Acórdão nº 0601/18.0BELRA-S1 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução07 de Novembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.

A…………….., SA

[doravante «A.

], devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria [doravante «TAF/L»] a presente ação administrativa urgente de contencioso pré-contratual nos termos dos arts. 100.º e segs. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA - na redação que lhe foi introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02.10 - cfr. seu art. 15.º - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos deste Código sem expressa referência em contrário] contra «ÁGUAS DO CENTRO LITORAL, SA» [doravante «R.

] e a contrainteressada «B…………., LDA.» [doravante «Contrainteressada»], nos termos e com a motivação aduzida na petição inicial de fls. 01/1255 e requerimento de ampliação de fls. 1272/1288 dos autos [paginação «SITAF» - tal como as ulteriores referências à mesma sem expressa menção em contrário], impugnando o ato de adjudicação do lote n.º 01 «Gestão de Lamas Desidratadas do Centro Operacional da Ria Norte» respeitante ao concurso público para «aquisição de serviços de gestão de lamas desidratadas» publicitado pelo anúncio de procedimento n.º 7315/2017 publicado na parte «L - Contratos públicos» do DR II Série n.º 165, de 28.08.2017, peticionando a sua anulação.

2.

O «TAF/L», por decisão de 26.02.2019 [cfr. fls. 1613/1628], julgou totalmente procedente o incidente deduzido pela R. de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no art. 103.º-A, n.º 1, do CPTA.

3.

A A., inconformada, interpôs então recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul [doravante «TCA/S»], o qual, por acórdão de 09.05.2019 [cfr. fls. 1802/1828], concedeu provimento ao recurso e revogou a decisão recorrida, julgando «improcedente o pedido formulado … para que seja levantado o efeito suspensivo automático do ato de adjudicação».

4.

Invocando o disposto no art. 150.º, n.º 1, do CPTA, a R., agora inconformada com o acórdão proferido pelo «TCA/S», interpôs o presente recurso de revista, produzindo alegações [cfr. fls. 1839 e segs.

], com o seguinte quadro conclusivo que se reproduz: «… X.

O Acórdão recorrido revogou a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que ordenou o levantamento do efeito suspensivo automático, concluindo, por um lado, que não estavam verificados os pressupostos para aquele levantamento, e por outro, que a Recorrente não alegou que os danos que resultam da manutenção do efeito suspensivo são superiores aos que resultam do seu levantamento.

XI.

E tais conclusões assentam no entendimento do Tribunal a quo de que, era possível à Recorrente lançar mão de uma solução temporária, que não passe pela gestão das lamas nos termos contratados, mas pela aplicação do previsto na alínea b) do artigo 3.º do Decreto-lei n.º 178/2006 de 5 de setembro, solução que a Recorrente, alegadamente, não demonstrou ser impossível.

XII.

Tal fundamento é, no entanto, absolutamente contraditório com o disposto no próprio do Acórdão quanto à alteração da matéria de facto propugnada pela Recorrida, porquanto o TCAS decidiu improcedendo o pedido da aqui Recorrida no sentido de julgar provado que era possível proceder ao armazenamento temporário das lamas incluídas no Lote 1, até decisão final dos autos com recurso a um Operador de Resíduos.

XIII.

Ou seja, por um lado, o TCAS decidiu que não pode resultar provado nos autos que os Operadores de Resíduos indicados pela Recorrida possam proceder ao armazenamento temporário das lamas até decisão final, e por outro, entende que não existe grave prejuízo para o interesse público na manutenção do efeito suspensivo automático, porque pode a Recorrente lançar mão desta armazenagem.

XIV.

Note-se ainda que, o TCAS por diversas vezes refere - incluindo na decisão - que as ETAR’s de tratamento de águas residuais estão sob o controlo da aqui Recorrida A…….

, o que é falso, e só demonstra que, tecnicamente, não conseguiu aquele Tribunal alcançar qual o papel da Recorrente no tratamento das águas residuais, como se processa aquele tratamento, o que resulta do mesmo e o que implica não ter um contrato de gestão de lamas vigente, e a ausência de interesse particular a ponderar, da aqui Recorrida.

XV.

Assim, é inegável que o tratamento de uma questão de tão vital importância como a dos autos não é compatível com o “juízo/ponderação” realizado pelo TCAS refletido num Acórdão generoso em falácias de raciocínio, confusão de conceitos técnicos, e desconhecimento de questões de extrema relevância, que o tornaram obscuro e contraditório, e por isso anulável nos termos legais.

XVI.

Se é verdade que, no âmbito do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático e nos termos daquele dispositivo legal, cabe à Recorrente provar o grave prejuízo para o interesse público que resulta do efeito suspensivo do ato de adjudicação, e ainda que, no juízo de ponderação de interesses em causa, resulta um dano superior na manutenção do efeito suspensivo do ato, do que o dano que resulta do seu levantamento, certo é que tais requisitos foram cumpridos pela Recorrente.

