Acórdão nº 0179/19.8BEPNF de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelJOAQUIM CONDESSO
Data da Resolução23 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃOX RELATÓRIO X"A…………, L.DA.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Penafiel, exarada a fls.479 a 489-verso do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal deduzida pelo reclamante/recorrente no âmbito do processo de execução fiscal nº.1830-2012/100035.7 e apensos, que corre seus termos no Serviço de Finanças de Paços de Ferreira, visando despacho que indeferiu o pedido de anulação de venda apresentado no espaço da mencionada execução.

XO recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.493 a 508 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões: 1-Os presentes autos evidenciam os factos e as postulações jurídicas primeiras próprias da concretude de qualquer caso jurídico, salientadas nos pontos 1.º a 18.º do parágrafo ou ponto 1 da fundamentação destas alegações e que se dão aqui por reproduzidas; 2-Desses factos resulta que a AT penhorou um prédio urbano, como se fosse um prédio rústico. E assim o descreveu no auto de penhora, nos anúncios da penhora e da venda e no auto e título da venda desse prédio. E como rústico entregou esse prédio ao Interveniente/Comprador; 3-Por essas razões nunca a reclamação podia ter sido dirimida (como foi) com base no disposto no art.º 257.º, 1, a) do CPPT, em articulação com o disposto no inciso no art.º 838.º, 1 do CPP, que diz que, após a venda em processo civil executivo, só “o comprador pode pedir” a anulação da venda quando há erro sobre o objecto transmitido, porque: i-o art.º 257.º, 1, a) do CPPT forma um sistema fechado sem qualquer lacuna (e por isso foi impertinente a convocação do aludido inciso do art.º 838.º, 1 do CPC).

ii-Não está em causa qualquer defeito ou limitação do objecto, nos termos previstos nos art.ºs 913.º e 905.º do CC (mas a inexistência física do objecto descrito em todos os documentos do processo de execução) – pois um prédio rústico, a mato, não é um prédio de rés-do-chão e andar e mais uma área de construção superior a 42 000 m2; 4-Às razões descritas na conclusão 3.ª acrescem as decorrentes da hipostasiação entre a Exequente e a Entidade Judicativa (em que a exequente é “juiz em causa própria”). Dessa situação decorrem especialíssimos e indiclináveis deveres para a AT, nomeadamente os deveres de diligência, zelo, rigor e imparcialidade, na prática de todos os actos de execução, de modo que, in casu, a Executada não fosse prejudicada nos seus justos interesses, que eram, muito especialmente, os interesses em que o bem penhorado fosse vendido pelo seu justo valor de modo que, tanto quanto possível, a dívida exequenda fosse integralmente satisfeita, e que o remanescente do produto da venda, que lhe pertence, fosse o mais elevado possível; 5-A AT violou ostensivamente tais deveres, consignados no art.º 266.º da Constituição, e a sentença recorrida, com base numa falácia formal (a dita falta de legitimidade da Recorrente), violou os deveres que lhe cumpria observar, decorrentes dos art.º 20.º, 1 e 2 e 202.º, 1 e 2 da Constituição; 6-Na verdade, o Tribunal recorrido, em vez daquela falácia, devia ter relevado, e anulado a decisão reclamada, porque: i-A AT tinha – e não cumpriu – o dever de elaborar rigorosamente o auto de penhora, do qual constassem todos os elementos e características físicas reais do prédio e o seu destino económico, bem como as discrepâncias que existissem entre essa realidade material e os seus registos públicos, maxime as descrições registral e matricial; ii-A AT tinha – e parece que não cumpriu – o dever de tomar posse do prédio e constituir um depositário, em cujo auto ele teria de declarar que prédio que lhe era entregue não correspondia ao configurado no auto; iii-A AT tinha o dever – que também não cumpriu – de mencionar nos anúncios da penhora e da venda, bem como no auto de venda e no título de transmissão da propriedade, todos os elementos e características físicas reais do prédio e o seu destino económico, e não aquelas que não correspondem à verdade; 7-Das conclusões precedentes decorre que a AT violou ostensivamente deveres funcionais, essenciais de natureza judicativa, nomeadamente – além dos decorrentes das normas tributárias – os consignados nos art.ºs 753.º a 758.º e 760.º do CPC, ex vi art.º 2.º, e) do CPPT. Correlativamente, dessas violações resultou o sofrimento de um dano patrimonial, por parte da Recorrente, de mais de 340.000 euros; 8-O comportamento da AT, no caso dos autos, é uma ostensiva violação do art.º 266.º da Constituição, e a falta de censura dessa violação, por parte do Tribunal recorrido, é clara violação dos art.ºs 20.º, 1 e 2 e 202.º, 1 e 2, também da Constituição; 9-Estes efeitos de tais violações não podem ser sanados nem extintos, em sequência da venda tributária ajuizada nestes autos, porque isso até causaria uma ostensiva situação de enriquecimento sem causa, proibido pelos art.ºs 473.º e segts. do CC, de abuso de direito, proibido pelo art.º 334.º do CC e ostensiva violação do princípio da boa fé (art.º 227.º, 1 e 762.º, 2 do CC), na medida em que o Interveniente, conhecedor da discrepância gravíssima entre a realidade material e o que foi anunciado, não pode beneficiar de um ganho (sem justa causa) de 340.000 euros, à custa de idêntico empobrecimento da Recorrente, porque injusto e imoral; 10-O Tribunal recorrido, na sua decisão, mais que a consideração de um inaplicável segmento do art.º 838.º, 1 do CPC, assentou o seu discurso numa concepção do direito que, não só desconsidera a autêntica natureza do direito e o método pertinente da sua aplicação, como até o modo como a Constituição reconhece. Da decisão recorrida exsuda uma concepção positivo-nominalista que, na letra da norma (os aludidos inciso do art.º 838.º, 1 do CPC), encontra encerrado o direito, como realidade pré-dada, e esquecidos ficam os justos interesse que o caso revela. O direito não é o estrito significado lexical de uma qualquer proposição dos textos legais, - como, implicitamente, a sentença o configura; 11-“Não é o direito” que se distingue de 'o facto', pois o direito é a síntese normativo-material em que 'o facto' é também elemento”. Por isso “o direito não é elemento, mas síntese, não é premissa de validade mas validade cumprida (a validade de juridicidade que uma vez cumprida nos oferece o 'direito'); não é prius, mas posterius; não é dado mas solução; não é ponto de partida mas resultado; não é no princípio, mas no fim” (C. Neves). “O direito não está nem na norma nem no caso, mas sim na sua relação mútua: apenas na solução concreta há direito” (STJ). E, na sua determinação, como norma do caso concreto, haverá o fundamento pertinente, translegal, de incontornável dimensão (ou natureza) ético-jurídica. (A decisão recorrida está assim, com ressalva do muito respeito devido, nos “antípodas” do direito e da justiça.); 12-As conclusões precedentes dão o arrimo necessário para mostrar que as decisões recorridas não só violaram as normas já invocadas, como fizeram incorrecta interpretação daquelas em que se louvaram, e até aplicaram uma norma...

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