Acórdão nº 2562/17.4BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução21 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO O Instituto dos Registos e Notariado, IP, devidamente identificado nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 27/02/2019, que no âmbito da ação administrativa especial, instaurada por A......

, julgou a ação procedente, condenando a Entidade Demandada a proceder à apreciação e decisão do procedimento de concessão de nacionalidade ao Autor, aplicando o requisito previsto na alínea d), do n.º 1 do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade.

* Formula o aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem: “I – A legalidade dos atos administrativos deve ser apreciada por referência ao quadro legal e factual em vigor à data da sua prática, devendo o preenchimento dos requisitos legais ser aferido à data da decisão do pedido e nem na data da entrada do pedido, ou na da sua decisão o pressuposto existia.

II– Como princípio a Lei não é retroativa, mas o legislador pode, a título excecional, elaborar e publicar leis retroativas, se o entender necessário, salvo em três matérias sensíveis em relação às quais a Constituição da Republica Portuguesa, proíbe explicitamente a retroatividade das leis: “restrição de direitos, liberdades e garantias” (artigo 18.º, n.º 2); “criação de novos tipos de crimes, ou de medidas de segurança, e agravamento de penas ou medidas de segurança pré-existentes” (artigo 29º); “criação ou agravamento de impostos” (artigo 103.º, nº 3); III – Quando o legislador ordinário, fora das três áreas constitucionalmente proibidas, fizer alguma lei a que decida conferir eficácia retroativa, ou efeito retroativo e, se os termos e modalidades dessa retroatividade não forem por ele clara e detalhadamente estabelecidos, o Código Civil, nos seus artigos 12º e 13º regula supletivamente a matéria, ou seja, IV – A lei só dispõe para o futuro e ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular e quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; V. A sentença recorrida, sanciona uma flagrante violação dos princípios constitucionais da segurança e da igualdade (artigos 2º e 13º da CRP), uma vez que os mesmos factos podem ser legitimamente valorados de forma diferente por diferentes julgadores; VI.

A Conservatória dos Registos Centrais, ao indeferir no tempo, o pedido de naturalização do ora recorrido, interpretou corretamente a alínea d) do n.º 1 do art.º 6º da LN, pois a medida abstrata da pena, segundo a lei portuguesa, como pressuposto fundamental para determinar quem podia ou não adquirir a nacionalidade portuguesa é um elemento perfeitamente objetivo e encontra pleno acolhimento quer na letra quer no espírito da lei que vigorava ao tempo; VII Não se vislumbrou, por essa razão, qualquer vício de violação de lei que afetasse a validade da decisão impugnada, também, porque na data da DECISÃO ADIMINISTRATIVA, continuava a constar o crime e a pena, pelo qual foi condenado; Por isso, VII.

Deve ser revogada a douta sentença recorrida; e, VIII.

Integralmente mantida a decisão que indeferiu a naturalização requerida.

”.

* O ora Recorrido, notificado da admissão do recursão, pronunciou-se, sem formular conclusões, no sentido de não assistir razão à Entidade Demandada e que o tribunal fez uma incorreta interpretação da norma citada, o artigo 6.º, n.º 1, d), na redação da Lei Orgânica 2/18, de 05/07, pelo qual releva a pena concretamente aplicada e não a pena abstrata.

Pede que a sentença recorrida se mantenha, por não merecer censura.

* A Digna Magistrada do Ministério Público, notificada nos termos e efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA emitiu parecer no sentido da procedência do recurso e pela manutenção do ato impugnado.

Entende, invocando a jurisprudência do STA, que os requisitos exigidos pelo artigo 6.º da Lei da Nacionalidade são vinculativos, tendo que se entender, no que se refere à al. d), do n.º 1 do artigo 6.º e al. b), do n.º 1 do artigo 24.º do Regulamento da Nacionalidade, que a pena a considerar para afastar a possibilidade de aquisição da nacionalidade portuguesa é a abstratamente aplicável e não a medida concreta da pena que o tribunal aplicou.

Posteriormente ao ato impugnado a Lei Orgânica n.º 2/2018, de 29/07 deu nova redação à norma em causa, acolhendo o critério da pena efetivamente aplicada e não a pena abstratamente prevista, mas a nova lei não tem caráter interpretativo, nem determinou a sua aplicação aos pedidos de nacionalidade pendentes, por se tratar de uma diferente ponderação do legislador.