XVII.

E nesse sentido, demonstrou a Recorrente que a inexistência de um contrato válido para a gestão das lamas, implica a interrupção do adequado tratamento das águas que é contínuo, o que provocaria a descarga dos efluentes no meio hídrico sem o devido tratamento e originaria graves problemas para o ambiente e para a saúde pública.

XVIII.

E provou a Recorrente que os prejuízos que adviriam da manutenção da suspensão do ato são superiores aos interesses da manutenção do efeito suspensivo, porquanto, a manter-se a suspensão, a Recorrente teria de lançar mão da celebração de um contrato ad hoc para a gestão das lamas, classificadas como resíduos não perigosos nos termos da lei.

XIX.

E tal contrato não afastaria ou sequer evitaria os presumíveis (e meramente hipotético) danos que da execução do contrato pudessem resultar - ou seja, os danos para o ambiente relativos ao tratamento de resíduos alegadamente perigosos, como sendo não perigosos -, e, pelo contrário, implicaria ainda um prejuízo económico-financeiro para o erário público de mais de € 42.673,50, resultante do aumento do preço em 41%, em face do valor do Concurso Público.

XX.

Sucede ainda que, ao contrário do que resulta do Acórdão recorrido, não era exigível à Recorrente, nos termos do disposto no artigo 103.º-A número 2 e 4 do CPTA, demonstrar que os danos particulares que resultariam para a Recorrida do levantamento do efeito suspensivo tinham uma maior preponderância para o interesse público.

XXI.

Porque nenhum dano existe ou poderá existir para a Recorrida pois esta não apresentou sequer proposta no Concurso Público Internacional.

XXII.

E tão-pouco era exigível à Recorrente demonstrar a impossibilidade de lançar mão de uma qualquer alternativa contratual ao levantamento do efeito suspensivo do contrato.

XXIII.

O TCAS revogou a decisão do Tribunal de 1.ª instância por considerar que aquele não poderia ter decidido pelo levantamento do efeito suspensivo, por a Recorrente não ter demonstrado a impossibilidade de lançar mão de outra alternativa, designadamente o armazenamento temporário e provisório, até decisão da ação, mas tal ónus não encontra qualquer respaldo legal.

XXIV.

Porquanto, a avaliação que é feita quanto aos danos resultantes da manutenção ou do levantamento do efeito suspensivo, faz-se por referência ao contrato em apreço que fora celebrado, e não da contratação alternativa, porque a assim ser, teria a Recorrente de imaginar um sem número de alternativas e identificar a inviabilidade de todas elas, ainda que não tivessem qualquer correspondência com a sua iniciativa contratual e com as suas concretas necessidades.

XXV.

E tal ónus não era exigível à Recorrente nos termos daquela disposição legal, sendo por isso necessária a intervenção deste Supremo Tribunal no sentido de corrigir a ilegalidade da exigência da demonstração de tal factualidade.

XXVI.

É certo que o ónus da prova quanto aos pressupostos de que depende o levantamento do efeito suspensivo incumbe à Recorrente, mas tal facto não pode significar, sob pena de esvaziar de conteúdo este escopo normativo, a obrigação de alegar e demonstrar que todas as opções existentes no âmbito da contratação pública são impossíveis.

XXVII.

O TCAS fundamentou também a sua decisão de revogar a decisão de levantamento do efeito suspensivo automático, na existência da possibilidade da Recorrente lançar mão do recurso à armazenagem prevista na alínea b) do artigo 3.º do Decreto-lei 178/2006, de 5 de setembro, que segundo o Tribunal, permitiria o “abrigo” das lamas de forma temporária, até decisão da causa.

XXVIII.

No entanto, não poderia o Tribunal ter-se debruçado sobre tal tema, na medida em que tal matéria não foi discutida em primeira instância, tendo apenas se debatido a questão relativa ao recurso à armazenagem preliminar, prevista na alínea c) do mesmo artigo 3.º do Decreto-lei 178/2006, de 5 de setembro, que implica a deposição das lamas no próprio local de produção, que resultou provado não ser possível.

XXIX.

E não é possível porque, como resulta dos factos provados n.ºs 4 e 5, a produção de lamas é contínua e as instalações da Recorrente só têm capacidade para 2/3 dias de produção.

XXX.

O recurso à Armazenagem nos termos da alínea b) do artigo 3.º do Decreto-Lei 178/2006 só foi aventada em sede de recurso, e por isso não poderia ter sido apreciada no Acórdão recorrido que está assim ferido de nulidade por excesso de pronúncia.

XXXI.

Além disso, nunca poderia haver aqui lugar ao armazenamento temporário com recurso há contratação de um operador de resíduos, como forma alternativa ao levantamento do efeito suspensivo, sem a produção de iguais danos, hipoteticamente resultantes do levantamento daquele efeito.

XXXII.

A “armazenagem” definida na alínea b) do artigo 3.º...

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