Acórdão nº 1157/19.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Novembro de 2019
Magistrado Responsável | DORA LUCAS NETO |
Data da Resolução | 21 de Novembro de 2019 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, de 07.08.2019, que julgou a ação procedente e anulou a decisão da sua Diretora Nacional, que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional formulado por A......, e determinou a sua transferência para Itália.
As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: «(…) 1- Resulta evidente que o Tribunal a quo na sua ponderação e julgamento do caso sub judice, e refutando a decisão do recorrente, não deu cumprimento às normas legais vigentes em matéria de asilo, mormente no que respeita ao mecanismo da Retoma a Cargo, ao qual a Itália está vinculada; 2- In casu, não existe qualquer preterição, designadamente quanto ao referido relatório a que atenta o art.° 17° da Lei 27/2008, porquanto, à situação vertente não se aplicam os trâmites procedimentais (comuns) do pedido de proteção internacional previstos na Secção 1 do capítulo III da lei de asilo, entre as quais o art.° 17°; 3- Ao invés, é-lhe aplicado o disposto no art.° 36° e ss. ou seja, as disposições do Capítulo IV da citada lei, que regem sobre o procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional; 4- O ora recorrente deu início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertencia à Itália (cf. art.° 18°, n.° 1 b) do citado Regulamento (UE) 604/2013 e art.° 37°, n° 1 da Lei n.° 27/2008 (Lei de Asilo)), impondo a lei como consequência imediata (vinculada) que fosse proferido o acto de inadmissibilidade e de transferência; 5- De harmonia com o art.° 18,° n° 1, b) do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e o art.° 37°, n° 1 da Lei de Asilo, a ora recorrente procedeu à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, procedimento regido pelo art.° 36° e seguintes da Lei 27/2008, de 30 de junho (Lei de Asilo), , tendo, no âmbito do mesmo sido apresentado, aos 13/12/2018, pedido de retoma a cargo às autoridades italianas, o qual foi tacitamente aceite, atento o estatuído no n° 2 do artigo 25° do referido Regulamento Dublin.
6- Consequente e vinculadamente, por despacho da Diretora Nacional do ora recorrente proferido aos 20/05/2019, nos termos dos art°s 19°-A, n° 1, a) e 37° n° 2 da citada lei, foi o pedido considerado inadmissível e determinada a transferência do requerente para Itália, Estado-Membro responsável pela análise do pedido de Asilo nos termos do citado regulamento, motivo pelo qual o Estado português se torna apenas responsável pela execução da transferência nos termos dos art°s 29° e 30° do Regulamento de Dublin; 7- "Estamos, portanto, perante um ato estritamente vinculado, sendo que a validade dos atos praticados no exercício de poderes vinculados tem de ser feita em função dos pressupostos de facto e de direito fixados por lei, ou seja pela confrontação da factualidade dada como provada com a consequência jurídica imediatamente derivada da lei (...) é a própria Lei n° 27/2008, de 30 de Junho, que no seu artigo 37.°, n.° 2, lhe impunha a atuação levada a efeito " (cf. Acórdão do TCA SUL de 19/01/2012, proc. n° 08319/11); 8- Com a devida Vénia, afigura-se ao recorrente que a Sentença, ora objeto de recurso, carece de fundamentação legal, porquanto não logrou fazer a melhor interpretação do regime que regula os critérios de determinação do estado membro responsável, em conformidade com o Regulamento (EU)que o hospeda.
9- Na verdade, não pode o ora recorrente aceitar o veredicto plasmado na Sentença que considerou boa a tese do recorrido (Autor).
10- Estamos perante um procedimento em que o Estado Membro responsável já estava determinado, sendo este Estado a Itália, Estado onde foi apresentado o pedido de proteção internacional pela primeira vez. Ao deslocar-se para Portugal, cabe às autoridades portuguesas, ora Recorrente, aplicar vinculadamente as regras da retoma a cargo, previstas no artigo 23° do Regulamento (UE) n° 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de julho, e ao Estado italiano cumprir com as obrigações previstas no artigo 18°, do mesmo Regulamento.
11- Estatui a alínea a) do n° 1 do art.° 19°-A da Lei 27/2008, de 30 de junho. que "O pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV".
12- Sob a epígrafe «Procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional”, o capítulo IV estabelece no art.° 36° que "quando haja lugar à determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de proteção internacional é organizado um procedimento especial regulado no presente capítulo”.
