Acórdão nº 1511/12.0TBBRG-E.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução27 de Novembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I Nos autos de reclamação de créditos por apenso à insolvência de F IMOBILIÁRIA LDA, vêm os credores reclamantes N, SA, A e I e A, LDA, interpor recurso de Revista do Acórdão da Relação de Guimarães, que procedeu à graduação dos créditos reclamados.

Conclusões do Recorrente N SA: - O Acórdão recorrido graduou o crédito da sociedade D, SA, antes do crédito hipotecário do N, SA, com o fundamento de que o crédito lhe havia sido cedido na pendência da acção por P e mulher, os quais, alegadamente, e tendo por referência o plasmado no Acórdão recorrido, detinham a qualidade de consumidores.

- O acórdão-fundamento, já transitado em julgado, trata-se do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.° 1594/14.9TJVNF.2.G1.S2, de 13.07.2017, publicado no site www.dgsi.pt, que considerou que, apesar de os recorridos poderem preencher formalmente os requisitos próprios de consumidor, parece inteiramente injustificado e até abusivo que se lhes aplique as respectivas medidas de protecção, ...." Mais definiu como consumidor " aquele que adquiriu bens ou serviços para satisfação de necessidades pessoais e familiares (uso privado) ... " Sublinhando que " os promitentes compradores em causa não se encontram numa situação de fraqueza ou vulnerabilidade que justifique essa tutela acrescida" - O Banco Recorrido detém hipoteca sobre a verba n° 64 do auto de apreensão, a saber: fracção autónoma designada pelas letras "AE", correspondente a uma habitação, tipo T3, a qual faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito à Rua de X e Rua Y, descrito na CR. Predial de P sob o n° 4059, e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de P, Concelho de P, sob o artigo 13.757.

- O Tribunal "a quo" graduou o crédito da sociedade A INSTALAÇÕES ELÉCTRICAS, SA com direito de retenção, antes do crédito hipotecário do N, SA (credor hipotecário).

- Não se conformando com tal decisão o N recorreu da sentença de verificação e graduação de créditos.

- No Acórdão recorrido não é apreciado o recurso interposto pelo Banco, o que constitui nulidade, nos termos do n° 1, alínea d) do artigo 615.° do C.P.C.

- A Recorrida A INSTALAÇÕES ELÉCTRICAS, SA é uma sociedade anónima.

- O imóvel em apreço - fracção "AE", - (verba 64 do auto de apreensão) corresponde a um apartamento, tipo T3, destinado a habitação.

- A Recorrida não alegou, tão pouco provou, a qualidade de "consumidor", sendo desde logo de afastar tal qualidade por se tratar de uma pessoa coletiva e a fracção em apreço ser destinada a habitação.

- A Recorrida D, SA é uma sociedade anónima.

- O imóvel em apreço - fracção "AL", - (verba 65 do auto de apreensão) corresponde a um apartamento tipo T5, destinado a habitação.

- A reclamante D, SA não alegou, tão pouco provou, a qualidade de "consumidor", sendo desde logo de afastar tal qualidade por se tratar de uma pessoa coletiva e a fracção em apreço ser destinada a habitação.

- A Recorrida adquiriu o crédito a P e mulher, S, em 22-04-2013, tendo-se habilitado nos autos como cessionária.

- O AUJ n° 4/2014, de 20.03.2014, uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:"No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador de insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755.°, n°1, al.f), do Código Civil".

- Decorre deste segmento uniformizador que, no âmbito da graduação de créditos em processo de insolvência, o promitente-comprador goza do direito de retenção prevista no citado artigo 755.°, n° 1, ai. f), do CC, se tiver a qualidade de consumidor.

- Na fundamentação do acórdão preconiza-se uma interpretação restritiva afirmando-se (nota 10) que " não sofre dúvida que o promitente-comprador é, in casu, um consumidor no sentido de utilizador final, com o significado comum do termo, que utiliza dos andares para o seu uso próprio e não como escopo de revenda".

- A Recorrida A INSTALAÇÕES ELÉCTRICAS, SA desde logo por ser uma sociedade comercial não se enquadra no conceito restritivo de consumidor, plasmado na lei. Tal sociedade não se enquadra, seguramente, numa situação e fraqueza ou vulnerabilidade que justifique essa tutela acrescida.

