ao contrário do referido na Sentença recorrida, a prova quanto a esta matéria não foi de modo algum composta por asserções e suposições feitas por familiares do primitivo Autor, J.A.S.

, mas sim de convicção, sendo ainda que uma das testemunhas, Otília Pinto Ferreira não é sequer familiar do Autor, mas foi, sim, sua funcionária, isto apesar de a não prova de tal facto, não ter relevância para alterar a decisão, nos termos pretendidos e como supra se exporá.

- A Sentença recorrida violou, assim, o disposto nos artigos 46º, 574º nº 2 e 607º n0 5 do C.P.C..

- Ressalta com clareza da matéria assente, nomeadamente em Q), S), T), U), dos relatórios, fichas clinicas e pareceres juntos com o processo crime, de factos alegados pelo primitivo Autor e pelo Réu que para uma cirurgia com anestesia geral, impõe-se que o paciente tenha uma boca saudável com dentes estáveis.

- Patologias dentárias a existirem trazem consequências nefastas com sérios riscos para a saúde e vida do doente aquando do processo anestésico, nomeadamente na fase de entubação e extubação.

- Havendo dentes instáveis, os mesmos correm o risco de caírem e poderem ser aspirados para as vias respiratórias pelo doente durante a fase do recobro (durante o acordar), nomeadamente na extubação, numa altura em que o doente não tem o controlo total dos seus reflexos e tem as vias respiratórias desprotegidas.

- Tal aspiração dos dentes pode causar complicações graves para a saúde do doente e mesmo perigo para a sua vida.

- Tais riscos eram ainda maiores no Autor, devido à sua patologia de asma brônquica.

- A Sentença recorrida considera que os médicos estão obrigados a informar o diagnóstico e as consequências do tratamento, aqui se incluindo as vantagens e os riscos desde que estes não sejam raros ou de verificação excepcional, mesmo que graves e especificamente ligados ao tratamento a efectuar.

Como considera ainda não ser exigível aos médicos no pré-operatório, o questionamento sobre todas as patologias existentes mesmo as susceptíveis de gerar complicações na cirurgia.

- Considera-se que tais conclusões não têm de modo algum, aplicação no caso concreto, não só porque não se está no caso presente perante riscos raros, de verificação excepcional, imprevisíveis, fortuitos, eventuais e/ou inesperados, como não se está a falar de uma qualquer patologia que remotamente possa ter influência na cirurgia.

e, - Trata-se de um risco mais que normal e usual, trata-se de um risco absolutamente previsível, expectável, provável, natural, calculável, frequente, ( nas palavras de uma testemunha anestesiologista), dir-se-ia até inevitável, se existir tal patologia, (problemas dentários), pois a mesma está directamente relacionada com riscos graves para a saúde e vida do doente em caso de aplicação de anestesia geral, qualquer que seja a cirurgia a efectuar.

- Decorre da matéria assente que todos os médicos intervenientes neste processo pré e operatório tinham conhecimento (como decorre dos respectivos consentimentos), que o autor iria ser submetido a anestesia geral.

- Apesar de tal facto, em 28/11/2005, e em 19/12/2005 nos dois consentimentos prestados pelo primitivo autor, não foi o mesmo questionado pelos dois médicos que o observaram, sobre a sua saúde oral e/ou problemas dentários existentes.

- O historial clinico e tais consentimentos foram transmitidos à cirurgiã, que também não o questionou acerca da existência de problemas da boca e dentição, tal como a anestesiologista, igualmente nunca questionou o autor acerca das suas patologias dentárias.

- Anteriormente à cirurgia, a anestesista observou a cavidade oral do paciente, verificando a respetiva via aérea, a mobilidade do pescoço e a abertura da boca, questionando o primitivo Autor quanto ao uso de próteses dentárias, não tendo detectado qualquer problema notório; (R dos factos provados), apesar de o mesmo apresentar grave doença dentária e gengival com paradontose exuberante e piorreia em cinco dentes do maxilar inferior.

- Ora, resulta assim evidente que todos os médicos que observaram o primitivo autor, omitiram os deveres de cuidado e diligências devidas, sendo ainda que quanto à anestesiologista, sendo responsável pela aplicação da cirurgia geral, da entubação e extubação do paciente, deveria ter um cuidado acrescido na verificação dos problemas dentários dos pacientes.

- Consta aliás de vários pareceres médicos juntos com o processo crime e das declarações dos médicos testemunhas do Réu que para a intervenção em causa, a observação prévia dos dentes do doente, nomeadamente o seu estado ou presença de próteses, interessa ao anestesista e será por isso da sua responsabilidade." - E nem se diga, como o faz a sentença recorrida que é raro que complicações da ordem dentária gerem problemas ou riscos ao longo de uma cirurgia num local totalmente distinto, como é a zona abdominal, porque efectivamente os problemas dentários nada têm a ver com a cirurgia à vesicula, mas sim com a anestesia geral, pelo que o Autor poderia ser submetido a uma cirurgia a qualquer outro órgão que os problemas se manteriam.

- Nos termos da doutrina do consentimento informado, o paciente está vinculado ao dever de colaboração com o médico e tem o direito de obter deste, toda a informação sobre a natureza, características, técnicas a usar, alternativas e riscos, sendo que o consentimento só é valido se for livre e esclarecido, ou seja, se forem fornecidos ao doente, todos os elementos que determinaram a consentir na intervenção médica.

- Assim, todos os médicos envolvidos violaram o dever de esclarecer o primitivo Autor, nomeadamente dos riscos inerentes à cirurgia, consequências e perigos do processo anestésico, sabendo que o mesmo iria ser sujeito a anestesia geral e que o consentimento visava também esse processo, prestando consequentemente informação insuficiente e impedindo aquele de se autodeterminar com toda a informação necessária para o efeito.

- Emitiu assim o Autor um consentimento inválido e ineficaz para a prática de actos médicos, nomeadamente a extracção de dentes.

- Nos termos da alteração da matéria de facto que se pretende, (que na fase de entubação, (fase...

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