Por outro lado, não podia ser efetuado o cancelamento definitivo da condenação do Autor, ocorrida em 2006, porque não se verificavam os requisitos legais impostos no artigo 11.º, n.º 1, a) da Lei n.º 37/2015.

No caso, apesar de terem decorrido mais de cinco anos após a extinção da pena, declarada em 03/09/2010, verifica-se que o Autor foi, entretanto, condenado pela prática de outros crimes, dentro desse período de cinco anos, pelo que o Autor não pode beneficiar da reabilitação legal.

De entre o mais alegado, conclui que a sentença recorrida procedeu a uma errada interpretação da lei aplicável, devendo ser revogada e ser concedido provimento ao recurso.

* O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II.

DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A questão suscitada pelo Recorrente resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito, de interpretação e aplicação da lei em relação ao disposto no artigo 6.º, n.º 1, alínea d) da Lei da Nacionalidade, por relevar a medida abstrata da pena, segundo a lei portuguesa, como pressuposto para determinar quem pode ou não adquirir a nacionalidade portuguesa e não a pena concretamente aplicada, sob pena de violação dos princípios da segurança e da igualdade, previstos nos artigos 2.º e 13.º da Constituição.

III.

FUNDAMENTOS DE FACTO O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos: “1. O A. Tem nacionalidade cabo-verdiana, tendo nascido em 2.8.1962 em Nossa senhora da Graça,Pria, Cabo Verde (cfr. de fls. 5 a 6 do p.a); 2. No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 371/02.4PALSB, que correu termos na 1ª Secção, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal de Lisboa, o aqui A. foi condenado por sentença transitada em 2.5.2006 de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de prisão de 20 meses suspensa por três anos (cfr. de fls. 34 de 32 a 36 do p.a.); 3. A pena de prisão suspensa foi declarada extinta em 3.9.2010 (artigo 57.º do CP) (idem); 4. Em 3.11.2016 o A. requereu a aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização, tendo o correspondente procedimento corrido termos sob o n.º ……/2016, na Conservatória dos Registos Centrais (CRC) (cfr. de fls. 1 a 4 do p.a.); 5. Em 9.3.2017 a Polícia Judiciária comunicou à Sra. Conservadora da CRC que após pesquisa de dados relativa a antecedentes policiais/criminais sobre o aqui A. aí disponíveis, nada consta (cfr. de fls. 26 do p.a.); 6. Em 6.4.2017 o SEF informou a Sra. Conservadora da CRC de que nada consta nestes serviços que obste à concessão da nacionalidade portuguesa do A. (cfr. de fls. 45 do p.a.); 7. Na mesma data o SEF emitiu Certidão de que o aqui A. é residente legal em Portugal desde 26.11.1993 (cfr. de fls. 46 a 47 do p.a.); 8. Em 18.3 e 26.7.2017 a CRC emitiu Certificado(s) de Registo Criminal em nome do aqui A. onde consta informação sobre o crime e a condenação, referidos em 2. (cfr. de fls. 32 a 39 e 60 a 67 do p.a.); 9. No âmbito do proc. n.º 42966/2016 foi emitido Parecer, em 28.8.2017, pela sra. Conservadora Auxiliar, propondo o indeferimento do pedido do A. por não reunir o requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º da LN (cfr. de fls. 68 a 69 do p.a.); 10. Em 13.10.2017, suportada no parecer que antecede, foi proferida decisão, pela Sra. Conservadora-Auxiliar, de indeferimento do pedido de aquisição de nacionalidade por parte do A. por naturalização, por falta de preenchimento do requisito a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º da LN – a não condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa (cfr. o doc. 2 junto à p.i. e de fls. 74 a 75 do p.a.); 11. Por ofício de 13.10.2017 foi o A. notificado da decisão que antecede (cfr. de fls. 76 do p.a.).

Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se nos articulados das partes e nos documentos juntos aos autos e no p.a. conforme indicado em cada um dos pontos.

Não existem factos não provados com relevo para a decisão da causa.”.

* Nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, aditam-se os seguintes factos, com relevo para a decisão a proferir: 12. Em 18.3 e 26.7.2017 a CRC emitiu Certificado(s) de Registo Criminal em nome do aqui Autor, onde além de constar informação sobre o crime e a condenação, referidos em 2. e 8., constam ainda a prática e condenação do Autor por dois crimes, ambos de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 (moldura penal de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias) do Decreto-Lei 2/98, de 03/01, respetivamente, nos...

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