Acórdão nº 00234/09.2BEPRT-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução15 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO A. M. R. N. E. e Outros, devidamente identificados nos autos, vêm intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante T.A.F. do Porto], de 09.04.2019, prolatado no âmbito da presente Ação Administrativa que os Autores, aqui Recorrentes, intentaram contra o MUNICÍPIO DO P...

, aqui Recorrido, que, no decurso da audiência de julgamento, determinou a inquirição oficiosa das testemunhas M. A. R. e J. H. L. M.

.

Em alegações, os Recorrentes formularam as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…) 1. Previamente, o douto despacho recorrido viola o disposto no nº. 3 do artigo 3.º e 4.º do CPC, aplicáveis ex vi art.º 1º. do CPTA, integrando a violação dos princípios da igualdade, do acesso ao direito, do contraditório e da proibição da indefesa (cfr. art.º 2.º, 13.º,18.º e 20º. da CRP), o que, salvo o devido respeito, consubstancia a prática de nulidade processual (art.º 195.º do CPC) que influi no exame ou decisão da causa e constitui decisão-surpresa (ficando os AA. sem um grau de jurisdição sobre esta matéria), na medida em que o despacho foi proferido, em 9/4/2019, sem notificar os AA. para se pronunciarem sobre o requerimento do Município de 5/4/2019 e sem sequer aguardar pelo decurso dos 10 dias de prazo geral para que os AA. se pudessem manifestar no processo e tomar posição sobre tal pedido do R.

  1. Nulidade que influi e pode influir no exame ou na decisão da causa, desde logo, porque, o Tribunal aceitou que o R. arrolasse à outrance, durante a audiência de julgamento (após a 3ª sessão), o dobro das testemunhas que o R. tinha para produzir, e porque essas testemunhas irão - como é agora anunciado pelo Município e pelo Tribunal – depor sobre questão fundamental desde o inicio do processo, mas até agora clara e inequívoca (as plantas do PDM de 1993) - cfr. jurisprudência citada supra.

  2. Depois e quanto ao despacho, em primeiro lugar e ressalvado o devido respeito, não se afigura minimamente necessário qualquer outro depoimento sobre a questão "atinente à vinculatividade da planta de síntese e à relação da mesma com as restantes plantas regulamentares do PDM de 1993", ao contrário do que sustenta, de forma ultra vaga e genérica, o Tribunal a quo.

  3. O despacho recorrido apenas adere acriticamente ao que foi alegado pelo R. Município, tentando dar relevância e estabelecer ligação (que não existe!) dos depoimentos, que agora aceita extraordinariamente, com a planta junta por ordem do próprio Tribunal recorrido, mas depois nada diz sequer sobre as concretas razões para presumir que as novas testemunhas têm conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa, nem sequer faz destrinça na admissão da testemunha que teria acompanhado a feitura da planta em relação à testemunha com alegada experiência sobre o PDM de 1993, ou ainda, nem sequer especifica os concretos "factos importantes para a boa decisão da causa" que justificariam que, extraordinariamente se ouvisse mais duas testemunhas do R..

  4. Limitando-se o despacho a pouco mais do que reproduzir a cláusula geral constante do art.º 526º, n.º 1 do CPC, o que manifestamente não basta nem pode bastar para considerar o despacho fundamentado, pelo que, salvo o merecido respeito, padece de nulidade, por falta de fundamentação - cfr. art.º 615º, nº.1, al. b) e 613º, nº 3 CPC.

  5. Quando à tort assim não se entendesse, o que não se admite, então, perscrutados os autos, é absolutamente desnecessária a produção desta prova (extraordinária), desde logo porque o Município não coloca em causa a existência e genuinidade do documento, antes confessa no seu próprio requerimento - o que se aceita para não mais ser retirado - que a planta foi por si elaborada, sendo "para uso interno", e confessa sobretudo que «A referência a "disposições regulamentares" e "disposições indicativas" pretende apenas distinguir entre as disposições que constavam das plantas regulamentares e as manchas constantes das cartas sínteses», significando as "disposições indicativas" que "as manchas que constam desenhadas nesta peça não são cadastrais, mas meramente indicativas".

  6. A planta em causa apresenta o prédio dos AA. com riscas azuis claras (que a respetiva legenda das respetivas "Disposições indicativas" - como está escrito pelo Município - indica ser "Zona desportiva") sobre o já conhecido quadriculado, que representa um C.O.S. de 5m3/m2 (cfr. planta das "Disposições Fundamentais sobre Edificação Urbana" do PDM do P... de 1993).

  7. A explicação constante do requerimento do R. é absolutamente extraordinária (raciocínio que quase se não entende e é perfeitamente rebuscado, convidando-se até os Colendos Magistrados a entendê-lo), mas não limita a evidência manifesta: as indicações a azul, que se referem a zona desportiva, são indicativas (!!) - isto mesmo está escrito, e expressamente, pelo Município.