- Ainda que se lhe tenha sido reconhecido direito de retenção em acção de verificação ulterior de créditos que correu termos por apenso ao processo de Insolvência, a verdade é que a graduação do crédito apenas é feita no apenso respectivo - apenso da reclamação e créditos - e é, neste apenso, que importa graduar tal crédito tendo por referência os demais créditos, designadamente o crédito hipotecário do aqui Recorrente que deve ser pago com preferência aos demais credores da devedora. Só assim não seria se a referida sociedade Recorrida, A INSTALAÇÕES ELÉCTRICAS,SA, fosse consumidor a(exigindo-se, pois, para o efeito, a alegação e prova dos factos).

- P e mulher, S, inicialmente credores reclamantes nos autos, cederam a sua posição contratual, em 22-04-2023 (a sentença declaratória da insolvência é de 14-05-2012) à Recorrida D, SA.

- A sociedade Recorrida D, SA não alegou, tão pouco provou, a qualidade de "consumidor", sendo desde logo de afastar tal qualidade por se tratar de uma pessoa coletiva e a fracção em apreço ser destinada a habitação.

- A cessão levada a efeito por P e mulher, S, nada tem a ver com consumo, isto é, com satisfação das necessidades privadas; visa antes a obtenção dos rendimentos que essa cessão propícia. Sendo que a Recorrida, sociedade anónima, não preenche formalmente os requisitos próprios do conceito de consumidor, sendo injustificado e abusivo que se lhes apliquem as respectivas medidas de protecção, que devem ter por fundamento, até por exigências do princípio da igualdade, "razões materiais e efectivas e não meramente formais." - A.Pinto Monteiro, sobre o direito do consumidor em Portugal e o Anteprojeto do Código do Consumidor, em estudos do IDC, Vol. Ill, 47.

- As Recorridas não podem ser consideradas consumidoras, pelo que à luz da jurisprudência firmada no AUJ 4/2014, não possa ser reconhecido que o seu direito de crédito prevalece sobre o crédito do Banco recorrente, com garantia hipotecária anterior. - Decidindo, como decidiu, o acórdão recorrido incorreu nas nulidades previstas no artigo 615.° do CPDC, violou a lei substantiva e julgou contra jurisprudência uniformizada -Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 4/2014.

- O crédito hipotecário do N, SA deve, pois, ser graduado com primazia ao crédito das sociedades Recorridas.

Conclusões do Recorrente A: - Em causa encontra-se a aplicação da interpretação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2014 aos presentes autos, uma vez que a reclamação de créditos do Recorrente foi apresentada em data anterior ao mesmo.

- É inequívoco que a aplicação de um AUJ não só pode, como deve ser afastada caso existam razões ponderosas para o efeito, concretamente a frustração de expectativas relevantes ou do princípio da confiança.

- A interpretação restritiva levada a cabo no AUJ n.º 4/2014, a que adere o acórdão em crise, institui a qualidade de consumidor como elemento constitutivo essencial do direito de retenção - e consequente recomposição da norma - razão pela qual o AUJ introduziu um requisito novo que carece de alegação e prova do mesmo, que não só não resulta da letra da lei, como não consubstanciava o entendimento jurisprudencial dominante à data, sem salvaguardar as situações já passadas, como é o caso dos autos, em que a reclamação de créditos ocorreu em 2012.

- A aplicação da interpretação restritiva dada pelo AUJ n.º 4/2014 a reclamações de créditos que foram formuladas antes da prolação do mesmo e no decurso das quais não foram trazidos aos autos, por nenhuma das partes, os factos que seriam pertinentes para concluir se os credores reclamantes (promitentes-compradores) eram ou não consumidores, por não ser, então, previsível a exigência desse requisito é inconstitucional por violação, do princípio da igualdade, da proporcionalidade e do princípio da segurança e proteção da confiança integrador do princípio do Estado de Direito Democrático, violando designadamente os artigos 2.º, 13.º, 18.º, n.º 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa.

- De forma a concluir se a aplicação ao caso sub judice da interpretação do artigo 755.º n.º 1 al. f) do CC, introduzida pelo AUJ, afecta o "princípio da confiança" de acordo com a lei, a doutrina e a jurisprudência, torna-se necessário analisar o conceito de interpretação do Código Civil e se era expectável o sentido interpretativo do AUJ n.9 4/2014 em data anterior ao mesmo.

- Na letra da lei, seja no Código Civil, seja nos Decretos-Lei que introduziram o artigo 755.º, n.º 1 al. f) no mesmo, o direito de retenção não se encontra limitado apenas aos consumidores, não existindo qualquer requisito subjectivo exigido no âmbito de aplicação do mesmo, - Sendo que, de acordo com a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT