Acórdão nº 01306/06.0BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução07 de Novembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: 1. RELATÓRIO A…………..

e marido B……………, residentes no …………, ……., …….., Casa ……….., Porto, intentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF), a presente acção administrativa comum de responsabilidade civil contra o MUNICÍPIO DO ………..

, C…………COMPANHIA DE SEGURANÇA, LDA., D…………., E…………….

e F………… todos devidamente identificados nos autos, pedindo “a condenação destes no pagamento da quantia de 160.000,00€, a título de responsabilidade civil extracontratual, sendo 30.000,00€ pela perda do direito à vida do seu filho G……….., 10.000,00€ pelos danos morais por ele sofridos, e 100.000,00€ pelo danos patrimoniais por ele sofridos, e 10.000,00€ pelos danos morais sofridos por cada um dos autores”.

*Nestes autos, foram admitidas as intervenções, a título acessório, de H……………– COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

e I……………- COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., (……………, sucursal em Portugal)*Por sentença do TAF do Porto, proferida em 25 de Maio de 2018 foi julgada a acção improcedente, e, em consequência, absolvendo-se os demandados dos pedidos.

*Os Autores apelaram para o TCA Norte e este, por decisão datada de 15 de Fevereiro de 2019, negou provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

*Os AUTORES, inconformados, vieram interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: “1.

Como se diz no Acórdão recorrido, a responsabilidade civil do Estado e das demais pessoas colectivas públicas, no domínio dos actos de gestão pública rege-se pelo disposto no DL nº 48.051, de 21/11/1967, e os seus pressupostos são: o facto, comportamento activo ou omissivo voluntário; a ilicitude; a culpa; a existência de um dano; e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, segundo a teoria da causalidade adequada.

  1. Como se diz no Acórdão recorrido, este tipo de responsabilidade corresponde, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que tem consagração legal no art. 483º do CC.

  2. Como se diz no Acórdão recorrido, não obstante, aqui, o conceito de ilicitude é mais amplo, pois abrange, nos termos do art. 6º do DL nº 48.051, de 21 de Novembro de 1967, a violação das regras de ordem técnica e de prudência comum.

  3. O que tudo é adequado, no caso, pois o que está em causa é, exactamente, a responsabilidade civil de um Município e da empresa a quem esse entregou a vigilância de um imóvel de sua propriedade, a quem os Recorrentes imputam, exactamente, a violação das regras de prudência comum.

  4. Como se diz no Acórdão recorrido, agir com culpa significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou a censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo.

  5. O que é adequado, pois, o que afirmaram os Recorrentes nos autos foi que a conduta dos Recorridos é censurável e que estes podiam e deviam ter agido de outro modo.

  6. Como se diz no Acórdão recorrido, é jurisprudência firme e reiterada que à responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos é aplicável a presunção de culpa prevista no art. 493º, nº 1, do CC, decorrente da propriedade de coisas.

  7. Também como aí se diz, este regime radica nas seguintes razões: 1ª – nas regras de experiência comum, segundo as quais normalmente os danos provocados por coisas procedem de falta de adequada vigilância; 2ª – na necessidade de acautelar o direito de indemnização do lesado contra a extrema dificuldade de provar, neste tipo de casos, os factos negativos que consubstanciam a violação do dever objectivo de cuidado; 3ª na conveniência de estimular o cumprimento dos deveres de vigilância que recaem sobre o detentor da coisa.

  8. Ainda como aí se diz, é pacífico o entendimento de que, por beneficiar dessa presunção, o autor só tem que demonstrar a realidade dos factos causais que servem de base àquela para que se dê como provada a culpa do réu, cabendo a este ilidir a presunção (artigos 349º e 350º, nºs 1 e 2 do Código Civil).

  9. E, também como aí se diz, a ilisão de uma presunção (iuris tantum) só é feita com a prova do contrário, não sendo bastante a mera contraprova.

  10. O que, tudo, é adequado pois, exactamente, o fundamento legal para a responsabilização dos Recorridos não é outro senão o do art. 493º, nº 1 do CC.

  11. Agora ao contrário do que se diz no Acórdão recorrido, e como é jurisprudência unânime, a presunção de culpa do art. 493º, nº 1 do CC, é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude.

  12. Sendo que essa ilicitude consiste na violação do dever de vigilância da coisa de que se é proprietário, possuidor ou detentor, que não de qualquer dever de auxílio.

  13. E a omissão do dever de auxílio constituiu causa de pedir na presente acção, sim, mas quanto aos RR., D…………, E…………….. e F…………., os quais foram absolvidos pela sentença de 1ª Instância, sendo que, nessa parte, a mesma não foi objecto de recurso e, portanto, transitou em julgado, por entenderem os Recorrentes, que, efectivamente, se não provaram os inerentes factos.

