Acórdão nº 6135/17.3T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Outubro de 2019
Magistrado Responsável | EDUARDO AZEVEDO |
Data da Resolução | 24 de Outubro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães Neste processo especial emergente de acidente de trabalho é sinistrado B. G., seguradora “X Portugal – Companhia de Seguros, Sa e entidade patronal Y – Desperdícios, Lda.
O sinistrado pediu a condenação das Rés a pagarem: a) 3.659,33€, a título de indemnização por incapacidade temporária; b) a pensão anual, de remição obrigatória, no valor de 788,49€; c) 20,00€ em despesas de transportes; e d) juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre todas as quantias em dívida.
Alegou, em síntese: foi vítima de acidente de trabalho no dia 06.01.2017, ao serviço da 2ª R, a qual transferiu a sua responsabilidade infortunistica para a 1ª R; e ficou com uma IPP de 12,4783%, As RR contestaram.
A 1ª R alegou, em súmula: o acidente ficou a dever-se ao sinistrado que violou as mais elementares normas de segurança; a 2ª R não fez qualquer comunicação à seguradora relativamente a agravamento do risco; por isso recusou assumir a responsabilidade pela regularização do sinistro; e poderá ter havido ainda actuação culposa da entidade empregadora.
A 2ª R, em síntese, que está excluído o direito à reparação dos danos sofridos por se ter violado as condições de segurança estabelecidas.
Foi proferido despacho saneador, altura em que se fixaram os factos assentes e os controvertidos.
Realizou-se audiência de julgamento, altura em que se decidiu a matéria de facto, e proferiu-se sentença decidindo-se: “3. Pelo exposto, julgando a acção procedente, considero o Autor afectado de uma IPP de 11,5%, desde 10/08/2017, e, consequentemente, condeno as Rés a pagar-lhe: a) o capital de remição da pensão anual e vitalícia no valor de 726,67 €, com início em 11/08/2017, sendo 695,92 € da responsabilidade da seguradora e 30,75 € da responsabilidade da entidade empregadora; b) a quantia de 3.659,77 €, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária absoluta e parcial, sendo 3.504,90 € da responsabilidade da seguradora e 154,87 € da responsabilidade da entidade empregadora; c) a quantia de 20,00 €, referente a despesas com transportes, a cargo da seguradora; e d) os juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, sobre os referidos montantes, a contar desde 11/08/2017, nos termos do disposto no artigo 135º do CPT.”.
A seguradora recorreu.
Conclusões: “1. A recorrente alegou, nos artigos 3º a 16º da sua contestação – que aqui se dão por integralmente reproduzidos, que se verificava “desconformidade contratual entre o risco transferido e o efectivamente verificado no momento da ocorrência”.
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Isso mesmo já tinha invocado na fase conciliatória, como resulta do auto de (não) conciliação de fls…: “(…) desconformidade contratual entre o risco transferido e o efectivamente verificado no momento da ocorrência do acidente, por o sinistro (…) não colher as garantias contratuais da apólice de seguro de acidentes de trabalho, desrespeitando o TS (tomador do seguro) o disposto nos artigos 24º, nº 1, 91º e 93º nº 1 da Lei do Contrato de Seguro”.
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A ré empregadora dedica-se ao comércio por grosso de vestuário, actividade essa que foi a única considerada aquando da celebração do contrato de seguro, tendo o trabalhador sinistrado sido contratado pela ré empregadora a termo certo, especificamente para a realização de obras de remodelação do edifício sede da ré empregadora, por este se encontrar bastante degradado.
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Isso mesmo consta da sentença no item b) dos factos dados como provados: “o Autor havia sido contratado pela 2ª Ré, para a realização de obras de manutenção do edifício sede da Ré empregadora, por este se encontrar bastante degradado.” 5. A actividade de construção civil comporta um risco muito superior ao risco que comporta a actividade de comércio por grosso de vestuário, já que as tarefas próprias da construção civil são por natureza muito mais perigosas, exigem muito maior esforço físico, e sujeitam o trabalhador a muito maiores perigos para a sua integridade física.
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O artigo 24º da Lei do Contrato de Seguro (DL 72/2008), sob a epígrafe “declaração inicial do risco”, estipula no seu nº 1 que "o tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente tenha por significativas para a apreciação do risco pelo segurador”.
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Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 93º nº 1 do mesmo diploma legal, o tomador do seguro (no caso, a 2ª ré) deveria ter comunicado à seguradora o agravamento do risco no prazo de 14 dias após o conhecimento das respectivas circunstâncias - o que deveria ter ocorrido nos 14 dias seguintes ao da celebração do contrato de trabalho com o autor.
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Porém, a 2ª ré não fez qualquer comunicação à seguradora relativamente ao agravamento do risco.
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A 2ª ré agiu com o intuito de obter uma vantagem patrimonial, no caso, evitar o pagamento de um prémio superior, omitindo aquelas circunstâncias.
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Apesar de saber e não poder ignorar que a possibilidade de ocorrer um acidente era muito maior, em virtude dos maiores riscos inerentes às tarefas da construção civil, a 2ª ré conformou-se com esse resultado.
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A 2ª ré agiu assim com dolo, na modalidade de dolo eventual.
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Nestes casos, e nos termos do disposto no artigo 94º, nº 1 alínea c) do citado diploma legal, a seguradora "pode recusar a cobertura em caso de comportamento doloso do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, mantendo direito aos prémios vencidos".
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Na douta sentença, entendeu-se ser de aplicar, por analogia material à questão controvertida, a regra do nº 3 do artigo 79º da LAT – inoponibilidade ao lesado, considerando-se, como tal, que independentemente dos apontados vícios, a recorrente teria de satisfazer as prestações, sem prejuízo do direito de regresso sobre a tomadora do seguro.
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Contudo, no modesto entender da recorrente, a referida norma do nº 3 do artigo 79º da LAT reporta-se aos casos em que a actuação culposa do empregador tenha dado causa ao acidente, caso em que é indubitável a sua aplicação, não sendo oponível ao sinistrado.
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Porém, a hipótese dos autos não é propriamente essa: discute-se, não o comportamento culposo do empregador que tenha dado causa ao acidente, mas sim as declarações inexactas – a falta de comunicação da alteração do risco contratado – contendentes com a aplicação do disposto nos artigos 24º, nº 1, 91º e 93º nº 1 da Lei do Contrato de Seguro.
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Na primeira hipótese (acolhida na douta sentença recorrida por analogia material) justifica-se uma protecção especial ao trabalhador sinistrado, adoptando-se, face a uma atitude infratora das regras de segurança indiciadora de irresponsabilidade, o princípio da inoponibilidade e obrigando-se a seguradora a indemnizar, concedendo-lhe, contudo, o direito de regresso sobre a patronal, derrogando-se assim a Lei do Contrato de Seguro.
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No entanto, na hipótese trazida aos autos pela recorrente na sua contestação, trata-se de regular elementos próprios da formação do contrato que não interferem com as causas do acidente, que são portanto exteriores ao fenómeno infortunístico e nada têm a ver com a hipotética culpa do empregador na ocorrência do acidente – e, neste caso, é de afastar a inoponibilidade de tais vícios contratuais ao sinistrado, aplicando-se a Lei do Contrato de Seguro.
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A questão colocada contende, outrossim, com a falta de declaração de maior risco por parte do tomador do seguro, atenta a sua actividade normal de comércio por grosso de têxteis e atento o maior risco de ocorrência de acidentes na execução de trabalhos de construção civil por parte do trabalhador, não é oponível, por analogia, o disposto no artigo 79º, nº 3 da Lei de Acidentes de Trabalho, sendo, antes, aplicável o regime da Lei do Contrato de Seguro que não prevê qualquer inoponibilidade ao sinistrado.
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Deste modo, deveria a douta sentença, atentos os factos dados como provados nas alíneas b) e l), ter considerado operante a exclusão invocada pela seguradora, atento o disposto no artigo 94º, nº 1 alínea c) da LCS, absolvendo-a, por conseguinte, dos pedidos.
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Ainda que assim se não entendesse, sempre a douta sentença recorrida deveria debruçar-se sobre os aspectos relevantes para viabilizar o direito de regresso sobre a empregadora de que, nesse caso (no caso de se entender aplicável o artigo 79º nº 3 da LAT), a seguradora beneficiaria, e, nomeadamente, pronunciar-se em concreto sobre a modificação do risco, a falta de declaração da sua modificação por parte da tomadora, as consequências dessa falta e o seu enquadramento nas cláusulas do contrato e no regime geral da LCS, o que não se verificou.
Subsidiariamente, e para o caso de assim se não entender, 21. Entende a recorrente que se verifica responsabilidade do próprio sinistrado na ocorrência do acidente de trabalho, susceptível de excluir o direito à reparação, sendo que, in casu, se verificam as condições para a descaracterização do acidente de trabalho, em virtude da conduta temerária e até inexplicável do trabalhador, nos termos do disposto no artigo 14º da LAT.
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Para apreciação desta questão, releva o elenco dos factos provados sob as alíneas b), c), d), e), f) e g) da douta sentença recorrida, que aqui se dão por reproduzidos.
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Para sindicar se estão ou não preenchidos os requisitos previstos no artigo 14º supracitado torna-se necessário revisitar a prova gravada, em especial, o depoimento do trabalhador da entidade patronal P. J., apresentado nos autos como sendo o superior hierárquico do sinistrado, de resto, a única testemunha que chegou a ser ouvida, com efectivo conhecimento dos factos, uma vez que autor e ré patronal dispensaram toda a restante prova testemunhal.
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Da transcrição parcial do seu depoimento que a seguir se faculta, decorre com clareza que o comportamento do autor foi temerário e inexplicável, e que tal comportamento foi decisivo para a ocorrência do acidente ….
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Da revisitação do depoimento da testemunha P. J. extrai-se...
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