Acórdão nº 01778/13.7BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 31 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução31 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório A G. C. L., no âmbito da Ação Administrativa Comum que intentou contra a Empresa Municipal de Educação e Cultura de B..., E.M.

tendente à condenação desta “ao pagamento do montante de €130.000, referente à última das prestações acordadas no âmbito do contrato celebrado em 30 de Março de 2004” referente a um espetáculo de Júlio Iglésias em B... em 02.07.2004, inconformado com a Sentença proferida em 1ª instância 14 de janeiro de 2019, a qual, em síntese, julgou improcedente a ação, mais tendo condenado a Autora como litigante de má-fé, veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão, em 26/02/2019, no qual formulou as seguintes conclusões: “1.ª O presente recurso visa suscitar a reapreciação da decisão de primeira instância que julgou totalmente improcedente a ação e, ainda, condenou a Autora como litigante de má fé.

  1. Não obstante, a MM Juíza a quo ter entendido que resultou provado que foi celebrado entre Autora e Ré um contrato no valor de €325.000, do qual ficou por pagar a quantia de €130.000,00, entendeu dar como provado que o mesmo foi renegociado, posteriormente à realização do concerto, “ficando o contrato saldado pelo pagamento imediato da quantia de €50.000 e preferência dada à Autora na festa de passagem do ano (o que veio a suceder). Destarte, é de concluir que a quantia peticionada não está em dívida, não podendo proceder a ação.” 3.ª Com todo o respeito, entende a Recorrente que a douta juíza a quo incorreu em erro de julgamento, motivado pela desadequada valoração de toda a prova documental e testemunhal produzida pela Autora e pela insuficiente análise crítico-valorativa da mesma.

  2. Conforme se procurou demonstrar nas alegações precedentes, a MM Juíza a quo deu como provados factos que, no entender da Recorrente, não o formou, pelo menos, não com aquele teor, desde o logo, os factos elencados em 20, 22, 23 a 25, 27, 30, 37 e 38 da matéria de facto provada, formando a sua convicção com base em puras deduções não alicerçadas na prova (documental e testemunhal) produzida, ignorando as regras de repartição do ónus da prova e as mais elementares regras da experiência e do bom senso que sempre devem ser tidas em consideração pelo julgador na apreciação critica da prova.

  3. Com efeito, competia à Autora fazer prova dos fundamentos da ação, desde logo, a prova da origem e montante da dívida que peticiona, o que fez, cabendo à Ré provar que houve uma renegociação do contrato assinado pelas partes em 18.03.2004, da qual resultou a sua substituição por um outro que reduziu o preço contratado.

  4. Ora, tendo a Autora impugnado o dito contrato renegociado (documento de fls. 271), bem como invocado a falsidade da assinatura do representante legal da Autora, competia à Ré, de acordo com o previsto no artigo 374º do Código Civil, a prova da genuinidade do documento de fls. 271, o que, manifestamente, não fez.

  5. A Recorrente discorda da decisão (e, por isso, a impugna) quanto aqueles concretos pontos da matéria de facto provada, já que, no seu entender, a prova produzida não permitia dar como provados os referidos pontos ou, em alguns deles, com o teor com que o foram. A MM juíza a quo ateve-se, exclusivamente, aos depoimentos de D. A. e C. A. C. que, como bem referiu, são partes interessadas.

    Vejamos, então: 8.ª Foi dado como provado no ponto 20 da matéria de facto provada que: “Por ocasião do concerto e perante a baixa receita que o mesmo ameaçava gerar, o representante legal da Ré, D. A., assumiu que teria que haver renegociação do valor do contrato.” Ora, o que resultou da prova produzida, nomeadamente dos depoimentos dos próprios D. A. e C. A. C., foi que, até à data do concerto, incluindo o dia, a Ré, através dos seus administradores, nunca invocou a necessidade de se renegociar o contrato, alegando a baixa receita que o mesmo ameaçava gerar.

  6. O que resultou da prova produzida - nomeadamente das passagens transcritas nas precedentes alegações - é que nas semanas anteriores ao concerto e no próprio dia do concerto, a Ré sabia que não tinham vendido tantos bilhetes como esperado, ainda que por sua exclusiva responsabilidade, sendo que, em momento algum, abordaram a Autora ou mesma a SPE preocupados com a receita obtida e a dificuldade de honrar os compromissos contratualmente assumidos, quer com uma quer com outra empresa. Sendo que, à data do concerto, a Ré devia à Autora €130.000,00 e à SPE €118.053,95.

  7. Como resulta evidente dos depoimentos de D. A. e C. A. C., a ideia de utilizar as reduzidas receitas de bilheteira como desculpa para não pagar o que deviam ou, pelo menos, conseguir uma redução do valor contratado, só surge, inicialmente na cabeça do Dr. D. A., em finais de Julho, já após os insistentes contactos e sucessivas interpelações telefónicas de A. B. e, mais concretamente, após receberem a segunda carta de interpelação remetida pelos Advogados da Autora, datada de 31.07.2004.