13- Quer isto dizer que, recebido o pedido de Proteção Internacional e verificando que, nos termos do n° 1 do art.° 37°, "a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado membro" as autoridades portuguesas, em conformidade com o legalmente estabelecido, iniciam um "procedimento especial ", de acordo com o previsto no Regulamento (EU) n° 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho”; 14- Nesse sentido e em sede de garantias dos requerentes, o regulamento Dublin vem estabelecer no art.° 4° o Direito à informação e, no art.° 5°, a realização de uma Entrevista pessoal "Afim de facilitar o processo de determinação do Estado-membro responsável (...). A entrevista deve permitir, além disso, que o requerente compreenda devidamente as informações que lhe são facultadas nos termos do art.° 4°."; 15- No caso em escrutínio, e em cumprimento do disposto no art.° 5.° do Regulamento 604/2013 (Regulamento Dublin) ex vi art.° 36.°, n.° 1 da Lei 27/2008, a 17/05/2019, foi realizada entrevista pessoal ao requerente (cf. pág. 52 a 60 do PA) que deu origem ao respetivo Relatório; 16- A Entidade Demandada, ora Recorrente, observou as exigências previstas no artigo 5° do Regulamento supra mencionado, tendo realizado, antes da decisão que determinou a transferência, uma entrevista pessoal com o requerente, ora Autor e, bem assim, elaborado um resumo escrito, através de relatório/formulário, do qual constam as principais informações facultadas pelo requerente; 17- Por outro lado, no âmbito desta entrevista, o requerente foi informado da aplicação do referido Regulamento quanto aos critérios de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional que formulou, tendo-lhe sido facultada a possibilidade de pronuncia quanto à eventual decisão de retoma a cargo a proferir pelo Estado onde o pedido foi apresentado, bem como alegar elementos suscetíveis de afastar a aplicação dos critérios de responsabilidade e, consequentemente, a sua transferência para Itália; 18- No âmbito do Procedimento Especial previsto no Capítulo IV da Lei de Asilo (artigos 36.° a 40.°) relativo à determinação do Estado-membro responsável pela análise do pedido, na medida em que não se vai analisar o mérito do pedido nem os fundamentos em que se baseiam a pretensão do requerente, não se impõe à Administração que adotasse quaisquer outras diligências de prova ou de instrução do pedido; 19- Não é aplicável o disposto no art.° 17° n° 2 da lei do Asilo, afastada pela certeza "especial" do procedimento plasmado no art.° 36° e ss. da referida Lei, tal como se comprova no n° 7 do art.° 37°, que estipula que: "em caso de resposta negativa do Estado requerido ao pedido formulado pelo SEF, nos termos do n° 1 observar-se-á o disposto no capítulo III".
20- A tramitação do procedimento de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional obedece a regras de procedimento diferente, que são as estabelecidas pelo Regulamento (EU) n° 604/2013, do parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho (Regulamento Dublin). In casu, a Itália aceitou tacitamente a retoma a cargo, o que afasta decisivamente a aplicabilidade das normas do capítulo III (e de todas as suas normas), à situação vertente.
21- A matéria relativa à audição do interessado relativamente às decisões de inadmissibilidade do pedido de proteção Internacional e transferência de um requerente de proteção internacional, proferidas na sequência de uma decisão de aceitação de retoma a cargo por parte de um outro Estado-Membro, encontra-se regulada no art.° 5°, do Regulamento (UE) n.° 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013. II — Nesse art.° 5°, do Regulamento (UE) n.° 604/2013, não se encontra prevista a obrigação da autoridade nacional, e antes da prolação das decisões de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional e transferência de um requerente de proteção internacional, informar o interessado de que pretende considerar inadmissível o seu pedido e transferi-lo para outro Estado-Membro e comunicar-lhe os argumentos com que pretende fundamentar tais decisões.”- cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 18/10/2018, proc. 1177/18.4BELSB.
22 Aliás, também o STA, no acórdão de 11/01/2019, proferido no proc.° n° 538/18.3, argumentou, entre o mais, que "(...) também não procede a crítica à alegada preterição do direito de audição por as instâncias terem julgado acertadamente quando afirmaram que o procedimento ora em causa era especial - «determinação do Estado responsável» (arts. 36° e ss. da Lei n.° 27/208, de 30/6) - e nele se não prever uma audiência do requerente antes da decisão final («vide» o art.° 37°, n.° 2, do referido diploma).
23 Explicitando, o estado português só estaria obrigado a cumprir o estatuído no artigo 17° da Lei de Asilo, mormente os n°s 1 e 2, caso o pedido de...
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