Acórdão nº 00807/11.3BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 31 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução31 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO Nos presentes autos em que é Autora ZMF- I. de C., S.A e Réu o Instituto da Segurança Social I.P., (ISS), ambos neles melhor identificados, foi proferida decisão pelo TAF de Penafiel que considerou o Tribunal Administrativo incompetente em razão da matéria e absolveu da instância a Entidade demandada.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões: 1. Nos termos do art. 87º, nº 1, al. a), do CPTA aplicável, “findos os articulados, o processo é concluso ao juiz (…), que profere despacho saneador quando deva (…) conhecer obrigatoriamente (…) de todas as questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo”.

  1. Nos termos do art. 96º, al. a), do CPC, aplicável por força do art. 1º do CPTA, a incompetência do tribunal em razão da matéria é incompetência absoluta.

  2. Nos termos do art. 97º, nº 1, do CPC, aplicável por força do art. 1º do CPTA, a incompetência absoluta é de conhecimento oficioso, salvo os casos de violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição do tribunal arbitral voluntário.

  3. Nos termos do art. 99º, nº 1, do CPC, aplicável por força do art. 1º do CPTA, a incompetência absoluta implica a absolvição do R. da instância.

  4. E, nos termos do art. 87º, nº 2, do CPTA aplicável, “as questões prévias referidas na alínea a) do número anterior que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no saneador não podem vir a ser reapreciadas”.

  5. Ou seja, haja ou não conhecimento no despacho saneador da competência ou incompetência material do tribunal, tabelar ou quanto a questão concreta, essa competência ou incompetência fica definitivamente resolvida, não podendo mais ser apreciada.

  6. As questões, de conhecimento oficioso, que obstem ao conhecimento do objecto do processo, terão de ser necessariamente analisadas e decididas no despacho saneador, por força da proibição que decorre do nº 2 do art. 87º do CPTA.”.

  7. O art. 87º, nº 2, do CPTA não só proíbe que sejam suscitadas e decididas em momento posterior do processo quaisquer outras questões ou excepções dilatórias que não tenham sido apreciadas no despacho saneador, como impede que as questões já decididas nesse despacho venham a ser reapreciadas com base em novos elementos.

  8. O disposto na primeira parte do art. 87º, nº 2, do CPTA não tem paralelo na lei processual civil.

  9. O art. 87º, nº 2, do CPTA, é uma solução processual que se insere num princípio de promoção do acesso à justiça, visando evitar que o tribunal relegue para final a apreciação de questões prévias para só então pôr termo ao processo com uma decisão de mera forma.

  10. O artigo 87º, nº 2, configura uma situação de caso julgado tácito, que deriva de as partes não terem suscitado nos articulados a excepção dilatória que poderia pôr termo ao processo e de o juiz não ter apreciado oficiosamente essa excepção dilatória, como lhe competia, na fase do saneador.

  11. O legislador do CPTA, ao estabelecer uma clara proibição de apreciação de questões prévias em momento ulterior à fase do saneador, não tem em consideração as finalidades prosseguidas com a exigência legal dos pressupostos processuais e desinteressa-se das consequências que poderão resultar para as partes do prosseguimento do processo, quando sobrevenha questão que devesse obstar ao conhecimento do mérito, excluindo, nesta sede, o funcionamento do regime do artigo 660º, nº1, do CPC.

  12. O art. 87º, nº 2, do CPTA, reporta-se às questões que sejam detectáveis no momento em que o juiz se prepare para exercer a competência prevista nesse preceito, com exclusão, portanto, de quaisquer novas questões que se levantem posteriormente.

  13. A incompetência material do tribunal é uma das questões que obrigatoriamente tem de ser conhecida no saneador sob pena de não o poder ser mais tarde.

  14. No âmbito do CPTA, o despacho saneador, quando decide no sentido da inexistência de questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo, faz caso julgado formal, reconhecendo-se, assim, à chamada certificação tabelar positiva - ou seja, à proposição conclusiva de que o tribunal é competente, a acção tempestiva, as partes legítimas, o meio processual idóneo, com que os tribunais costumam resumir o seu juízo a propósito da verificação dos pressupostos processuais – o carácter de irrevogabilidade.

  15. Sucede isso, nos termos do art. 87º, nº 2, do CPTA, em relação às questões prévias que não tenham sido apreciadas no despacho saneador, porque já não podem ser suscitadas (ou decididas) mais tarde; e em relação às questões prévias aí julgadas improcedentes, porque já não podem ser reapreciadas pelo juiz.