  14. Quanto aos Recorridos, a causa de pedir é constituída pela violação ou cumprimento defeituoso do dever de vigilância da coisa imóvel – lago do parque da cidade – propriedade do Recorrido Município e que, por contrato com este, estava cometido à Recorrida C……………, e, bem assim, pela violação, por ambos, das regras de prudência comum.

  15. Se é certo que, como se diz no Acórdão recorrido, a causa da morte do G………….. não resulta de nenhuma omissão do dever de auxílio por parte dos comissários da C…………….., empresa que assegurava a segurança do Parque da Cidade, no contexto referido, a questão é absolutamente irrelevante.

  16. Mas, no rigor, o que quanto a esses comissários aceitaram os Recorrentes foi o que se escreveu na sentença de 1ª Instância a propósito dos RR. D………….., E……….. e F……………, isto é, que não se provou a omissão do dever de auxílio por banda destes, ou seja, que não se provou a ilicitude da sua actuação.

  17. Nos termos do art. 491º, do CC, invocados e transcritos no Acórdão recorrido, “as pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido”.

  18. Se os danos são sofridos pelo próprio menor a vigiar, evidentemente, não são sofridos por terceiro e, logo, inelutavelmente, é flagrantemente inaplicável, por falta de verificação da respectiva previsão, o normativo legal invocado no Acórdão recorrido.

  19. Quanto à questão da imputabilidade, aceita-se que o menor falecido não seja presumido inimputável nos termos do art. 488º, nº 2 do CC, e aceita-se igualmente que nada se alegou nem demonstrou no sentido da sua concreta inimputabilidade, o que o mesmo é dizer que se aceita a imputabilidade.

  20. Diz-se no Acórdão recorrido que “a morte do menor deveu-se a um comportamento ilícito e culposo do próprio menor, que foi causa adequada da sua morte”, mas aí não se diz que a morte do menor se tenha devido exclusivamente ao comportamento do menor e nem que esse comportamento foi a única causa adequada dessa morte.

  21. Aceitando a imputabilidade há que aceitar que o comportamento do menor concorreu para a sua morte.

  22. Mas a verdade, por um lado, é que não se pode dizer que esse comportamento tenha sido ilícito e culposo.

  23. A conclusão do Acórdão recorrido de que o lago existe há muito tempo com as características que apresentava à data da morte do menor não tem apoio na matéria de facto tal como aí elencada.

  24. Mas, se isso se pretende reportar à existência de lodo e consequente falta de visibilidade, isso não é característica, mas, antes, deficiente manutenção, sendo que características são as suas dimensões – cfr. ponto 4. do elenco factual – a sua profundidade e a existência de uma plataforma de “segurança” – cfr. ponto 36. do elenco factual.

  25. De todo o modo, sabe-se que o nível de lodo e de ausência de visibilidade só é realmente perceptível já dentro do próprio lago, como resulta do que se verificou com a única pessoa que tentou salvar o G…………. – cfr. ponto 14. do elenco factual.

  26. De acordo com o Acórdão recorrido, o facto ilícito do falecido menor terá consistido na violação da proibição de nadar contida na placa colocada na margem do lago.

  27. E, efectivamente, como se vê dos articulados, em nenhuma outra circunstância alguma vez se fundou a proibição de nadar no lago em que o G………….. se afogou.

  28. Só que diz o Acórdão que essa placa poderia não estar visível.

  29. E, efectivamente, como resulta do ponto 40. do elenco factual do Acórdão recorrido, a placa é aquela que se mostra nas fotografias que constituem os docs. nºs 2 a 4 juntos com a p. i..

  30. Destas se vê que a dimensão da placa é extremamente reduzida para a dimensão do lago e destas se vê, também, que, para além dessa circunstância, está a mesma placa quase totalmente coberta por vegetação, pelo que só por mero acaso poderia vê-la alguém que – como o falecido G………….. - estivesse a jogar à bola ao pé do lago.

  31. As dúvidas do Tribunal a quo não são de todo irrelevantes.

  32. Se a ilicitude do comportamento do menor consiste na desobediência da proibição de nadar, se esta proibição apenas decorre da existência de uma placa em que essa proibição se encontra inscrita, se esta placa é muito dificilmente visível, e se, em concreto, nada no elenco factual do Acórdão recorrido existe – como não existe – que permita concluir que o falecido viu essa placa, então, pura e simplesmente, não há violação de qualquer proibição de nadar.

  33. Logo, não há ilicitude.

  34. Ou, no limite, não há qualquer consciência da ilicitude.

  35. O que é causa de exclusão da culpa, nos termos do art. 17º do CP, que tem que servir de elemento interpretativo, nos termos do art. 9º, nº 1 do CC, da...

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