  8. Aliás, os próprios administradores só falam entre eles sobre o assunto quando recebem a carta dos advogados, sendo por demais expressivo o comentário de C. A. C. : “fala com ele, discute com ele e vê o que dá” 12.ª Assim, e por forma a adequar a factualidade constante do ponto 20 à prova produzida, o mesmo deverá ter o seguinte teor: 20. Só após a realização do concerto e após os insistentes contactos telefónicos de A. B. e, concretamente, da receção da carta dos Advogados da Autora datada de 31.07.2004, o representante legal da Ré, D. A., assumiu que teria de haver renegociação do contrato.

  9. Foi dado como provado no ponto 22 da matéria de facto provada que: “22. Autora e Ré consideraram que o concerto foi um fiasco” Todavia, não consta dos autos qualquer documento que prove quantos bilhetes foram efetivamente vendidos e qual a receita gerada com a realização do concerto do Júlio Iglésias, e tanto assim é que a Sra. Juíza deu como não provado no ponto 2 da matéria de facto não provada “O concerto gerou a receita (com IVA incluído) de €300.000”.

  10. O que resulta da prova gravada, nomeadamente dos depoimentos de A. B. e da testemunha L. T., ouvidos na sessão de julgamento do dia 05.12.2018, respetivamente aos minutos 22:00 e1:03:35), a 15 dias/3 semanas do concerto, os representantes da Ré, à data, nem sequer sabiam quantos bilhetes tinham sido vendidos, o que alarmou o representante da Autora que enviou, de imediato, uma pessoa para B... para ajudar na divulgação, colocar e controlar a venda de bilhetes, bem como propôs à Ré a divulgação na televisão.

  11. Termos em que este ponto deve ser eliminado ou substituído o seu teor pelo seguinte: 22. O concerto não teve as receitas que a Ré e a A. esperavam.

  12. Foi dado como provado nos pontos 23, 24, 25 e 27 da matéria de facto provada que: “23. Em agosto de 2004, em dia que não se pode precisar, foi celebrada reunião, na sede da Ré, entre J. A. S. B., D. A. e C. A. C. (estes em representação da Ré) e foi dado sem efeito o contrato referido no ponto 8 e substituído por outro, com valor de 195.000€, tendo como contrapartida o pagamento imediato de 50.000,00€ e preferência à Autora na organização da festa de fim de ano; 24. O exemplar do aludido contrato, que estava na posse da Ré, foi de imediato rasgado; 25. O representante legal da SPE e da Autora rasgou uns papéis, como se do seu exemplar do contrato referido em 8 se tratasse; 27. Na presença da tesoureira da Ré, C. S., foi determinada a substituição das três primeiras folhas do referido contrato por outras três, em tudo semelhantes, mas com valor acordado para a realização do concerto diverso, o valor global de 195.000,00€ - cfr. Fls. 271 e seguintes dos autos em suporte físico” 17.ª Estes são os pontos relativos à renegociação do contrato e que foram considerados como provados pela MM Juíza a quo por pura crença na palavra de D. A. e de C. A. C. (partes interessadas) e da testemunha M. C. L. S. (funcionária da Ré desde 2000), que teve um discurso demasiado alinhado (ensaiado) com o dos antigos administradores da R., que referiu ter visto, em agosto, no gabinete do Dr. D. A. e reunido com este e com C. A. C., uma pessoa que disse ser A. B. mas que, na verdade, não se lembrava se o tinham apresentado.

  13. Apesar da douta julgadora a quo ter considerado, e, nesse aspeto, bem, que, quer o representante da Autora, quer os antigos administradores da Ré (as agora testemunhas D. A. e C. A. C.) são partes interessadas na causa por o negócio em análise ter sido pelos mesmos celebrado e, nessa medida, nenhum dos depoimentos se afigurar como isentos, a verdade é que valorou acriticamente a tese desses antigos administradores da Ré, ignorando ou desvalorizando todos os demais depoimentos, factos dados como provado se as regras da experiência. Senão vejamos: 19.ª A MM Juíza desvalorizou completamente o depoimento de A. B. que afirmou, perentoriamente, que não voltou a B... depois do dia 3 de julho de 2004 e que não renegociou qualquer contrato.

  14. Não atendeu ao facto de a Autora ter impugnado a autenticidade do documento de fls. 271 e a genuinidade da assinatura nele aposta como sendo do representante da A.

  15. Não atendeu ao facto de existir um original do contrato (o de fls. 297), apesar dos antigos administradores da Ré terem afirmado que o mesmo foi rasgado à sua frente por A. B.; 22.ª Não foi dada relevância ao comportamento irregular e atípico da Ré de não ter registado o primeiro contrato na contabilidade, apesar de, com base nele, terem sido efetuados os pagamentos dos montantes correspondentes às duas primeiras prestações previstas contratualmente. Como referiu a testemunha, A. C. F., na sessão de julgamento do dia 05.12.2018 (entre os minutos2:01:45 e 2:05:11) do ponto de vista contabilístico e do regular funcionamento das contas, ambos os contratos deveriam ter sido registados na contabilidade, para que esta espelhasse o que efetivamente aconteceu.

  16. Não foi valorizado o facto de a Autora nada...

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