  16. O despacho saneador, além de outros, tem o mérito de centrar num único momento processual o saneamento das questões de índole adjectiva ou processual, devendo o juiz aí suscitar e resolver todas as questões que possam obstar ao conhecimento do objecto do processo, sob pena de sua preclusão, formando-se caso julgado formal sobre a sua inexistência, se o tribunal não as apreciar ou não as considerar procedentes.

  17. A segunda parte do nº 2 do art. 87º do CPTA não consagra a solução do, então, art. 510º, nº 3, do CPC, antes dela propositadamente se afastando ao substituir a expressão “concretamente apreciadas” pela expressão “decididas”.

  18. Pretende-se, com isso – como decorre das regras de interpretação do art. 9º do CC - dizer que, em processo administrativo, tanto valendo que a decisão seja concreta, como tabelar, não pode nunca ser reapreciada.

  19. É o que é coerente com a proibição de decisão posterior, mesmo que nenhuma se tenha proferido e é o que explica a diferença de texto.

  20. No caso, em 4 de Maio de 2012, o Senhor Juiz proferiu Despacho Saneador em que, tabelarmente, decidiu ser o Tribunal competente em razão da matéria, dizendo, designadamente, em sede de “saneamento processual”: O Tribunal é competente em razão da matéria, hierarquia e território”.

  21. Dessa decisão não foi interposto recurso.

  22. Mais decidiu, na mesma ocasião, que, por não haver necessidade de produção de prova, fossem as partes notificadas para apresentar alegações escritas, nos termos do art. 91º, nº 4, do CPTA.

  23. O que a A. entendeu não fazer e o que o R. entendeu fazer, por requerimento de 3 de Setembro de 2012.

  24. Ficou, então, o processo pronto para decisão de mérito.

  25. Mas, conclusos os autos para esse efeito, o Senhor Juiz a quo, ao invés, entendeu ouvir as partes sobre a possibilidade de entender pela incompetência material do Tribunal e, apesar de alertado pela A. de que o não poderia fazer, decidiu mesmo por essa incompetência, absolvendo o R. da instância.

  26. Dizendo, para o fazer, que a decisão do Saneador tinha sido tabelar e que, por isso, não faz caso julgado, que a questão da incompetência material do tribunal é de conhecimento oficioso e pode ser conhecida a qualquer tempo, e que essa, por envolver interesse público, escapa à restrição do art. “87º, nº 4, do CPTA”.

  27. Não o podia ter feito.

  28. Em primeiro lugar porque, considere-se ou não que a decisão tabelar sobre a competência do tribunal, faz caso julgado formal, a solução, expressa e inequívoca do art. 87º, nº 2, do CPTA, é a mesma.

  29. Se se considera que faz, caímos na previsão da segunda parte desse normativo legal; se se considera que não faz, tudo se passa como se não tivesse sido proferida e, então, caímos na previsão da primeira parte desse normativo legal, ou seja, na situação de caso julgado tácito.

  30. Num caso como no outro, é expressamente vedado pelo art. 87º, nº 2, do CPTA, ao Juiz decidir, como decidiu, na Sentença recorrida, pela incompetência material do Tribunal.

  31. Em segundo lugar porque não colhe nenhum dos argumentos por si aduzidos.

  32. É certo que a questão é de conhecimento oficioso, mas isso em nada colide com a previsão do art. 87º, nº 2, do CPTA.

  33. Por outro lado, a questão, ao contrário do que acontece em processo civil, não pode ser conhecida a todo o tempo, apenas o podendo ser no Despacho Saneador, isso mesmo decorrendo, inelutavelmente, da norma especial do art. 87º, nº 2, do CPTA.

  34. E, por outro lado, ainda, se é certo que a incompetência material envolve o interesse público, também o envolvem todas as questões que obstem ao conhecimento do mérito que possam ser conhecidas oficiosamente – e, exactamente por isso, é que o podem ser.

  35. Sendo certo que aquela – como, aliás, qualquer outra - não foi excepcionada da previsão do art. 87º, nº 2, do CPTA e não tenhamos dúvida que o teria sido se essa fosse a intenção, vedando o art. 9º, nº 2 do CC, flagrantemente, uma interpretação como a feita pelo Senhor Juiz a quo.

  36. Não fique por...

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