  8. Em suma, o Município confessa que esta planta demonstra que, em relação ao terreno dos AA., a tal zona desportiva era (afinal) meramente indicativa e não cadastral ou vinculativa, pelo que não há dúvidas sobre esta matéria nem para as partes, nem, salvo melhor entendimento, pode haver para o digno Tribunal o quo, ou por outras palavras, não há necessidade de produzir qualquer prova (ainda para mais) extraordinariamente sobre "a vinculatividade da planta síntese e a relação da mesma com as restantes plantas regulamentares do PDM de 1993".

  9. Porquanto, note-se bem, existe agora a confissão do R. que vai ao encontro do que os AA. sempre alegaram desde o início (cfr. p.i. e réplica), e isso mesmo já resultava, aliás à saciedade e sobejamente, das plantas do próprio PDM de 1993 designadas de "Zonamento e Hierarquização do Sistema Viário" e de "Disposições Fundamentais sobre Edificação Urbana", bem como do estudo urbanístico elaborado pela Arq.3 Paula Morais (junto com a réplica dos AA.), do douto parecer jurídico da autoria da Doutora Fernanda Paula Oliveira (Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, nomeadamente nas disciplinas de Direito do Ordenamento e do Urbanismo e Direito Administrativo, e profunda conhecedora da realidade dos Planos de Ordenamento em Portugal, nomeadamente dos da cidade do P...), e ainda do depoimento das testemunhas já ouvidas, nomeadamente do Sr. Arq. Pedro Teixeira Rego de Oliveira B. (um dos técnicos mais proeminentes do P... e com mais experiência na utilização do PDM de 1993 do P...).

  10. Em suma, a referida planta não era integrante do PDM de 1993 (ninguém o alegou), mas é um elemento essencial que determina que a alegação dos AA. seja correta e corroborada, tanto mais que demonstra que há uma interpretação oficial e autêntica do próprio Município (ou no mínimo, a planta consubstancia um precedente administrativo), revelando o pensamento do Município, ao tempo, face à suposta contradição ou aparente aporia das demais plantas - e se alguma dúvida existisse, que não existe, este documento da autoria do R. esclarece-a (porque consubstancia interpretação autêntica ou prática administrativa).

  11. Salvo o merecido respeito, o documento e a confissão do R. vêm corroborar a alegação dos AA. e a prova já existente nos autos, nada mais havendo a esclarecer ao digno Tribunal, pelo que é perfeitamente indevida a admissão da audição das novas testemunhas, por não se verificarem os requisitos, padecendo o despacho de erro de julgamento, devendo ter negado os intentos do Município, sob pena de ser não apenas mera estultícia permitir a audição destas duas novas testemunhas (e é proibida a prática de atos inúteis - cfr. art.ºº 130º do CPC) como ainda ser inconveniente porque determinará que o julgamento se alongue indevidamente (quando já vai na 4º sessão).

  12. Em terceiro lugar, o despacho em causa teve na sua génese o requerimento do R. de 5/4/2019, cuja intenção, salvo o merecido respeito, é demasiadamente clara e evidente: chegado ao momento fundamental do julgamento, o Município arrolou apenas duas testemunhas, tendo, durante o decurso da audiência, prescindindo de uma delas e terá verificado que a prova que irá produzir com a sua única testemunha (Sra. Arqt.ª A.

    S.

    ) poderia não bastar aos seus intentos, eis então que, aproveitando-se do facto do Tribunal ter ordenado oficiosamente a junção de uma planta relativa ao seu PDM de 1993, o Município intenta suprir aquela sua falta de testemunhas (que apenas a si e somente a si próprio é imputável - sibi imputet).

  13. O que é preciso saber ainda mais, depois de toda a prova ter sido produzido e gravada?? O que se pretende saber mais? Explicações emotivas e ou inteligentes, digamos assim, salvo o merecido respeito, das Sras. Testemunhas, quando o facto é manifesta e clarividentemente ostensivo? Isso jamais dirá respeito a factos, mas a entranhas dos factos, cuja coloração depende da perceção (errada ou certa) de quem pensa sabê-los.

  14. Como não há dúvidas objetivas sobre a matéria que o R. tenta alegar para justificar o seu pedido, então, salvo o merecido respeito, o despacho recorrido padece de erro de julgamento, desde logo porque subverte os princípios da legalidade processual e da igualdade de armas entre as partes, e de forma notória (cfr. art.º 3º e 4º. do CPC, que derivam do direito fundamental de acesso ao direito - cfr. arts. 2º.,18º e 20º da CRP), ao permitir assim ao R. como que emendar a mão, no final do próprio julgamento, arrolando duas novas testemunhas (quando apenas tinha uma).

  15. E tudo isto a suposto propósito de um documento que é da própria autoria do Município, mas que este jamais juntou aos autos, como devia, omitindo-o (o que alegamos em plena contenção), e agora, no finai do julgamento, quando praticamente já toda a prova se encontra realizada e é do conhecimento do Município o que é relevante para o Magistrado poder tomar decisão, vem o R. arrolar extraordinariamente...

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