Acórdão nº 672/19 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Novembro de 2019

Data13 Novembro 2019
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 672/2019

Processo n.º 773/19

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal de Contas, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o primeiro veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele tribunal no dia 29 de maio de 2019.

Em processo de julgamento de responsabilidade financeira tramitado na Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas (SRMTC), o ora recorrente foi condenado por sentença final, de que interpôs recurso, vindo depois, perante a prolação de decisão judicial posterior à sentença condenatória final (aquela proferida em 17 de janeiro de 2019), interpor um novo recurso contra a referida decisão posterior à sentença final, o qual foi objeto de despacho de não admissão datado de 8 de fevereiro de 2019, com fundamento em inadmissibilidade do recurso.

Desta decisão de não admissão do recurso deduziu então o demandado reclamação para o Plenário da 3.ª Secção do Tribunal de Contas, ao abrigo do disposto no artigo 643.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do disposto artigo 80.º da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto (Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas – LOPTC), expressando a sua pretensão de que aquele recurso de decisão posterior à sentença final fosse admitido.

2. A reclamação deduzida pelo recorrente para o Plenário da 3.ª Secção do Tribunal de Contas apresenta o seguinte conteúdo:

«No entender do reclamante a não admissão do recurso em causa constitui uma restrição de direito que a CRP não consente e que, em consequência, inconstitucionaliza, por via da interpretação adotada, o nº 3., do artº 96º da LOPTC, por violação do artº 20º da CRP, inconstitucionalidade que para todos os efeitos se suscita.

O Meritíssimo Juiz "a quo", não obstante estar em causa componentes sancionatórias com graves consequências para o reclamante e contrariando todas as regras das garantias constitucionais, do acesso ao Direito e da maior amplitude na admissibilidade dos recursos, entendeu, não ser admissível o recurso interposto.

Tal dever-se-á ao facto do nº 3., do artº 96º da LOPTC ter passado a falar em "sentença" e não já em "decisão final".

Como é óbvio, a decisão final de toda e qualquer questão ou incidente, subsequente ao que se possa ter por sentença, constituirá, de per si, para efeitos de recurso, ela própria, também sentença.

Aliás, o artº 644º, nº 2., alínea g) do CPCivil admite recurso das decisões proferidas depois da decisão final, como não pode deixar de ser.

Ora, sendo o nº 3., do artº 96º da LOPTC omisso quanto ao recurso das decisões subsequentes à sentença ou decisão final e quanto aos procedimentos executivos ou pré executivos, é óbvio que se tem de aplicar supletivamente o Código de Processo civil, ex vi do artº 80º da LOPTC.

A este propósito, permitimo-nos reproduzir aqui o que, no respeitante ao direito de recurso, refere o Dr. António Cluny:

"Quando se diz no nº 3 do artigo 96º da LOPTC que, no processo de responsabilidade financeira, só há recurso da decisão final, importa perceber exatamente do que estamos a faiar.

Na verdade, isso não pode significar que nenhuma das decisões anteriores possa ser questionada.

Com efeito, muitas dessas decisões produzem efeitos diretos no sentido que a decisão final vem a assumir. Por esse motivo, o que o artigo pretende dizer é que elas só podem ser impugnadas aquando do recurso da decisão final e se esse recurso vier a ser interposto.

Por fim, por decisão final deve entender-se aquela que, em qualquer momento da lide, relativamente a uma das partes, põe fim ao processo que pode, aliás, nada ter a ver com aquela que afeta, diretamente, a parte que tem interesse em recorrer".

Não se ignora que, na redação atual do nº 3 do artº 96º das LOPTC, faia- se em "sentença", mas o certo é que se lhe retirou a expressão "final".

Todavia, o nº 5., do artº 97º da mesma Lei, continua a falar-se de "decisões finais" (e com certeza que o Mº Pº poderá recorrer de decisões absolutórias).

A ideia, aliás, do duplo grau de jurisdição, segundo o entendimento garantístico mais conforme ao Estado de Direito Democrático, tem acolhimento constitucional desde a Revisão de 1997.

Isto significa que qualquer interpretação do art° 96° n° 3., da LOPTC que exclua o direito de recurso, inconstitucionaliza aquela disposição, por manifesta violação dos artºs 20º e 210º da CRP, inconstitucionalidade que para todos os legais efeitos se suscita.

Segundo Jorge Miranda a Constituição hoje, pela conjugação daquelas disposições consagra «um genérico direito de recorrer dos atos jurisdicionais, cujo preciso conteúdo pode ser traçado pelo legislador ordinário, com maior ou menor amplitude».

O que não pode é haver exclusão do direito de recurso!

Em idêntico sentido veja-se Rita Serra que refere:

"Na sequência do que se disse anteriormente, foi com a Revisão Constitucional de 1997 que se passou a consagrar expressamente o direito de recorrer. Antes desta reforma, questionavam-se os limites ao recurso em matéria de facto. Por contraposição, temos hoje constitucionalmente garantido o direito a um duplo grau de jurisdição, pondo cobro a questões de facto e de direito. Facilmente se conclui pela consagração do direito fundamental ao recurso, estando previsto em todas as formas de processo".

Aliás, é ainda o Prof. Jorge Miranda que lembra o seguinte:

"O direito de recurso - à semelhança, aliás, do direito de reclamação do despacho que não admita o recurso - constitui, inclusivamente, em coerência com a relevância dos direitos processuais no sistema de direitos fundamentais consagrado constitucionalmente, um direito fundamental".

Claro que o recurso interposto respeita a despacho - o despacho recorrido - o qual, no tocante à questão suscitada e que dele foi objeto, constitui, de per si, sentença (ou decisão final), no sentido que o respeitadíssimo Dr. António Cluny define e relativamente ao que, a GRP consagra o princípio do duplo grau de jurisdição, ou seja, do direito de recurso, como integrante do núcleo essencial do direito de Acesso à Justiça, previsto no artº 20º da GRP.

Termos em que a presente reclamação deve ser atendida e, em consequência, ordenada admissão do recurso interposto, com todas as legais consequências.»

3. O referido acórdão do Tribunal de Contas de 29 de maio de 2019 indeferiu a reclamação deduzida pelo recorrente, que, inconformado, vem então interpor recurso desse...

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