Acórdão nº 1134/18.0T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MATOS
Data da Resolução21 de Novembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. nº 1134/18.0T8STR.E1 Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Évora:I – Relatório.

  1. (…), casada, doméstica, residente em (…), nº 1-A, Cabeças, Tomar, instaurou contra (…), Companhia de Seguros, S.A., com sede na Rua (…), nº 11, em Lisboa, ação declarativa com processo comum.

    Alegou, em resumo, que (…), seu marido, foi vítima de um acidente de viação, ocorrido no dia 12 de Dezembro de 2013, pelas 18,20 horas, ao km. 54 do IC 9, junto à localidade de Vale dos Ovos, concelho de Ourém, exclusivamente causado pelo condutor do veículo 36-(…)-42 e que a responsabilidade civil decorrente de danos provocados pela circulação deste veículo se encontrava transferida para a R.

    Após o acidente e por via dele, o marido da A. ficou ferido com muita gravidade e com sequelas várias que, designadamente, o impedem de consumar o ato sexual e de procriar e, em consequência, a A. deixou de poder exercer a sua sexualidade com o marido, privando-a de ter outro filho, o que viola os direitos de personalidade da A., na dimensão do direito à realização pessoal da sua vida, no âmbito dos deveres conjugais, danos que lhe conferem o direito a uma indemnização.

    Concluiu pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 120.000,00, a título de indemnização.

    A R. contestou excecionando a prescrição do direito da A., porquanto decorreram mais de três anos entre a data do conhecimento do dano que invoca e a data da entrada da petição em juízo, excecionando a autoridade do caso julgado, porquanto se mostram julgados, no processo 1842/15.8T8STR, os factos que constituem a causa de pedir nos presentes autos e impugnando os factos alegados pela A considerando, em resumo, que não obstante o marido da A. apresentar dificuldades em finalizar o ato sexual, não ficou impossibilitado de o praticar, nem de ter filhos e que a indemnização reclamada pela A. é exagerada.

    Concluiu pela absolvição do pedido e, em qualquer caso, pela improcedência da ação.

    Respondeu a A. por forma a defender a inexistência da exceção do caso julgado.

  2. Foi proferido despacho que julgou improcedente a exceção da prescrição, relegou para a decisão final o conhecimento de eventuais efeitos da invocada autoridade do caso julgado, afirmou a validade e regularidade da instância, identificou o objeto de litígio e enunciou os temas da prova.

    Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença em cujo dispositivo designadamente se consignou: “(…) julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, decido condenar a ré (…) Companhia de Seguros, S.A. a pagar à autora (…), a quantia € 15.000,00 (quinze mil euros), a título de danos morais, acrescida de juros de mora contados à taxa legal de 4% desde a data de prolação da sentença até integral pagamento.” 3.

    O recurso.

    A A. recorre da sentença e conclui assim a motivação do recurso: “1ª - Considerou-se na decisão recorrida que era sempre possível à autora ter outro filho por outro meio que não por intermédio do contacto sexual com o marido, designadamente por inseminação artificial.

    Com efeito, é uma realidade a possibilidade de recurso à inseminação artificial, mas que acarreta custos, na ordem das dezenas de milhares de euros, como é do conhecimento geral, que, a Recorrida teria de suportar.

    1. - Atentemos no dano sexual direto propriamente dito: Com efeito, o condutor do veículo segurado na Recorrida, lesou de forma culposa, o direito à sexualidade conjugal da Recorrente, amputando-lhe de forma brutal, o seu exercício, o que consubstancia violação dum direito de personalidade, tutelado pela ordem jurídico-constitucional.

    2. - Na verdade, do acidente de viação em causa, resultou a violação simultânea e dois direitos subjetivos: (I) violação direta da integridade física e moral do marido da Recorrente; (II) violação de forma direta do direito de personalidade da Recorrente que se traduz no exercício normal e sadio da sexualidade conjugal.

    3. - O direito de personalidade da Recorrente consubstanciado no direito à sexualidade conjugal, decorre quer da lei ordinária – Arts. 1577º, 1671º, 1672º do CC (dever de coabitação na vertente do direito à sexualidade no âmbito dos deveres conjugais, com referência expressa ao débito conjugal) – quer da Lei Constitucional – Art. 24º/1, 25º, 26º, 36º e 67º da CRP – traduzindo assim esses comandos normativos, a consagração jurídico-constitucional do papel fundamental do indivíduo e da família na sociedade.

    4. - A pessoa humana é protegida na sua personalidade e dignidade, com vista à plena integridade e desenvolvimento físico e moral, proteção essa que encontra expressão jurídica na Lei Constitucional – Arts. 24º, 25º, 26º, 36º e 67º e também nos Arts. 2º, 3º, 6º, 8º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

    5. - Os direitos de personalidade são direitos absolutos e, por isso, oponíveis em relação a todos os terceiros sobre os quais impende o dever de se absterem de praticar ou deixar de praticar qualquer ato que ilicitamente ofenda ou ameace ofender a personalidade de outrem.

    6. - O Art. 70º/1 do CC estabelece e consagra o direito geral de personalidade pelo qual a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou qualquer ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, significando isto que os bens, funções, estados e as forças, potencialidades e capacidades que são a expressão do “ todo “ que constitui a personalidade humana, gozam de tutela, geral e direta, do Art. 70º do CC (Conferir R. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, pág. 200.

    7. - Deste modo, além dos direitos de personalidade elencados no Art. 72º e seguintes do Código Civil, decorre do princípio geral do Art. 70º do mesmo diploma legal, outros direitos de personalidade, como é o caso do direito à sexualidade, designadamente quando materializado no âmbito do casamento, atento o inerente direito/dever da plena comunhão conjugal, consagrado no Art. 1577º do CC.

    8. - O direito à sexualidade é, pelo menos no...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT