Acórdão nº 589/15.0JALRA-E.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução22 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1.

Nos autos de inquérito n.º 589/15.0JALRA, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Local Criminal de Tomar, foi proferido despacho em que a Senhora Juíza de instrução criminal decidiu indeferir o pedido formulado por MB, para revogação do despacho de apreensão de bens ao arguido NB, seu filho, bens alegadamente pertencentes à requerente e à sociedade "D…, Urbanização e Construção Civil, Unipessoal, Lda." Inconformada, recorreu a requerente, concluindo: “1ª O presente recurso vem interposto da segunda Decisão, que indeferiu o pedido de revogação do despacho de apreensão de bens que pertencem à recorrente e consequente entrega /devolução.

  1. Dão-se por conhecidos todos os factos e documentos, em particular os juntos pela recorrente, constantes dos presentes autos, bem como se dão por conhecidos os trâmites e termos do presente processo, incluindo o anterior Acórdão do TRE.

  2. A decisão aqui em causa começa por fazer uma apreciação da legislação aplicável, a título de fundamento de direito e, de seguida, faz uma apreciação em "concreto" das apreensões efectuadas e dos hipotéticos factos que a justificam.

  3. Só podem ser objecto de apreensão os objectos que tenham servido a prática de um crime ou que constituam vantagens desse crime [art. 178º, do CPP).

  4. Para o efeito, têm de se indicar e sindicar os factos que demonstrem que os objectos tenham servido a prática de um crime ou facto que demonstrem serem os objectos apreendidos uma vantagem do crime.

  5. Acontece que, o Tribunal “a quo” não faz uma descrição dos factos que sustentam a sua decisão, mas somente alegadas justificações e hipóteses para eventuais factos.

  6. Lendo com atenção o despacho aqui em crise, não se vislumbram factos que possam sustentar as apreensões.

  7. Na verdade, o processo principal está ainda na fase de inquérito, pelo que, contra o arguido NB, só existem indícios de ter praticado crimes de burla qualificada e de associação criminosa, segundo o Ministério Público.

  8. A recorrente desconhece se assim ocorre e não tem obrigação de conhecer.

  9. Os factos imputados aos arguidos e indiciariamente ao arguido NB, vão desde finais de 2015 até ao dia 13 de Dezembro de 2018, como consta dos autos principais.

  10. No que diz respeito ao veículo automóvel e às televisões, consta no despacho recorrido que estes bens estavam na posse do arguido NB, o que "inculca a probabilidade elevada de terem sido comprados com os proventos da actividade ilícita analisas nos autos".

  11. Estas considerações de mera probabilidade do despacho recorrido são conclusões e não factos.

  12. Na verdade, o único facto é que os bens estavam na posse material (e não jurídica) do arguido NB.

  13. A posse jurídica destes bens pertence à recorrente, que é mãe do arguido, pelo que tem melhor posse do que o filho, porque titulada no direito de propriedade, como qualquer jurista sabe.

  14. No despacho recorrido não há factos Que permitam concluir pela elevada probabilidade de estes bens terem sido comprados com os proventos de qualquer actividade do arguido NB.

  15. Nem sequer consta no presente processo, nem nos autos principais, qualquer elemento de prova pelo qual se demonstre que o arguido NB tenha em concreto ganho qualquer tipo de proventos com os factos em investigação.

  16. E muito menos que o arguido NB tenha entregue à recorrente qualquer provento seu, legítimo ou ilegítimo.

  17. Antes pelo contrário, em 2018 era a recorrente quem estava a sustentar o arguido NB, por ser seu filho.

  18. Aliás, o Tribunal “a quo" reconhece que o veículo automóvel está registado em nome da recorrente, que as duas televisões e o computador foram adquiridas pela recorrente e que a documentação da sociedade D…, Lda. também pertence à recorrente.

  19. Estes são factos jurídicos estão consubstanciados em prova documental, que está junta aos autos, e o Tribunal “a quo" devia ter indicado os meios de prova para dar como provados estes factos, mas não o faz, porque teria de valorar estes factos na sua totalidade e plenitude, o que não fez.

  20. Na verdade, o veículo automóvel foi adquirido pela recorrente em 19/07/2017, pelo preço de 28.000,00 €, e foi pago contra a entrega de outro veículo automóvel da recorrente, ao qual foi atribuído o valor de retoma de 16.500,00 € e com a entrega de 11.500,00 € em dinheiro.

  21. Os 11.500,00 € em dinheiro foram pagos através do sinal de 1.000,00 € e de duas transferências bancárias, de 5.000,00 € e de 5.500,00 €, feitas respectivamente em 25/06/2017 e de 26/07/2017 da conta bancária sedeada na Caixa Geral de Depósitos em nome de MB.

  22. Por sua vez, o veículo automóvel dado de retoma, pelo valor de 16.500,00 €, tinha a matrícula -00-, era também um BMW e tinha sido adquirido pela recorrente em 2014.

  23. O veículo automóvel esteve em Lisboa até meados de 2018, na posse da recorrente, que aliás requereu na EMEL o selo de estacionamento para a freguesia do Areeiro, onde reside, que está no vidro da frente da viatura apreendida e que as autoridades judiciárias e o Tribunal podem verificar.

  24. Se os factos imputados aos arguidos, no processo principal, estão balizados entre 2015 e 2018, e se a aquisição do veículo automóvel pela recorrente, em 2017, foi feita com a retoma de outro veículo seu, adquirido em 2014, e com dinheiro que lhe pertence, então, jamais se pode concluir que o veículo automóvel foi adquirido com proventos de qualquer actividade ilícita alegadamente praticada pelo arguido NB.

  25. Em 2014, data de aquisição do veículo de retoma, não havia qualquer investigação de actividade alegadamente criminosa do arguido NB.

  26. Por outro lado, as duas televisões foram adquiridas pela recorrente em 28/07/2018, pelo preço de 880,00 € e 670,00 €, para a sua casa sita na Póvoa do Varzim.

  27. Também o computador portátil marca ASUS foi adquirido pela recorrente em 10/08/2018.

  28. Como se sabe, os factos indicados do processo principal vão desde 2015 até 13/12/2018, portanto, o computador foi adquirido pela recorrente muito próximo dos factos em investigação no processo principal e não é crível que tenha servido para qualquer crime.

  29. No entanto, a recorrente aceita que seja feita a perícia ao computador, contudo, finda essa perícia o computador tem de ser devolvido à recorrente.

  30. No que diz respeito à sociedade comercial D…, Lda., a mesma foi constituída em 01/10/2018, tendo como objecto social a promoção imobiliária (veja-se doc 9 do RI).

  31. O Tribunal "a quo" para justificar a apreensão dos documentos da sociedade comercial da recorrente, D…, Lda., considerou que "é provável que estivesse a utilizar (o arguido) a referida sociedade para, designadamente, praticar burlas".

  32. A sociedade D…, Lda. foi constituída em 1/10/2018, ou seja, muito próximo do dia 13/12/2018, pelo que, não podia ter sido usada para cometer crimes praticados entre 2015 e finais de 2018, porque nem sequer existia.

  33. Acresce que, esta sociedade tem como objecto social a promoção imobiliária, tem como única gerente a recorrente, que não é arguida no processo principal.

  34. No dia 26/10/2018 e no exercício da sua actividade, a D. adquiriu um apartamento, por escritura, sito no Largo…, Póvoa do Varzim, pelo valor de 210.000€ (ver doc. 13 do RI).

  35. Assim, desde a sua constituição a D…, Lda. estava a exercer a sua actividade normal e tem como gerente a recorrente, que não é arguida e não tem sequer registo criminal.

  36. Mais uma vez, estes factos não foram apreciados pelo Tribunal "a quo".

  37. Além disso, esta sociedade não consta dos autos principais como sendo um dos veículos para os indiciados crimes de burla ou de associação criminosa.

  38. O Tribunal "a quo" para justificar a apreensão dos documentos da D. serve-se de ilações e não de factos.

  39. Aliás, consta do despacho recorrido que "não há indícios de que que o arguido NB tenha realizado qualquer tarefa concreta na sociedade "D.", mas, contraditoriamente, conclui que "é provável que estivesse a utilizar a referida sociedade para, designadamente, praticar burlas".

  40. Com o devido respeito, estamos perante um paradoxo ou um oximoro, porque na mesma frase o Tribunal "a quo" reconhece que não há indícios de utilização pelo arguido da sociedade e, simultaneamente, entende que há probabilidade de a usar para praticar burlas.

  41. Tal raciocínio não é possível e não é aceitável, havendo claramente uma contradição entre os factos e os seus fundamentos, porque se não há indícios de o arguido utilizar em proveito próprio a sociedade, então, não a podia utilizar para praticar burlas.

  42. Assim, em face dos factos constantes dos autos, não pode manter-se a apreensão dos documentos da sociedade D... Lda.

  43. Por outro lado, e em desespero de justificação, consta no despacho recorrido que a "requerente não podia desconhecer o comportamento do arguido, seu filho, desde logo atendendo ao certificado de registo criminal do mesmo, situação que a mesma não esconde, ao fazer menção aos "desgostos" causados pelo seu filho e a "problemas com a justiça".

  44. Esta afirmação é no mínimo deselegante e no máximo uma falta de sensibilidade jurídica, porque nenhuma Mãe tem de assacar com as responsabilidades pessoais e criminais do filho.

  45. Concluir que a recorrente tem responsabilidades por ser Mãe é voltar ao tempo dos Romanos, em que os filhos pagavam pelos erros dos Pais e vice-versa.

  46. Esse conhecimento dos antecedentes criminais do filho não faz da recorrente criminosa e tal raciocínio tem de ser censurado.

  47. Aliás, esta afirmação do Tribunal "a quo" não tem qualquer esteio em factos e é uma afirmação proferida de forma abusiva.

  48. Por outro lado, a Senhora Juíza do Tribunal "a quo" tem a ousadia de concluir que a recorrente colocou estes bens em seu nome porque conhecia "dos antecedentes criminais do arguido e da sua actuação financeira, pretendendo, assim, proteger esses bens de eventuais credores".

  49. O Tribunal "a quo" não apresenta nenhuma prova que sustente esta sua conclusão.

  50. O Tribunal "a quo" nunca ouviu a recorrente, não a conhece...

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